sábado, abril 28, 2012

Equívocos, parte 15. Fundamental e dramático.

O Alfredo Dinis explicou porque julga ser «Equívoco fundamental» do ateísmo «estar estruturalmente impedido de […] erradicar a religião»(1). Alegando que os ateus escrevem com «uma extrema agressividade», publicam muitos livros, dizem que a religião faz mal e acham que «os crentes são todos uns grandes ignorantes [e] a inteligência está toda do lado dos ateus», o Alfredo conclui que «A missão dos não crentes é só uma: anunciar a boa notícia de que Deus não existe» com o objectivo de «erradicar a religião». Como, segundo o Alfredo, as críticas dos ateus ou são irrelevantes ou são positivas para “a religião”, é um equívoco dos ateus criticar publicamente a religião «porque pensando que estão a destruir a religião com as suas críticas, a sua acção acaba por ter um efeito positivo ou neutro». Isto, acrescenta o Alfredo, é «objectivamente dramático»(2).

Antes de passar às premissas, começo pela confusão principal. “Ateu” designa quem rejeita as alegações sobrenaturais de todas as religiões, para o distinguir do crente, que rejeita as alegações sobrenaturais de todas as religiões menos uma. Isto não tem nada que ver com escrever livros, blogs, ou dizer que a religião faz mal. Se eu deixasse de escrever ou falar sobre religião continuava a ser ateu. Seria um ateu calado, mais ao gosto do Alfredo, mas um ateu à mesma. Portanto, a alegada incapacidade desta contestação “beliscar a religião” não poderia ser um equívoco fundamental do ateísmo. No máximo, seria uma falha de comunicação.

No entanto, a premissa de que os argumentos dos ateus nunca “beliscam” a religião é difícil de aceitar. Desde os posts do Alfredo a alegar que não há nada aqui para ver às homilias do José Policarpo apontando o ateísmo como «o maior drama da humanidade»(3), há muitos indícios de beliscadela. Além disso, “religião” é um termo demasiado vago. Julgo que o Alfredo concorda que muitos argumentos científicos, que não invocam qualquer deus, beliscam dolorosamente as teses religiosas dos criacionistas. Ou as teses de que Atena nasceu da cabeça de Zeus, o deus escaravelho Khepra rebola o Sol pelo céu e Thor causa trovoadas com o Mjolnir. Basta um pingo de cepticismo para pôr também em causa muitas teses centrais da religião do Alfredo, desde a ressurreição de Jesus à assunção de Maria, infalibilidade papal ou a convicção de que só homens, e nunca mulheres, podem deter o poder mágico de benzer, transubstanciar e celebrar missas. A insistência numa vaga “religião”, sem nunca defender dogmas católicos em detalhe, faz-me suspeitar que o próprio Alfredo teme um beliscão.

Segundo o Alfredo, os ateus julgam que «os crentes são todos uns grandes ignorantes [e que] a inteligência está toda do lado dos ateus». Mais do que falso, isto é absurdo. Se fosse essa a minha opinião de todos os crentes não discutiria com nenhum deles. Não valeria a pena. Faria apenas o que faço com alguns criacionistas, que é criticar os seus disparates sem encetar grandes diálogos com eles, visto ser claro que não querem considerar os factos nem ter conversas inteligentes. Com o Alfredo passa-se o contrário; só esta conversa sobre os equívocos já vai no décimo quinto post. Há pessoas com quem é possível ter conversas inteligentes, outras com quem não se consegue, e isso não é função de ser crente ou descrente. É até muito mais uma questão de atitude do que de formação académica ou inteligência.

O Alfredo também está enganado acerca dos objectivos de discutir religião e ateísmo. O que me motiva, principalmente, é gostar de escrever o que penso, seja sobre copyright, astrologia, criacionismo ou catolicismo. O facto de os meus posts, por si só, não levarem a Maya a abandonar o negócio, o Mats a rejeitar o criacionismo ou a RIAA a aceitar a partilha de ficheiros não torna a minha liberdade de expressão num equívoco. Também não fico desmotivado por o Alfredo continuar padre depois de ler isto.

Em geral, os ateus não visam demover os crentes mais ferrenhos ou que tenham muito investido na defesa de alguma crença. É uma tarefa inglória e pouco motivadora. A motivação principal é que a escrita e o diálogo valem por si. Somos uma espécie exímia a comunicar e tiramos grande prazer disso, mesmo quando não traga consequências práticas. Quanto ao esforço de persuasão, esse é dirigido aos outros. Para qualquer crença, além dos defensores acérrimos e dos opositores declarados há uma maioria silenciosa que faz toda a diferença. Escrevo o que escrevo pelo prazer do diálogo, pelo alívio do desabafo e, também, para mostrar aos indiferentes que uma crença falsa não merece respeito só por fé ou insistência. É isto que o Alfredo confunde. Acabar com a fé religiosa não é um objectivo viável, mas é viável diminuir a reverência que a maioria concede a certos disparates só por virem de religiões, tradições ou fanáticos. E isso, parece-me, os ateus têm conseguido. Por exemplo, de Pio XII a Bento XVI, em seis décadas, nota-se uma grande diferença na arrogância com que os dirigentes católicos podem alegar representar o criador do universo e conhecer os seus milagres e mistérios.

A ideia destes textos não é converter o Alfredo. Tampouco me importa o que o Alfredo acredita. O que pretendo com isto, além do gozo que me dá a escrever, é contribuir, por pouco que seja, para que as alegações de bruxos, padres, videntes e afins sejam avaliadas apenas pelo mérito que tiverem em vez de aceites como autoritárias simplesmente por virem de quem vêm. Isto não me parece um equívoco. Parece-me um objectivo meritório, mesmo que não seja possível atingi-lo, porque sem um esforço constante neste sentido só vamos escorregar no sentido oposto. O importante não é que a sociedade acabe com as religiões e demais superstições. O que importa é que a superstição não nos impeça de ter uma sociedade livre, justa e esclarecida.

1- Alfredo Dinis, Grandes equívocos do ateísmo contemporâneo
2- Alfredo Dinis, um dramático equívoco
3- DN, Cardeal diz que maior drama é a negação de Deus

18 comentários:

  1. Caro Ludwig,

    Obrigado por este post. Alguns esclarecimentos:

    1.O crente “rejeita as alegações sobrenaturais de todas as religiões menos uma”.

    A posição da Igreja Católica acerca das outras religiões é a seguite: “A Igreja Católica não rejeita absolutamente nada daquilo que há de verdadeiro e santo nessas religiões. Considera com sincero respeito esses modos de agir e de viver, esses preceitos e doutrinas que, embora em muitos pontos estejam em discordância com aquilo que ela afirma e ensina, muitas vezes reflectem um raio daquela Verdade que ilumina todos os homens” CONC. VATICANO II, Decl. Nostra aetate, n. 2.)

    2.”um ateu calado, mais ao gosto do Alfredo”.

    Como tenho repetidamente afirmado, as críticas objectivas e informadas dos ateus à religião em geral e ao Cristianismo em particular, só fazem bem. Quando, porém, leio tantas críticas de não crentes sem objectividade e em geral falaciosas, sim, preferia que estivessem calados. O mesmo em relação a certas críticas dos crentes aos steus. Mas quando essas críticas são objectivas, porque haveria de preferir não as ouvir?

    3.”a premissa de que os argumentos dos ateus nunca “beliscam” a religião é difícil de aceitar.”

    Convém não confundir os efeitos positivos das críticas objectivas dos efeitos neutros ou mesmo negativos das críticas sem fundamento objectivo. No primeiro caso, o Cristianismo, para ser mais concreto não é beliscado; só tem a agradecer. No segundo caso não há beliscadura porque não há objectividade crítica.

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    1. De notar que o Papa João Paulo II para todos os efeitos eliminou essa declaração do Conc. Vaticano II e reverteu a posição doutrinal para o bom e velho extra Ecclesiam nulla salus. Como se suspeita que essas declarações, compiladas em várias encíclicas papais (c.f. por exemplo Crossing the Threshold of Hope publicado em 1994; as respostas aos ataques de S. S. têm sido muito curiosas por levantarem fortes questões de que S. S. não sabia sequer do que estava a falar quando criticava outras religiões; mas isso é pano para mangas para outras discussões...), tenham sido fortemente «inspiradas» pelo então Cardeal Joseph Ratzinger, hoje Bento XVI, é muito pouco provável que se volte ao espírito do Conc. Vat. II nas próximas décadas. E se calhar não é sequer desejável: ao aceitar a existência de coisas «verdadeiras e santas» noutras religiões, a ICAR enfraquece a sua própria posição e confunde os seus crentes, dando aparentemente uma permissividade para encontrarem noutras religiões aquilo que não encontram na sua.

      Com o resto obviamente estou de acordo em princípio, mas as «críticas» normalmente baseiam-se na falta de compreensão dos objectivos das religiões organizadas como a ICAR. Quando são críticas a determinadas atitudes — por exemplo, proferir um discurso de paz e compaixão universal mas depois aceitar que existam «guerras santas» que são justificadas em nome de um deus — a questão já é diferente. Condenar a homossexualidade mas proteger os pedófilos da justiça é outro bom exemplo de uma crítica razoável. Já dizer que «toda a religião é perniciosa porque se baseia em argumentos irracionais» é uma crítica que não serve de nada: são esses «argumentos irracionais» que são a base da crença e que estão para além do ataque de eventuais ateus convictos que, pela força da lógica, conseguem destruir religiões. Há milhares de anos que se tenta fazer isso sem o conseguir :) Mas isto é porque os seres humanos não são totalmente racionais...

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    2. Caro Luis,

      Gostava que me indicasse concretamente afirmações de João Paulo II revertendo para posições anteriores ao Vaticano II.

      Obrigado.

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    3. Como corro o risco de adormecer a audiência, vou apenas cingir-me a um número limitadíssimo de exemplos.

      O Concilio Vaticano II proclamou no seu documento Nostra Aetate 2 relativamente a outras religiões (o Concílio foi aberto a todas):


      The Catholic Church rejects nothing that is true and holy in these religions. [...]
      The Church has a high regard for their conduct and way of life, for those precepts and doctrines which, although differing in many points from that which the Church believes and propounds, often reflect a ray of that truth which enlightens all men.
      The various schools of Buddhism recognize the radical inadequacy of this malleable world, and teach a way by which men, with devout and trusting hearts, can become capable either of reaching a state of perfect liberation, or of attaining, by their own efforts or through higher help, supreme illumination.[...]
      The Council also mentions a “common soteriological root present in all religions”.


      Mas em Crossing the Threshold of Hope o Papa João Paulo II diz:

      The Buddhist tradition and the methods deriving from it have an almost exclusively negative soteriology (doctrine of salvation)” (p. 85) Esta posição era a dos missionários católicos na Ásia durante o século XIX, que é o oposto do que o Concílio Vaticano II defendia.

      ---
      the Council says that the Holy Spirit works effectively even outside of the visible
      structure of the Church[...]
      Even if the Pope believes that the only salvation is through Jesus, he can still acknowledge, as he quotes the Council saying, that other religions often reflect a ray of truth that enlightens all men (p. 80).


      Mas o Papa rejeita, no mesmo texto, que a acção do Espírito Santo seja manifestada nalgumas religiões (de que ele não gostava), como o Islão ou o Budismo.

      ---
      Ao apresentar diversas religiões asiáticas como sendo «negativas»,

      [...]But the Pope is trying to ensure that this negativity, which is naturally erasable, will become an unerasable fact, even though it is a mistaken conception. Why does the Pope want to build a splendid, perishable sand castle like this that will naturally fall apart? Also, if one considers this conception of negativity as it is presented by the Pope, how can it be made into perfection as God wishes? If Christ is defeating evil according to a divine plan, then why is the Pope planting the idea that Buddhism is negative? Are Buddhists forgotten or left by Christ? That would mean that God does not have an infallible quality that can extend to everyone, and would contradict the Council’s position in Nostra Aetate that
      There is only one community, and it consists of all peoples. (p. 78)



      Argumentos similares foram também apresentados pela comunidade judaica que também leu nas palavras do Papa João Paulo II uma rejeição do judaísmo como tendo «um raio de luz da Verdade que ilumina todos os homens»


      Em resumo, Nostra Aestate termina com:

      No foundation therefore remains for any theory or practice that leads to discrimination between man and man or people and people, so far as their human dignity and the rights flowing from it are concerned.

      The Church reproves, as foreign to the mind of Christ, any discrimination against men or harassment of them because of their race, color, condition of life, or religion. On the contrary, following in the footsteps of the holy Apostles Peter and Paul, this sacred synod ardently implores the Christian faithful to "maintain good fellowship among the nations" [...]



      Nostra Aestate está online em http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_decl_19651028_nostra-aetate_en.html


      As citações acima são de Thinley Norbu em Welcoming Flowers, From Across The Cleansed Threshold Of Hope
      c.f. tb. http://www.accesstoinsight.org/lib/authors/bodhi/bps-essay_30.html

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    4. ---

      Outros aspectos em que João Paulo II começou o trabalho de retorno da ICAR às posições definidas antes do Vaticano II:

      http://www.bbc.co.uk/religion/religions/christianity/pope/johnpaulii_1.shtml

      Ver também, a título comparativo, http://www.religioustolerance.org/rcc_othe4.htm que mostra algumas «reinterpretações» das palavras do Concílio Vaticano II, propostas pelo então Cardeal Ratzinger e promulgadas pelo Papa João Paulo II.

      Podemos quanto muito discutir que esta reversão parcial do espírito «liberal» do Concílio Vaticano II teve como objectivo tentar uma reconciliação, mesmo que parcial, com aqueles que fortemente o criticavam por ser «excessivamente liberal» (como por ex. a sociedade criada por Marcel Lefebvre). No entanto, como é óbvio, não se «reverteu» todo o Concílio Vaticano II, apenas existem alguns pontos onde houve uma reversão parcial a posições anteriores ao Concílio.

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  2. 4.”muitos argumentos científicos, que não invocam qualquer deus, beliscam dolorosamente as teses religiosas dos criacionistas.”

    A dor será para os criacionistas. A Igreja Católica não tem um posição criacionista, não sente qualquer dor na crítica dos ateus ao criacionismo.

    5.”Basta um pingo de cepticismo para pôr também em causa muitas teses centrais da religião do Alfredo, desde a ressurreição de Jesus à assunção de Maria, infalibilidade papal ou a convicção de que só homens, e nunca mulheres, podem deter o poder mágico de benzer, transubstanciar e celebrar missas. A insistência numa vaga “religião”, sem nunca defender dogmas católicos em detalhe, faz-me suspeitar que o próprio Alfredo teme um beliscão.”

    Não tenho dificuldade em ler críticas a todosos dogmas que elencaste. A afirmação de que só os homens podem ser sacerdotes não é um dogma. Não tenho dificuldade em aceitar a ordenação de mulheres se essa vier a ser a decisão da Igreja Católica. Quanto aos dogmas, não encontrei ainda qualquer crítica que me faça duvidar deles. O que encontro com muita frequência são interpretações erróneas e inacreditáveis, por parte dos ateus, do conteúdo desses dogmas.

    6.”Segundo o Alfredo, os ateus julgam que «os crentes são todos uns grandes ignorantes [e que] a inteligência está toda do lado dos ateus». Mais do que falso, isto é absurdo.”

    Falo dos ateus militantes. Aconselho-te a visitar os sites ateus, a começar por Portugal. Num deles tens publicado alguns textos. Só falta chamar aos crentes “nomes feios”.Lê com atenção os livros de Hitchens, Dawkins, Harris, etc. Não são nada meigos. Objectivamente!

    7.”Em geral, os ateus não visam demover os crentes mais ferrenhos ou que tenham muito investido na defesa de alguma crença.”

    Faço a mesma observação do número anterior. Se os ateus militantes só visassem demover os crentes “débeis”, duvido que investissem tanto na sua cruzada.

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  3. 8.”É isto que o Alfredo confunde. Acabar com a fé religiosa não é um objectivo viável, mas é viável diminuir a reverência que a maioria concede a certos disparates só por virem de religiões, tradições ou fanáticos. E isso, parece-me, os ateus têm conseguido. Por exemplo, de Pio XII a Bento XVI, em seis décadas, nota-se uma grande diferença na arrogância com que os dirigentes católicos podem alegar representar o criador do universo e conhecer os seus milagres e mistérios.”

    Não sei em que sentido falas de diminuição de arrogância. A Igreja Católica tem mudado o seu discurso em alguns aspectos concretos, incluindo o seu estilo. Bastará comparar os textos do Concílio Vaticano I com os do Vaticano II. Se isso se deve a críticas objectivas, incluindo as que possam vir dos ateus, isso está de acordo com o que sempre tenho dito. Tais críticas são bemvindas. O que noto é que a reacção dos ateus a essas mudanças é mal humorada. Se a Igreja Católica não muda o seu discurso, é cega e incapaz de mudar. Se muda, está apenas a usar de esperteza para sobreviver. Este é o género de crítica que, embora muito comum, não belisca a Igreja.

    9.”contribuir, por pouco que seja, para que as alegações de bruxos, padres, videntes e afins sejam avaliadas apenas pelo mérito que tiverem em vez de aceites como autoritárias simplesmente por virem de quem vêm. Isto não me parece um equívoco. Parece-me um objectivo meritório, mesmo que não seja possível atingi-lo, porque sem um esforço constante neste sentido só vamos escorregar no sentido oposto.“

    O espírito crítico não é propriedade privada dos ateus, embora muitos assim o julguem. Afirmar que os crentes têm que aceitar tudo o que dizem os Padres, Bispos e Papas passiva e acriticamente manifesta uma grande desconhecimento da realidade. Se alguma coisa caracteriza a Igreja Católica desde o início é precisamente o debate crítico. Basta folhear uma qualquer História do Cristianismo.

    10.”O importante não é que a sociedade acabe com as religiões e demais superstições. O que importa é que a superstição não nos impeça de ter uma sociedade livre, justa e esclarecida.”

    Inteiramente de acordo. Mas mais uma vez devo afirmar que não aceito que a justiça e a luz estejam apenas do lado dos ateus.

    Saudações.

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  4. Alfredo,

    «A Igreja Católica não rejeita absolutamente nada daquilo que há de verdadeiro e santo nessas religiões.»

    O que implica que rejeita tudo aquilo que não considere verdadeiro e santo. Por exemplo, rejeita a crença muçulmana de que o Corão é a palavra literal de Deus como ditada pessoalmente a Maomé, o seu maior profeta. É precisamente isso que eu estava a dizer.

    «as críticas objectivas e informadas dos ateus à religião em geral e ao Cristianismo em particular, só fazem bem»

    No entanto, admites que são prejudiciais ao criacionismo. Nota que, para muitos cristãos, o criacionismo é parte integrante do cristianismo. Tu podes achar que não é mas eu, que estou de fora, não tenho razões para achar que tu tens mais legitimidade para te designares cristão do que o Mats e o Jónatas. Se a tua tese é de que não há críticas objectivas e informadas que “belisquem” qualquer religião em particular, parece-me obviamente errada. Se, por outro lado, é de que não há críticas objectivas e informadas que “belisquem” a “religião em geral”, isso deve-se apenas à expressão “religião em geral” ser demasiado vaga para concluir o que quer que seja acerca da verdade desta tese.

    «Quanto aos dogmas, não encontrei ainda qualquer crítica que me faça duvidar deles.»

    É possível. Mas isso é apenas porque tu escolhes não duvidar dos dogmas da tua religião, ao mesmo tempo que duvidas dos dogmas das outras. Por exemplo, duvidas que uma pessoa, depois de morrer, possa reencarnar como um texugo, mas não duvidas que, depois de Maria morrer, Deus levou o seu corpo para o Céu. No entanto, a tua decisão de acreditar numa e duvidar da outra deve-se apenas a um capricho pessoal e não assenta em quaisquer dados objectivos. Objectivamente, não há evidências que justifiquem crer em qualquer uma destas hipóteses.

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  5. (cont...)

    «.Lê com atenção os livros de Hitchens, Dawkins, Harris, etc. Não são nada meigos. Objectivamente!»

    Eu também não sou meigo. Não te critico com meiguice, nem com pieguices, nem com pena de ti. Digo o que penso, como o penso, frontalmente e com sinceridade. Mas faço-o precisamente porque te considero uma pessoa inteligente. Se julgasse que tinhas alguma debilidade mental, aí sim justificar-se ia refrear as minhas críticas.

    « Se os ateus militantes só visassem demover os crentes “débeis”, duvido que investissem tanto na sua cruzada.»

    O investimento justifica-se não pela conversão dos fiéis mais aguerridos mas pela necessidade de pressionar constantemente a superstição e a crendice de forma a limitar os seus efeitos na sociedade. Por exemplo, é impossível acabar com as medicinas alternativas. Mesmo que se refute publicamente todas as que existem agora, em meia hora qualquer pessoa inventa mais umas dúzias. Os disparates são triviais de criar, e muitas vezes difíceis de esclarecer. Ainda assim, é importante que alguém se dedique a apontar os erros e perigos de recorrer aos cristais, aromas florais ou vibrações positivas em vez de seguir os conselhos de uma medicina fundamentada. É como tirar as ervas daninhas da horta; um trabalho que nunca atinge o objectivo último mas que tem de se estar sempre a fazer.

    « A Igreja Católica tem mudado o seu discurso em alguns aspectos concretos, incluindo o seu estilo.[...] Se isso se deve a críticas objectivas, incluindo as que possam vir dos ateus, isso está de acordo com o que sempre tenho dito.»

    Que é bom a Igreja mudar de ideias perante críticas objectivas estamos de acordo. Onde discordamos é nos detalhes, naquilo que constitui criticas objectivas que mereçam uma mudança de ideias. Mas, quanto a isto, nota o tempo que a Igreja demorou a mudar de ideias perante críticas objectivas como as de Copérnico, Galileu e Darwin. Que tu agora digas que a maior parte de afirmações de pessoas como Dawkins, Dennett, Stenger e Krauss são disparates está perfeitamente em linha com a primeira reacção da Igreja a qualquer crítica, mesmo que daqui a cem ou duzentos anos acabe por admitir o erro.

    «O espírito crítico não é propriedade privada dos ateus,»

    Claro que não. Pelo contrário. É desejo de muitos ateus que o espírito crítico fosse propriedade de todos, e usado regularmente.

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    1. [...]nota o tempo que a Igreja demorou a mudar de ideias perante críticas objectivas[...]

      Bem, pode-se argumentar que a questão do "tempo" que se leva a mudar de opinião é bem melhor do que não se mudar opinião de todo. Chamo a atenção de que a ciência também se debate com o Paradoxo de Kuhn, que, em certos casos, levaram décadas ou mesmo séculos a serem resolvidos (tendo como conclusão melhores conhecimentos científicos). A diferença está em que na ciência actual esse tipo de paradoxos são resolvidos mais rapidamente — em intervalos de tempos sucessivamente mais curtos — mas as entidades como a ICAR ainda se movem em intervalos de tempo mais típicos dos séculos XIV ou XV :)

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  6. Ludwig,

    não sais do beco em que te meteste? Vais continuar nesse reduto que já deu tudo o que tinha para dar há alguns séculos? Qual tem sido a evolução da tua crença?Que novos contributos e valores e conhecimentos tens trazido à felicidade dos homens? Todos somos críticos de tudo e das religiões. Os ateus não são os maiores e melhores críticos da religião nem de nada. Os ateus colocam-se a si mesmos na situação insustentável de partido militante e ostensivo. Designar-se ateu não tem nada de anódino, nem confere estatuto científico, bem pelo contrário. Os cristãos já não esperam dos ateus nenhuma crítica sincera ou construtiva. Os ateus, já que não podem voltar-se contra Deus (e por que haviam de o fazer?), ou porque lhes não bastasse, ocupam-se em chatear, de preferência, os cristãos. Mas os ateus se não fizerem algo mais importante do que parasitar a religião e chatear os cristãos, estão condenados ao insucesso.

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    1. Chateiam mais os cristãos porque há mais cristãos :)

      Mas os ateus são equanânimes e igualitários: "chateiam" todas as religiões, sem discriminar entre elas.

      No fundo não são diferentes dos religiosos, que, na sua maioria, também "chateiam" todas as outras religiões exceptuando a sua :)

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  7. Caro Luis,

    Gostava que me indicasse concretamente afirmações de João Paulo II revertendo para posições anteriores ao Vaticano II.

    Obrigado.

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    1. Lamento o atraso na resposta. Seguiram alguns pontos num comentário mais acima. Há mais — muito mais — mas o meu tempo também é limitado :)

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  8. Caro Luis,

    "Mas em Crossing the Threshold of Hope o Papa João Paulo II diz:
    The Buddhist tradition and the methods deriving from it have an almost exclusively negative soteriology (doctrine of salvation)” (p. 85) Esta posição era a dos missionários católicos na Ásia durante o século XIX, que é o oposto do que o Concílio Vaticano II defendia."

    Sinceramente não entendo o comentário. Há aqui uma tremenda confusão em relação à expressão ‘soteriologia negativa’, a qual não representa qualquer juízo de valor. É infelizmente sobre este equívoco lógico, ou falácia, que se baseia a interpretação das palavras do Papa. O papa limita-se a descrever aquilo que é realmente parte do património budista. Vejamos a totalidade da passagem:

    The Buddhist doctrine of salvation constitutes the central point, or rather the only point, of this system. Nevertheless, both the Buddhist tradition and the methods deriving from it have an almost exclusively negative soteriology. The "enlightenment" experienced by Buddha comes down to the conviction that the world is bad, that it is the source of evil and of suffering for man. To liberate oneself from this evil, one must free oneself from this world, necessitating a break with the ties that join us to external reality-ties existing in our human nature, in our psyche, in our bodies. The more we are liberated from these ties, the more we become indifferent to what is in the world, and the more we are freed from suffering, from the evil that has its source in the world.”

    Isto é a pura doutrina budista, em que qualquer budista se reconhecerá, e não consigo ver qualquer relação com a afirmação de que esta posição "era a dos missionários católicos na Ásia durante o século XIX”. Importa-se de ma explicar? O budismo nega de facto que a salvação se consiga tomando este mundo a sério, sobretudo o sofrimento, e procurando a salvação não na realidade deste mundo, - daqui a expressão ‘soteriologia negativa’ que, contra o que o autor que cita parece interpretar, não representa qualquer juízo de valor mas apenas uma constatação de facto.

    "---the Council says that the Holy Spirit works effectively even outside of the visible structure of the Church[...]Even if the Pope believes that the only salvation is through Jesus, he can still acknowledge, as he quotes the Council saying, that other religions often reflect a ray of truth that enlightens all men (p. 80).

    Mas o Papa rejeita, no mesmo texto, que a acção do Espírito Santo seja manifestada nalgumas religiões (de que ele não gostava), como o Islão ou o Budismo."

    Em que passagens, exatamente? Não consigo encontrá-las, por mais que as procure.

    Obrigado.

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    1. Caro Alfredo,

      O parágrafo que cita é a mais pura invenção sobre o budismo, e garanto-lhe que não há ninguém que se considere praticante budista que se reveja nessa afirmação. Aliás, se lhe tirasse a palavra «budismo» desse parágrafo, e o desse a ler a algum professor budista qualificado, ele encher-se-ia de desgosto por saber que existiam alguns pobres desgraçados que acreditavam numa coisa tão triste e ridícula... se lhe dissesse que tal parágrafo consta da catequese católica como definindo o que é o budismo segundo a ICAR, então este desmanchar-se-ia a rir às bandeiras despregadas :)

      O Papa não cita a fonte desta afirmação, mas esta visão começou a ser popularizada justamente quando os missionários católicos na Ásia enviaram relatórios para o Vaticano sobre as religiões e filosofias locais. Nesse período, eram os Teosofistas que traziam traduções — péssimas e incorrectas, por sinal — de alguns textos budistas e hinduístas para o Ocidente, e que os adaptavam à sua maneira e de acordo com a mentalidade da época e do ambiente cultural em que estavam inseridos. Os relatórios dos missionários eram uma fonte independente que o Vaticano consultava como alternativa aos Teosofistas, e esse é o resumo que foi na altura feito para «explicar» às autoridades eclesiásticas da época o que tinham encontrado. Aliás, como disse, isto faz parte do catequismo oficial, e foi-me ensinado dessa maneira; só que depois achei que devia fazer algumas perguntas a quem realmente percebe do assunto :) Digamos que não é uma boa ideia pedir a opinião a um especialista em teologia de uma religião sobre o que pensa que é outra religião/filosofia que não conhece, não domina, e, sobretudo, não pratica :)

      Esta posição assumida pelo Papa (e não só por ele, bem entendido) é semelhante a fazer a seguinte afirmação: «Democracia representativa é uma forma de governo onde uma elite controla os mecanismos económicos e legislativos, e, através da acção dos mass media, propagam a ilusão de que os cidadãos podem escolher livremente os seus representantes», seguindo-se a demonstração de como este método de governo é profundamente errado e que é melhor abandoná-lo por não conduzir a uma sociedade mais justa. De facto, da perspectiva de alguém que não é democrata (já tive o prazer de dialogar com intelectuais cubanos perfeitamente convencidos da superioridade do seu modelo de governo e de sociedade), esta pode ser a aparência que uma democracia toma. E pode ser até justificada por muitas pessoas que vivem em democracia emitirem opiniões que tendem a confirmar esta «visão» da democracia. Mas como o Alfredo e eu sabemos muito bem, não é isto que é democracia. Argumentar, pois, que essa visão de democracia é uma coisa horrível para propor o seu abandono é uma falácia, e que se deve, em vez disso, contestar a democracia, sim, mas usando uma visão correcta — e não imaginada — da mesma; no entanto, garanto-lhe que é precisamente assim que muitos anti-democratas contestam a democracia!

      Sem querer estar a desperdiçar bytes aqui no blog do Ludwig, até porque isto já parece um «off-topic interessante» do nosso amigo perspectiva, o ponto em questão é o seguinte:

      1) Criar uma visão de uma filosofia qualquer, depois apelidá-la de «budismo», tendo como propósito rebater e atacar essa posição, é uma falácia argumentativa. Ainda se ensina lógica e oratória nos seminários :) e de certeza que S. S. sabe isso muito bem.
      2) A conclusão de que, dada a visão apresentada, esta apresenta uma doutrina de salvação pela negativa, é levar a falácia argumentativa à sua conclusão.

      Ora como é evidente o Papa pode dizer muito bem o que pensa aos seus crentes; afinal de contas, é infalível (para os crentes). Mas isso não o iliba de estar a empregar argumentação falaciosa para denegrir outras tradições espirituais.

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    2. Quanto à sua segunda pergunta, veja-se o capítulo Why So Many Religions? do referido Crossing the Threshold of Hope. Note-se a divisão, nas religiões/tradições asiáticas, feitas para as religiões animistas, o Confucionismo e o Taoismo, consideradas já «próximas» dos valores defendidos pela ICAR. O Budismo e o Islão merecem, por oposição, capítulos distintos, onde são expostas as claras divergências que o Papa tem com estas duas tradições religiosas (já no capítulo sobre o Judaísmo se nota uma claríssima aproximação, muito influenciada pelas experiências pessoais positivas que S. S. teve com a comunidade judaica polaca).

      Em ambos os casos são feitas recomendações dos «perigos» destas tradições e faz-se uma exortação a que se «afastem» destas. É evidente que S.S. não faz uma condenação aberta — isso seria fechar a porta ao diálogo — mas fá-la subtilmente. Por outras palavras: o Concílio bem que pode ter determinado que o Espírito Santo age para beneficio de todos os seres humanos, e que haja um «raio» de verdade em todas as religiões, mas eu que sou Papa sei mais que o Concílio e é meu papel explicar que têm de ser feitas algumas excepções :)

      Por acaso, relativamente ao Budismo, eu se fosse o Papa tinha usado um argumento muito mais persuasivo (que curiosamente ele refere logo no início mas depois estranhamente abandona, como se não fosse suficientemente «persuasivo»...): o Budismo não é uma religião monoteista. São ateus. Não só não acreditam em Deus, como têm provas irrefutáveis (de uma perspectiva lógica) de que não tem as qualidades que a ICAR defende que tem. Logo, não há espaço para um católico (ou um cristão) «simpatizar» com uma tradição espiritual que não acredita em Deus. End of story. O resto são detalhes que pouco interessam, e daí o problema da argumentação falaciosa, que enfraquece muito mais o argumento. Aliás, se S. S. quisesse ir ainda mais longe, sem ofender ninguém, podia dizer que segundo as definições da ICAR, o budismo nem sequer é uma religião, portanto nem sequer está ao abrigo das considerações feitas no Concílio Vaticano II. Evitava-se a contestação, evitava-se a argumentação falaciosa — evitava-se tudo! E à excepção de algumas formas devocionais vagamente inspiradas nalguns textos budistas, nenhum praticante budista seria realmente «ofendido» por ser «desclassificado» de «religioso». Para muitos (entre os quais eu me incluo!) isso até seria o maior dos elogios.

      Seja como for, acho que já tomei demasiado espaço aqui neste blog com um assunto pouco interessante. Talvez encerre apenas reafirmando que quando se quer saber uma opinião de determinada área, consulta-se um especialista na área — e isto não é a falácia de apelo à autoridade, é apenas bom senso :) Se S. S. estivesse interessado (e claro que não estava!) em fazer uma abordagem positiva a outras religiões e tradições espirituais, então teria consultado quem percebe do assunto, e encontraria, sem sombra de dúvidas, muitos pontos em comum, mas saberia igualmente explicar aos seus crentes em que medida é que as tradições espirituais budistas não devem ser seguidas por católicos, e em vez disso encorajar, pela positiva, que os católicos reforcem a sua prática de acordo com a sua própria tradição sem fazer «misturas» (afinal, é na sequência dessa mesma pergunta que SS. elabora o dito capítulo).

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  9. Com o risco de entrar na conversa a meio, gostaria de deixar o meu contributo: é um 'post' que escrevi há dias sobre a relação entre crentes e ateus, aqui: http://joaodelicadosj.blogspot.com/2012/03/ateismo-ateus-ateu-monge-religioso-fe.html ou aqui já de seguida:

    Sempre achei graça aos ateus. Pela coragem de serem diferentes; pela ingenuidade adolescente de quem se revolta mas não percebe que está, ao mesmo tempo, a confirmar que o tema lhe é vital; e, finalmente, por me reconhecer nessa mesma luta de quem não se contenta com o que encontra de Deus na terra. Por isso, mais que graça, a certa altura tive que reconhecer que também em mim vive um pequeno ateu. Começámos por ir tomar café. Fizemo-nos amigos. Primeiro no Facebook. Depois encontrámo-nos. E esta semana, tivemos uma das melhores conversas. Na minha leitura espiritual antes de dormir, dei um salto na cadeira: Jacques Dupont - o "prior" da Cartuxa de Serra San Bruno - explicava finalmente a simpatia que sinto em relação aos ateus. Dizia ele: "este é um aspecto paradoxal para um monge: o ser perito em ateísmo. Porquê? Eis a razão: o contemplativo conhece a angústia da noite escura. Mas também fora dessa trágica experiência, é bem claro que o Deus da Bíblia se revelou como 'desconhecido' e inacessível nesta vida [Ex 33,20]. E eis que também nós, monges, procuramos Deus mas nunca o encontramos, no sentido em que nunca chegamos a possuí-lo, porque Ele é sempre 'além'. Portanto, pela sua familiaridade com um Deus que é ausente, o contemplativo é talvez em maior grau de compreender a atitude daqueles que estão longe do mistério divino". O pequeno ateu em mim fez um largo sorriso e disse: "vês? Alguém me compreende!".

    Assim, podem a fé e o ateísmo ter algo em comum? Claro que sim. Por isso, pela familiaridade com um Deus que se faz ausente, o cristão mais fervoroso não pode senão sentir-se em comunhão com o ateu mais convicto.

    Abraço!
    João.

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