sexta-feira, junho 15, 2012

Evolução: mutações aleatórias (adenda).

O Orlando Braga respondeu ao meu último post. Felicito-o por isso. Há tempos, gabava-se de não ler aquilo que criticava (1) e isto revela que o seu método melhorou, mesmo que ainda sem benefícios para os resultados. Antes de passar aos problemas mais substanciais, queria recomendar ao Orlando que evitasse referir probabilidades assim, «se eu digo que a probabilidade de algo ocorrer é de 3, isso significa implicitamente que é de 1 em 3»(2). As convenções são importantes para a comunicação e as da matemática não o são menos que as do Português. Ler “a probabilidade de algo ocorrer é de 3” dá um tropeção mental tão grande como ler a forma reflexa do verbo quando, “implicitamente”, se quer o modo conjuntivo. “Se eu janta-se em tua casa”, por exemplo. Até arrepia. Mas adiante, ao que interessa.

Depois de divagar sobre Fred Hoyle e as minhas alegadas intenções, o Orlando expõe a sua confusão. «O que o escriba quer dizer, segundo percebi, com o seu (dele) argumento segundo o qual “não é preciso a proteína ter aquela sequência”, é que, segundo ele, não existe um processo-padrão de síntese da proteína. E depois vem dizer que o burro sou eu.» Longe de mim igualar o Orlando ao burro. Tenho muito respeito por todos os seres vivos. Mas não é nada disso que eu quis dizer, e lamento que a minha explicação tenha sido tão inadequada. Quando escrevi que uma proteína não precisa de ter aquela sequência queria dizer, e devia tê-lo escrito, que uma proteína não precisa de ter aquela sequência. Não estava a referir-me ao processo de síntese. Talvez uma analogia ajude. A probabilidade de o meu genoma surgir da combinação aleatória de genes humanos é ridiculamente pequena, de um em dez elevado a uma batelada. Nem preciso do Sir Fred Hoyle para estimar isto. No entanto, o que se deduz daqui é limitado pelo facto, evidente, de que para ser humano não é preciso ter exactamente os meus genes. Há muitas outras combinações, tão boas ou melhores (3). Com as proteínas passa-se algo de semelhante. Por exemplo, para uma proteína ser isocitrato desidrogenase não precisa de ter exactamente aquela sequência. Pode ter qualquer uma de muitas diferentes (4). Este é um dos problemas com as contas que o Orlando referiu.

O outro, que também confundiu o Orlando, é que a evolução não junta os aminoácidos de uma vez. Aqui a confusão talvez seja mais fundamental. Escreve o Orlando que «Uma proteína típica contém entre cinquenta a três mil resíduos de aminoácidos, mas a estrutura primária da proteína — repito: estrutura primária! — é composta pelos 20 aminoácidos a que me referi no meu verbete supracitado e em referência a Sir Fred Hoyle.» Não sei que distinção o Orlando quer fazer aqui, mas a estrutura primária é a sequência dos tais “entre cinquenta a três mil resíduos”. Estes resíduos – chamam-se resíduos porque cada aminoácido perde alguns átomos na ligação peptídica – normalmente correspondem a vinte tipos diferentes de aminoácidos, mas a estrutura primária não é os vinte tipos. É a sequência de todos os resíduos da proteína, centenas ou milhares deles, com repetições e tudo. Essa sequência foi gerada pela acumulação gradual de mutações, sempre sob pressões selectivas. Isto faz muita diferença. Se tivermos de adivinhar uma combinação de quatro algarismos precisamos, em média, de testar umas cinco mil combinações até acertar. Mas se pudermos adivinhar cada algarismo e nos forem dizendo se está certo ou errado, então basta 40 tentativas, na pior das hipóteses. Não é preciso explorar todas as combinações. A evolução não decorre exactamente desta forma mas há uma redução análoga no espaço de pesquisa. Cada mutação só vinga se o organismo em que ocorre replicar esses genes de forma competitiva. Assim, muitas possibilidades ficam fora do alcance do processo e a probabilidade de encontrar uma das soluções permitidas é muito maior do que a estimada considerando todas as combinações.

Neste post, o Orlando não menciona a evidência empírica que demonstra serem aleatórias as mutações como as do exemplo que ele deu, da resistência a antibióticos. Em vez disso, escreve que «o princípio darwinista das mutações aleatórias e de pequenos passos, está errado» apenas «no surgimento da vida!»(2), e não depois da vida já ter surgido. Isto é confuso, visto que a alternativa proposta pelo Orlando era a mutação ser «conduzida pela própria célula, como organismo vivo»(6), o que parece ser difícil «no surgimento da vida!», mesmo com ponto de exclamação. Mas, seja como for, é uma boa notícia, porque implica que o Orlando aceita a teoria da evolução como descrição correcta da vida depois desta ter surgido. É um passo importante.

Falta-lhe apenas perceber que a teoria da evolução se aplica a quaisquer populações de replicadores que herdem características mutáveis. Nada nesta teoria, no caso geral, exige que os replicadores sejam classificados de “seres vivos”. Os vírus, por exemplo, evoluem bastante facilmente, para infortúnio nosso, mas não são seres vivos. Por isso, este processo de mutações aleatórias e selecção natural pode servir também para descrever sistemas químicos mais simples que tenham dado origem aos primeiros seres vivos.

Numa coisa o Orlando tem razão. A evolução como concebida por Darwin não pode explicar «o surgimento e o funcionamento, por exemplo, de uma célula eucariótica típica». No entanto, isto não se deve a qualquer intervenção divina ou sobrenatural. O problema é que a célula eucariótica resulta da fusão de células procarióticas, um processo que a teoria darwiniana não consegue modelar. Felizmente, a biologia moderna está muito além das ideias iniciais de Darwin e continua a avançar, graças à abordagem, mais laboriosa mas mais produtiva, de testar hipóteses concretas e claras em vez de teimar em afirmações vagas e confusas.

1- Humpty & Dumpty, e do Orlando Braga, Caros ateístas: a negação de uma metafísica é sempre uma metafísica!
2- Orlando Braga, O missal darwinista consegue ser pior do que o Alcorão
3- Por exemplo
4- Só entre as que já conhecemos, e limitando o agrupamento a 50% de identidade no mínimo, temos 2287 neste momento.
5- Wikipedia, Luria–Delbrück experiment
6- Orlando Braga, A confusão darwinista: micro-mutações = macro-mutações = vida

35 comentários:

  1. « Os vírus, por exemplo, evoluem bastante facilmente, para infortúnio nosso, mas não são seres vivos.»

    Bom, não sei se justifica afirmar isto de forma tão peremptória... Afinal, não existe grande consenso em relação ao significado do termo «vida» e os vírus estão algures na fronteira. Dito de outra forma, muitos consideram que os vírus são vida, e visto que o que está em causa é uma palavra e uma palavra é uma convenção social, não sei até que ponto é que podemos afirmar que estão errados.

    Eu, por exemplo, tinha aprendido na escola que a vida se divide em fungos, animais, vegetais, bactérias e vírus. E sei que ainda não existe uma definição de vida suficientemente consensual para que se possa responder definitivamente à pergunta «os vírus são vida?».

    Quanto ao resto do texto, está muito bom.

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  2. Reparem que o Ludwig não demonstrou a origem acidental da vida nem a transformação de uma espécie noutra diferente e mais complexa...

    Apenas apresentou algumas ruminações triviais sobre probabilidades ignorando que a vida é muito mais do que genes (que até um cadáver tem!)
    e que os códigos e informação codificada, enquanto grandezas imateriais, têm sempre uma origem mental.

    Ele também ignora as probabilidades infinitesimais envolvidas no hipotético surgimento acidental de uma molécula de DNA

    Além disso ele ignora que as bactérias, longe de estarem a acumular novos genes, capazes de codificar novas instruções estruturais e funcionais, estão a perder genes, o que confirma a doutrina bíblica sobre a corrupção e refuta a transformação de bactérias em bacteriologistas...

    Tratando-se de um cientista, ateísta militante e "especialista" em pensamento crítico que se propõe refutar a doutrina bíblica da Criação, verifica-se que o discurso do Ludwig é simplesmente inofensivo...

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    1. Quando fala em "doutrina bíblica da Criação" refere-se ao livro de Génesis em que diz que deus criou a Terra a Luz e as Trevas a Tarde e a Manhã a Ervas e as Árvores de Fruto e depois criou os Luminares para marcar a passagem do tempo? Assim por esta ordem com mais algumas coisas pelo meio?

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    2. Convém ler melhor o texto todo, com muita atenção ao pormenor, para perceber melhor a ordem...

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    3. Já li.
      No primeiro dia criou a luz.
      No segundo dia separou as águas.
      No terceiro criou as ervas e as árvores de fruto.
      No quarto dia criou as estrelas o Sol e a Lua.
      Se eu ler outra vez com mais atenção a ordem vai alterar-se? Ou estou a ler um Génesis diferente do seu?

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  3. «a vida é muito mais do que genes (que até um cadáver tem!)»

    As frases do criacionista em questão são de uma sapiência tão grande, que chega a ser injusto não lhe atribuirem um Nobel


    :-)

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  4. João Vasco,

    Concordo que há opiniões divergentes acerca da classificação do vírus como vivo ou não. Principalmente porque "vivo" é um conceito abstracto, vago e pouco relevante como classificação genérica.

    Mas, para mim, o que resolve o problema é pensar na diferença entre um vírus vivo e o mesmo vírus morto. Não há nenhuma. Podemos inactivar o vírus, modificando-o de forma a reproduzir-se com menos eficácia, mas isso não é o mesmo que o matar. Sem uma diferença clara entre vivo e morto não me parece útil classificá-lo como ser vivo.

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    1. Os vírus não são vida, não se podendo reproduzir por si próprios, sem recorrerem às máquinas moleculares de uma célula viva.

      Ainda assim, eles podem ser mesmos muito complexos. Apesar da sua extrema miniaturização mesmo os mais pequenos vírus têm pequenos motores


      A vida, essa, é extremamente complexa, nunca tendo sido observada a surgir por por acaso em circunstância alguma, o que corrobora a Bíblia quando diz que a vida foi criada por Deus.

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    2. Nope, lamento mas "ausência de prova não é prova de ausência". Não é por nunca termos observado o surgimento espontâneo de vida que ele não pode acontecer.

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    3. Este comentário foi removido pelo autor.

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    4. Deixe ver se consegui perceber. Nega o surgimento espontâneo da vida complexa e ao mesmo tempo propõe que o seu deus criador (super-hiper-mega saiyan complexo) tenha surgido de forma espontânea antes de ter criado tudo o resto?

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  5. Se não há diferença, porque é que o vírus está «morto»? Não seria imortal?

    Nota que faço esta pergunta com curiosidade genuína, vinda da minha enorme ignorância sobre o tema, não é uma pergunta retórica (ou se for, acertei no jackpot).

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  6. Um erro comum dos criacionistas é criticarem as ideias iniciais de Darwin, ignorando o desenvolvimento até aos dias de hoje no campo respectivo. É como criticar toda a Física denotando os erros de Newton.

    No fundo, devem estar cientes desta falácia. Mas assim a contra-argumentação seria mais complicada...

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    1. Darwin viu tentilhões a "evoluirem" para.... tentilhões!

      150 anos depois, Ludwig vê gaivotas a "evoluirem" para...gaivotas!

      Milhares de anos antes, já Génesis dizia que os seres vivos se reproduzem de acordo com o seu género...

      Nada mudou... ... como se vê nas notícias recentíssimas que os criacionistas vão apresentando aqui neste blogue...

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    2. Os tentilhões de Darwin pertencem a 14 espécies diferentes, o que indica que um ancestral de tentilhão, sujeito a pressões selectivas diferentes (nas diferentes ilhas), evoluiu até a actualidade, diferenciando-se em 14 espécies distintas. Se um ser vivo se reproduz até dar origem a um de espécie diferente, então houve evolução. Imagem para ajudar a tua mente criacionista:

      http://www.icb.ufmg.br/lbem/aulas/grad/evol/darwin/finch-tree.gif

      Relembro até que a "espécie" é a única divisão taxonómica que pode ser definida por critérios exactos, e como deves saber considera-se que dois indivíduos pertencem à mesma espécie quando dão origem a descendência fértil.

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  7. Seria imortal no mesmo sentido em que uma rocha é imortal.

    A única coisa que o vírus tem que pode ser propriedade de um ser vivo é replicar-se e, mesmo assim, não é o vírus que se replica. É a célula hospedeira que faz cópias do vírus. De resto, não tem metabolismo, não se desenvolve, não tem sistemas de sinalização e regulação, homeostase, etc. Se vamos classificar o vírus de ser vivo por ter a capacidade de ser copiado, então uma fotocópia também é um ser vivo :)

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    1. Não percam tempo com trivialidades e disparates...

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    2. Desculpe, Ludwig, mas tenho de corrigi-lo novamente:

      Onde escreveu:

      "De resto, não tem metabolismo, não se desenvolve, não tem sistemas de sinalização e regulação, homeostase, etc."

      Deveria ter escrito:

      "No actual estádio de conhecimento científico, não foi encontrado nenhum mecanismo de metabolismo, não foi observado nenhum desenvolvimento, nem foram visto sistemas de sinalização e regulação, homeostase,"

      Não corrigi o "etc" porque aqui estou de acordo. Temos de ser rigorosos: a verdade científica é sempre provisória. Não sabemos se amanhã uma mente brilhante não demonstrará o contrário de tudo o que sabemos até agora.

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    3. António,

      Se eu quisesse ser considerado infalível, teria de acrescentar ressalvas como "No actual estádio de conhecimento científico", ou equivalente, a tudo o que dissesse. Até se dissesse que estava sol ou as horas que tinha. Mas como não tenho problemas em admitir que estou enganado e a mudar de ideias se tiver evidências disso, não preciso de estar sempre com esse acrescento. Digo o que penso e, se mostrarem que não tenho justificação para pensar assim, agradeço e mudo de opinião. Não sendo um homem de fé, não me custa admitir erros e mudar de ideias.

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    4. Vou estar atento, Ludwig... ;-). E relaxa, estás a escrever muito sério... :-)

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    5. Ludwig,

      Parece-me que estás a exigir um critério lógico e simples, coisa que muitas das convenções que usamos não têm. Por exemplo, o que é um «Continente»? Porque é que a «Europa» é um continente?

      Porque é que Macau, mesmo quando fazia parte do território português, era parte da Ásia, mas a Madeira, em plena placa continental africana, faz parte da Europa?

      Assim, «vida» não pode ser tão simplesmente «aquilo que se reproduz» porque as Mulas são seres vivos.

      Pelo que percebo não existe uma definição que todos aceitem sobre o que é «vida», e a minha objecção inicial - não podemos afirmar tão peremptoriamente que os vírus não são seres vivos quando isso seria aplicar uma convenção, mas essa convenção não está definida em relação a esse ponto - parece manter-se válida.

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  8. Uma fotocópia que diz "é favor copiar-me". De forma muito convincente.

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    1. Em bem vos disse que o Ludwig não passa de um pirotécnico argumentativo...

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    2. o bankeiro anarka do Fonsecas e Burn away

      o que um vírus partilha com um ser vivo (além da cápside proteica que pode não ter) é a capacidade de transmitir informação via ácidos nucleicos...

      o facto de não ter vias metabólicas suas e de cristalizar não o retiram do grupo "eu sou um organismo onanista krippahlico fálico ou sem falo"
      o que o retira do grupo dos viventes é.....
      12 pontos..(3 por indicar+9pela justificação
      justifica a são krippahlista custa 15 pontásse

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  9. A mim o que me convenceu foi o teu exemplo da nota (3) :P

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  10. Ludwig,

    tudo o que se possa dizer sobre a natureza não anula, nem evita, que alguém diga "E tudo Deus criou!". Pudéssemos descrever até à ínfima partícula, ou onda, a física e a química das coisas, explicar as funções e os comportamentos dos organismos, explicar o facto de sermos capazes de explicar. Pudesses dizer que um vírus vivo (não morto) não é um ser vivo e podes dizer que, até, a vida é uma fantasia, ou uma ficção e que a inteligência não existe e que nada tem sentido, nem finalidade, para lá dos que cada um quiser encontrar. Nenhum dos nossos conhecimentos altera a realidade de fundo, temos em mãos o problema de sempre e as respostas de sempre: como? Outros, mais curiosos, perguntam: para quê? Porquê? Quem? O Ludwig contentar-se-ia com o "como" dos primeiros ateus, de há cinco ou seis mil anos, que julgavam estar tudo explicado por natureza, e não encontraria razões para fazer mais perguntas. Outros, incrédulos perante o que vêem e instigados pela força do pensamento, não descansaram e não descansam até que haja respostas credíveis às perguntas. Foram estes e são estes os verdadeiros crentes que, desconfiados da superficial aparência das coisas e intrigados sobre a própria existência, não decretaram os limites e as fronteiras do que é legítimo perguntar e do que é legítimo responder, ou acreditar. E são estes que têm vindo, ao longo dos tempos, a ampliar os horizontes, uns, com a profunda crença de que há mais para lá da linha do horizonte, outros, acreditando piamente, e sem dificuldade, que Deus é a resposta mais do que óbvia. Não ao "como?", não ao "porquê?", não ao "para quê?", mas ao retumbante silêncio que sobrevém a estas interrogações.

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    1. O problema de ter uma "resposta mais do que óbvia" para o "porquê?" é que todas as respostas a perguntas sem sentido estão ao mesmo nível de absurdo. A resposta de que "foi o Pai Natal que quis que as coisas fossem assim" é tão válida como qualquer outra — porque não é possível demonstrar que é falsa. Se o pressuposto for inventar uma resposta que não seja falsificável, então podemos postular o que quisermos. Aliás, como penso que o perspectiva uma vez disse, até se pode postular "foi o Acaso" (onde a diferença está apenas em que não é feita uma reificação do Acaso...).

      O "silêncio" é meramente a consequência de fazer perguntas sem sentido às quais aguardamos, mesmo assim, que haja uma resposta. Uma coisa divertida da mente humana é ser capaz de formular paradoxos sem os conseguir resolver. O exemplo clássico de que gosto mais é o da frase: "Tudo o que digo é mentira" que é difícil de provar se é verdadeira ou falsa — depende do referencial, mas nos referenciais em que é verdadeira criam-se mais paradoxos. Recomendo a leitura do Douglas Hoffstadter para uma apresentação de uma série desses paradoxos, tanto a nível da linguagem corrente (que é ambígua e por isso conduz facilmente a paradoxos...) mas também da linguagem matemática tal como a conhecemos: o chato do Gödel infelizmente derrubou o majestoso edifício criado pelo Russell no início do século que pretendia criar uma matemática que abarcasse todo o universo e que fosse simultaneamente completa e consistente...

      Curiosamente, para a pergunta "porque é que há vida?" há uma explicação não-teista bastante interessante, que, no entanto, pode vir a ser revelada como estando completamente errada. Parte do pressuposto que a entropia no universo cresce sempre, mas, a nível local, os seres vivos, apesar de obviamente gerarem entropia, parece terem a capacidade de gerarem menos entropia do que na sua ausência. Esta explicação remete para um princípio de «complexificação do universo» no sentido de tentar fazer reduzir o aumento da entropia local (sim, reduzir o aumento da entropia, e não reduzir a entropia em si, que seria absurdo). Quanto mais complexo parece ser um organismo, mais eficiente parece ser em termos de redução do aumento da entropia. Isto seria um bom princípio para responder ao «porquê» da vida (tal como a definimos hoje; definição essa que continua a mudar...) com uma resposta que é falsificável (basta encontrar seres vivos que gerem um aumento de entropia do sistema superior ao que aconteceria se estes não estivessem presentes!). Tem, infelizmente, duas grandes falhas. Uma delas é que se limita a um exemplo paroquial e anedoctal — só conhecemos vida na Terra e não sabemos se o mesmo mecanismo existe noutros sistemas solares. A segunda é que tende a empurrar-nos de novo para o Princípio Antrópico, o que é sempre mau sinal de que não estamos lá a ir muito bem pelo bom caminho...

      Mas refiro isto só para dizer que nem sempre há «silêncio» para determinadas perguntas, por mais absurdas que pareçam ser. Há, sim, respostas que podem ser falsificáveis ou não; há respostas paradoxais (que não ajudam em nada); e há silêncio quando a pergunta de facto não faz sentido.

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    1. Esta citação faz-me lembrar um amigo meu, que me garantia a pés juntos que haviam imensos estudos científicos publicados a comprovar o efeito terapêutico da homeopatia. Pedi-me então que me mandasse as referências; mas ele lembrou-se de citar uma delas, um jornal sem qualquer credibilidade científica... eu ri-me e perguntei-lhe se não sabia mesmo que esse jornal não tinha nenhuma credibilidade. Ele lá se torceu todo e admitiu que realmente os artigos de que se lembrava eram todos publicados em jornais pseudo-científicos. Mas isso é batota — qualquer idiota pode lançar um jornal «científico» e publicar o que lhe apetece. Podia amanhã lançar o «Jornal do Criacionismo e Design Inteligente» e começar a aceitar artigos para publicação. Até podia fazer revisão científica! Mas lá porque tenha um nome sonante e até tenha alguma revisão científica, não é isso que dá credibilidade a um jornal, muito menos a quem publica nele...

      (Depois o meu amigo mostrou-me um artigo sobre experiências em laboratório sobre homeopatia que já tinha sido publicado na Nature. Embora as conclusões tendessem a descredibilizar algumas das hipóteses formuladas pelos homeopatas — a de que quanto maior a diluição, maior o efeito — outras hipóteses pareciam dar resultados positivos, para surpresa dos próprios investigadores. Enfim. Será preciso mais investigação para chegar a alguma conclusão. Além disso, é um artigo fracamente positivo, de entre milhões que foram publicados e que rejeitam a homeopatia de todo)

      Por outras palavras, citar como «fonte de autoridade» quem não tem autoridade nenhuma não é «substanciar um argumento». O melhor que esse seu artigo diz é que a ciência de facto não tem uma explicação para o que acontece em escalas diminutas de tempo imediatamente a seguir ao Big Bang, mas esquece-se de referir que o que já sabemos é ordens de magnitude superiores ao que sabíamos há cem, cinquenta, ou mesmo dez anos atrás. Por outras palavras: a probabilidade das teorias cosmológicas actuais estarem completamente erradas é baixíssima. Qualquer nova teoria cosmológica que apareça (e aparecem, volta e meia, algumas coisa interessantes) tem primeiro de demonstrar como é que o Big Bang emerge da sua própria teoria, e depois — para ser útil — tem de explicar mais e melhor os mecanismos de criação do universo.

      De notar que os criacionistas também não «explicam» como é que o Universo surgiu. Dizer que «foi Deus» é fugir à pergunta. Como é que Deus fez o Universo? :) Ah, essa pergunta não é preciso colocar, porque Deus é omnipotente e pode fazer o que quiser, de forma incompreensível para os seres humanos... ok, tudo bem, mas posso usar o mesmo argumento para dizer que foi o Pai Natal, o Flying Spaghetti Monster, ou o Invisible Pink Unicorn que criou o Universo, e nenhuma dessas afirmações é mais válida que a primeira — e posso inclusive publicar montes de artigos sobre o assunto em locais sem credibilidade para «justificar» a «autoridade» das minhas afirmações...

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  12. O Orlando Braga é aquele senhor que publica muitos e muito cómicos posts, especialmente sobre homossexualidade - o seu tema favorito - mas tb sobre religião, linguística, história, biologia, física quântica, casamento, divórcio, direito natural, etc etc)? É um grande humorista e um verdadeiro homem da renascença, pois tudo sabe. Já há muito tempo que não vou lá, pode ser que passe por lá um destes dias.

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    1. Já há muito tempo que não vou lá....pois Kripp tens aqui mais outro que também se vem e se vai...

      Isto de andar ligando e desligando o con puta dor dá a ilusão de fazerem exercício
      já chegaste aos 100 pá? aparece noutra palermice televisiva pa ver comé cacrise t'afetou

      2012 tás com 57, isto é muyto abaixo da média

      já 2011 era um ano de declínio no número de postes

      ê tenho uns ecaliptus de que nã preciso

      bai-te a eles e faz postes

      antes dos incêndios

      a propósito ó alimão...se és escriba és egípcio

      um nazi querer ser egípcio e grego ao mesmo tempo
      é certamente um ptolomeu de trazer por casa...

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  13. João Vasco,

    «Parece-me que estás a exigir um critério lógico e simples»

    Não tem de ser simples. Os vírus evoluem porque são copiados, com erros, nas células que infectam. De resto, não se reproduzem por si, não têm metabolismo, nem se desenvolvem, nem envelhecem nem têm mecanismos de homeostase. Por isso considero que não são vivos.

    Se alguém os considera vivos, então das duas uma. Ou tem um critério de vida que exige apenas a possibilidade de algo ser copiado -- e aí uma fotocópia e um ficheiro mp3 também são vivos -- ou então tem um critério de vida que é inconsistente, aceitando como suficiente um atributo nuns casos que rejeita como insuficiente noutros. Que seja simples ou complicado não me faz muita diferença, mas um critério inconsistente parece-me pouco útil e, por isso, se alguém define "vida" dessa maneira não vejo que o termo, assim definido, sirva de alguma coisa.

    Também podem definir vida como complexidade organizada, e nesse caso um diamente ou um grão de sal são vivos. Ou como processos dinâmicos fora do equilíbrio, e nesse caso uma enxurrada ou um incêndio são vivos. Etc. É mera convenção. Mas lá por ser convenção não quer dizer que aceite qualquer coisa que queiram convencionar.

    Por isso continuo a defender que um vírus não é um ser vivo.

    Seja como for, o ponto mais importante não é esse. O ponto mais importante é que a evolução não exige que as populações que evoluem sejam compostas por organismos vivos. Basta que haja reprodução com herança de características e mutações.

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  14. Ludwig:

    Parece que ignoraste o meu argumento.
    Tu exiges um critério simples na medida em que pode ser expresso através de uma regra e não de uma lista. Daí o exemplo da Europa como continente. O que é um continente? É uma área geográfica de uma lista de 6 áreas geográficas convencionadas (Europa, Ásia, América, Oceania, Antártida, África).
    De forma análoga, o que é a «vida» não tem hoje resposta. Mas, ao contrário do caso dos continentes, não existe uma lista convencionada que todos aceitem. É algo comum a taxonomia que engloba três domínios, e nenhum deles corresponde aos vírus, mas essa convenção não está assente ao ponto de se considerar «a» convenção, pelo que percebo isso está em discussão «as we speak» e o pior é que nestas coisas não há um lado que tenha razão e outro que esteja errado: quer dizer um lado eventualmente propõe convenções mais «práticas» (que é o que a linguagem científica deve ser) que o outro, mas isso não é o tipo de coisa que se possa aferir muito facilmente...

    «Seja como for, o ponto mais importante não é esse.»
    Sei, sei. Foi esse o pressuposto do meu comentário inicial. Só que de resto estou de acordo com tudo.

    PS- As limitações que apresentas aos diferentes critérios muitas vezes usados para definir vida dão razão às minhas objecções: não existe um critério simples para definir vida em relação ao qual possamos dizer que os vírus não verificam. Por isso - por não existir nenhum bom critério para definir «vida» - é que as discussões relativas ao que é um ser vivo e não é ainda não acabaram.

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  15. João Vasco,

    «Tu exiges um critério simples na medida em que pode ser expresso através de uma regra e não de uma lista.»

    Se me disserem "os seres vivos são os seguintes: ...." eu vou perguntar "mas porquê esses?". E se me disserem "ah, porque sim, é a nossa lista" eu vou dizer "bela bosta de classificação" :)

    Mas se o critério for complexo não me faz diferença. Desde que faça sentido. E nem me parece muito complexo. Penso que basta ter a capacidade para metabolismo, desenvolvimento e homeostase para distinguir um ser vivo de outros que não o são (digo capacidade porque um grilo congelado ainda está vivo se, ao descongelar, demonstrar estes atributos).

    O vírus não faz nada disso. É uma cápsula de proteína, talvez com lípidos, e ácido nucleico que fica inerte até o ácido nucleico entrar numa célula e esta criar novos vírus. Se isto é vivo então também um transposão ou um prião são vivos, o que não faz sentido nenhum.

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  16. «Se me disserem "os seres vivos são os seguintes: ...." eu vou perguntar "mas porquê esses?".

    Os continente são os seguintes: Europa, América, Ásia, África, Oceania e Antárctida. Suponho que estás de acordo.
    E agora pergunto-te: porquê esses?

    «Penso que basta ter a capacidade para metabolismo, desenvolvimento e homeostase»
    Parece-me que entras numa definição circular:
    «Metabolism (from Greek: μεταβολή "metabolē", "change" or Greek: μεταβολισμός metabolismos, "outthrow") is the set of chemical reactions that happen in the cells of living organisms to sustain life.»
    Quanto à homeostase, existem uma série de coisas não vivas que correspondem à definição.

    «Se isto é vivo »
    Eu não estou a discutir contigo alegando que o vírus é vida. Eu estou apontar o facto de ninguém saber o que é vida, visto que não existe consenso em relação à definição. O conceito abrange certamente algumas coisas - tu, uma árvore, uma mula, um leão, um gafanhoto, um cogumelo - e exclui certamente outras - um telefone, uma rocha, uma máquina calculadora, um copo de água. Mas há coisas que estão na fronteira, e em relação às quais não existe acordo.

    Eu já tive uma discussão semelhante contigo sobre o capitalismo, em relação ao qual tu dizias que era X, Y e Z. Eu disse-te que para os marxistas era R, T e G, e que não existia acordo quanto ao conceito, e tu começaste a mostrar como X, Y e Z não implicava R, T e G, e portanto os marxistas estavam errados. Só que nestas coisas de convenções não podemos chegar lá e ver - por isso é que evito sempre usar a palavra «capitalismo»: não só não existe uma definição aceite por todos, como as pessoas nem se apercebem disso, usam a mesma palavra e pensam que estão a falar da mesma coisa, quando afinal estão a falar de coisas diferentes. Mas aí ainda existia o benefício de serem duas definições concretas e relativamente precisas: em relação à vida não existe nenhuma definição aceite por todos. Há um conceito, não completamente definido.

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