domingo, dezembro 16, 2012

Factos, valores e raciocínio, parte 2.

O Desidério perguntou «Como pensar correctamente sobre conflitos morais e políticos?»(1). Como a resposta dele não me satisfez (2), aqui vai uma alternativa. Antes de mais, o problema não está tanto no pensar, que cada um faz na sua cabeça e como bem entender, mas na argumentação e diálogo, que só são produtivos se contribuírem para resolver estes conflitos. Para isso, as inferências que cada argumento descreve têm de ser válidas e o argumento deve partir de premissas consensuais porque não será persuasivo se partir de pressupostos que o interlocutor rejeita. Isto é especialmente importante quando se discute valores, porque enquanto com premissas acerca de factos ainda se pode resolver dissensões com algum teste objectivo, quando se trata de valores, como o Desidério escreveu, «não há um tribunal de última instância a que possamos recorrer»(1). Assim, no diálogo sobre conflitos morais e políticos temos de ter o cuidado de assentar argumentos em premissas consensuais. Esse é um dos problemas com o argumento do Desidério, dependente de afirmações como «[é] óbvio que não tem qualquer relevância que os tresloucados realmente sejam tresloucados e não tenham razão.»(1)

Seguindo este critério, vou apresentar dois argumentos contra a certificação estatal da homeopatia partindo de afirmações do próprio Desidério. Uma é que as escolhas das pessoas «têm sempre de ser respeitadas, desde que não prejudiquem terceiros»(3). Se alguém quiser comprar água destilada muito mais cara para tomar gotas quando tem gripe, temos de respeitar essa opção. Se quiser acreditar que a água tem memória e essas tretas, tem todo o direito. No entanto, para que isto seja uma escolha tem de ser uma decisão informada, o que implica que a pessoa não seja induzida em erro. Se o Estado certifica alguém como profissional de saúde, muita gente confiará nisso como indicação de que esse profissional sabe o que faz. Tal como confiamos que a ponte não vai cair, que não vamos ser electrocutados pela torradeira e que a pasta de dentes não está envenenada. Não é por fazermos uma investigação aprofundada dos projectos, montagem e composição de tudo o que usamos, mas porque confiamos na regulação estatal que certifica a qualidade desses bens e serviços. Mas isto só funciona se a certificação do Estado for honesta. Se o Estado autoriza a venda de gato por lebre deixamos de poder confiar na certificação para tomar as nossas decisões. Em casos complexos como o da homeopatia, a consequência é as pessoas ficarem privadas da possibilidade de escolha. Se queremos defender o direito de escolher não podemos pôr o Estado a enganar as pessoas.

Outra premissa que suporta esta conclusão é que «não temos mais direito a viver harmoniosamente na nossa própria sociedade do que os outros»(2). Ou seja, que todas as pessoas têm o mesmo direito às suas crenças, sejam correctas ou disparatadas. Isto implica que não seja legítimo ao Estado discriminar crenças só porque uns acreditam numa coisa e outros noutra. Os factos podem justificar discriminação. Na construção civil, por exemplo, há muitas regras para garantir estabilidade e durabilidade às estruturas. Mas as crenças, por si só, não podem ser alvo de regulação estatal sem violar o tal direito que o Desidério defende. Se «não temos mais direito a viver harmoniosamente na nossa própria sociedade do que os outros» e um homeopata tem o direito a uma certificação estatal para vender os seus frasquinhos de água só porque acredita que aquilo cura, sem evidências, então eu também tenho direito a uma certificação estatal para vender gotas da minha água da torneira como cura para a unha encravada, para dar sorte ou como protecção contra vampiros. Se o Estado certifica as tretas de alguns e todos têm direito um tratamento igual das suas tretas e crendices, então o Estado tem de certificar as tretas todas. Parece-me contraproducente.

Tenho mais razões para ser contra a certificação dos homeopatas – e afins – como profissionais de saúde. Mas algumas, aparentemente, partem de valores diferentes daqueles que o Desidério assume. Por exemplo, eu dou valor suficiente à verdade para considerar má ideia que o Estado pregue mentiras às pessoas. Mas, sem «um tribunal de última instância a que possamos recorrer» para determinar quem tem os melhores valores, a forma mais produtiva de tentar persuadir o Desidério é recorrendo aos valores dele. Resumidamente, o direito à escolha implica que o Estado não engane as pessoas e o direito à crença de cada um implica que o Estado não discrimine crendices. Em ambos os casos, isto leva a rejeitar a certificação estatal de actividades como a homeopatia (ou a oração, a astrologia, a pintura, o humor, e assim por diante).

1- Desidério Murcho, Saber pensar sobre problemas morais e políticos.
2- Factos, valores e raciocínio, parte 1.
3-Desidério Murcho, Em defesa da liberdade

8 comentários:

  1. não...1º o crip parte do prinzipio que o fim é resolver con flitos que são coisas irresolúveis con trariamente à maioria das inequações

    con flitos derivam da herança biológica humana

    a moralidade ou a política resultam de formas de organização grupal dos bípedes nus logo dificilmente jogam niste

    é como o 1º ministro interrogar-se como pode um indivíduo fazer o mesmo a 20 creancinhas o que só o estado deve ter o direito de fazer

    pecebeu?

    faiz mal non

    a pr9essão populacional joga en todos os con flitos y fritos

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  2. manifesto uma profunda con's ternação pela vossa incapacidade

    é difícil acreditar que tão cruel acto contra as meninges parta de um prof de pensamento acrítico e põe acrítico nisse

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  3. «têm sempre de ser respeitadas, desde que não prejudiquem terceiros». Nem se pode dizer com certezas que essa opção não prejudica terceiros, pois uma pessoa que ande a arrastar uma gripe tem muito mais oportunidade de contaminar pessoas. Sim, é possível que até prejudique terceiros.

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  4. Estou de acordo.

    Enquanto não houver compreensão de que a liberdade vem mais do conhecimento que da ignorancia vai sempre haver o erro de se achar que se está a dar liberdade desregulando e não protegendo ninguém.

    Curiosamente, nem o Mitt Romney achava que isso era possivel, tendo dado como exemplo onde não iria desregular, a produção alimentar (medo do que come!!! - aposto que se ele pensasse um pouco mais e seguisse o mesmo raciocinio iria acabar a falar numa enorme quantidade de outras coisas).


    Faz-me lembrar da liberdade que deus dá.
    Liberdade para pisar minas de campo, nascer em bairros de lata, acreditar na homeopatia, levar balázios na escola, etc.

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  5. Além do mais, como ele resolve o conflito de interesses de haver uma multidão a achar que desvalorizar a verdade os prejudica?

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  6. Se alguém quiser comprar água destilada muito mais cara para tomar gotas quando tem gripe, temos de respeitar essa opção. Se quiser acreditar que a água tem memória e essas tretas, tem todo o direito.

    E se esse alguém for um Prémio Nobel da Medicina, como Luc Montaigner?!

    Eis dois artigos para ler e meditar, que nada têm a ver com a homeopatia, mas parecem confirmar de um outro modo a famosa "memória da água" de Benveniste ou a surpresa das altas diluições aquosas.

    “New evidence for a non-particle view of life"

    “DNA Waves and Water” (2010)

    «In stating the principle, all life comes from life, a principle which has never been shown to be violated in any experiment to date, it is usual to envision some material process, such as egg and sperm, spore, or cell division, as the responsible agent. In the results reported here, however, the life principle appears to be transmitted, not by the immediate presence of a material substance, but mediately, in connection with a signal detectable by electromagnetic apparatus. (...)

    The attempt to reduce the principle of life to something derivable from the laws of chemistry and physics was never very satisfactory. The argument of the vitalists, that an animating principle must be superimposed upon the presumedly self-evident material substance of living matter, also had its limitations. With the results of Montagnier, we recognize that the principle, omne vivum ex vivo, still holds, but only on the condition that we adopt a non-particle conception of life.»

    Ou seja, o princípio da vida não está nas partículas físicas mas na radiação eletromagnética mensurável numa solução aquosa ultra-diluída e sem outras moléculas, tal como Benveniste comprovou!

    Logo, será crença ou ciência?!

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  7. Apelo à autoridade.

    Talvez as frequencias magneticas lhe tenham ultra-diluido a inteligencia.

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  8. Os princípios éticos da nossa sociedade têm sido o resultado da matriz judaico-cristã que a estruturou durante séculos. É apenas com com base nesses princípios que se pode defender, logicamente, a igual dignidade de todos os seres humanos.

    Se os seres humanos são um acidente cósmico e o produto de milhões de anos de predação, crueldade, sofrimento e morte, é totalmente arbitrário afirmar que têm valor intrínseco e que devem ser tratados de forma igual.

    O que tem valido aos Estados ocidentais é a sua matriz de moralidade, igualdade e justiça social derivada da Reforma Protestante e da Bíblia que a estruturou durante os últimos quatro séculos.

    São os valores judaico-cristãos que nos ensinam o desvalor de certos actos, que devemos considerar criminosos, ou das drogas, bem como o valor da educação e do desenvolvimento pessoal.

    Mas os valores não são massa e energia, nem se podem observar no campo ou em laboratório, existindo apenas num mundo espiritual e imaterial, refutando, pela sua própria existência, uma visão estritamente materialista, naturalista e ateísta do mundo.

    É fácil deduzir logicamente a existência de valores de dignidade e igualdade a partir da premissa, que o Génesis estabelece, de que existe uma dimensão imaterial e valorativa no mundo, resultante da natureza boa e justa de Deus, e da igual dignidade de todos os seres humanos por terem sido criados à imagem de Deus.

    Mas é impossível deduzir, de forma lógica e não arbitrária, a existência desses valores a partir de uma visão materialista que nega a existência da dimensão espiritual e de tudo que não se pode ver e testar cientificamente.

    Em todo o caso, o Ludwig, como especialista que diz ser em pensamento crítico poderia testar esse exercício aqui, de forma racional e fundamentada. Ficamos à espera.

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