domingo, abril 22, 2012

Equívocos, parte 14. Filosoficamente nada.

O Alfredo Dinis continua a insistir que o «Equívoco fundamental» do ateísmo é o «maior drama [de] estar estruturalmente impedido de […] erradicar a religião»(1). Isto não só confunde equívoco com drama e impedimento como demonstra que o Alfredo ainda não percebeu aquilo que tenta criticar. O Alfredo tem a sua crença de cristão no centro da sua vida e na origem dos seus valores. Não admira que julgue dramático que outros rejeitem as hipóteses de haver vida eterna, criação inteligente ou um ser omnipotente que nos ama a todos. Mas o meu ateísmo não tem nada de fundamental. É apenas um efeito colateral de dois factores: a minha opção de formar opiniões que se conformem às evidências e a preponderância de evidências mostrando que não há um propósito inteligente para o universo nem vida depois da morte. Eu rejeito estas crenças do Alfredo tal como rejeito a crença em Osiris, no professor Karamba ou na astrologia. Sem drama, impedimento ou sequer grande preocupação com o que os outros acreditam. O que oponho nestas coisas das religiões, astrologias, homeopatias e tretas afins é apenas o seu impacto social negativo. Esse gostaria de ver desaparecer, admito, mas a minha incapacidade de atingir esse objectivo não constitui, por si, qualquer equívoco.

Neste episódio da sua série de equívocos, o Alfredo foca a resposta de Lawrence Krauss à questão «Porque existe algo em vez de nada?». Segundo o Alfredo, Krauss equivoca-se por querer substituir a definição filosófica de “nada” como “não-ser” por uma definição científica. Infelizmente, o Alfredo não explica porque é que isto é um equívoco, invocando apenas que «Os neopositivistas do Círculo de Viena já tinham transformado a filosofia numa ‘serva da ciência’», um salto particularmente confuso. Mas, para explicar a confusão, vou começar com exemplo mais fácil. O tempo.

Antes de Einstein a filosofia já tinha tentado definir este termo, dividindo-se em vários campos mas concordando que o tempo, fosse ideia ou real, fosse relacional ou absoluto, definia uma ordem única para os acontecimentos. Se A ocorresse antes de B, julgavam os filósofos, A ocorria antes de B em qualquer referencial e para qualquer observador. Mas Einstein notou que este conceito de tempo não correspondia à realidade e substituiu a definição filosófica por uma definição operacional. O tempo é aquilo que for medido por processos regulares que possam servir de relógio. Pela teoria da relatividade, é possível que A ocorra antes de B num referencial, B ocorra antes de A noutro referencial e ocorram em simultâneo noutro ainda. Hoje sabemos que até a ordem pela qual acontecimentos ocorrem depende do referencial.

Isto não é neopositivismo nem faz da filosofia uma serva da ciência. Ao contrário do que julgavam os positivistas, não se pode separar completamente os dados das teorias. Só se pode obter dados tendo teorias com que os interpretar, e é preciso filosofia para criar teorias antes de ter dados. Só que, sem dados, não se consegue convergir para as teorias certas. Isso faz-se com ciência, usando dados para testar especulações, rever conceitos e adaptar teorias às evidências. Ou seja, a filosofia e a ciência são apenas fases do mesmo processo contínuo de compreensão da realidade. É preciso que a filosofia especule, pois sem especular não se consegue sequer começar, mas é igualmente necessário que a ciência vá corrigindo e afinando essas especulações, pois sem isso não se sai da confusão inicial.

É isto que estão a fazer com a noção de “nada”. As definições filosóficas deram sentido ao termo recorrendo apenas a outros termos e conceitos. Por exemplo, o nada como não-ser. É o melhor que se consegue sem dados concretos que se possa usar. Mas, agora, a física pode dar uma definição operacional de “nada” que encaixa melhor com os dados que temos. É essa a definição que Krauss defende, e que parece ter escapado ao Alfredo: «o nada que normalmente chamamos espaço vazio. Ou seja, se tomar uma região de espaço e me livrar de tudo o que lá estiver – poeira, gás, pessoas e até radiação que passe por lá, absolutamente tudo de dentro dessa região...»(2). E o que sabemos agora mostra que desse nada pode, espontaneamente, surgir um universo. Já não precisamos de explicar porque há algo em vez de nada como faz a teologia, definindo “nada” como um não-ser vazio de tudo excepto um deus omnipotente desejoso de criar um universo. O mecanismo é bem mais simples. Basta o nada. Não o nada teológico ou filosófico, mas o nada real da física.

Queixa-se também o Alfredo de que Krauss «decidiu transformar as questões que começam por ‘Porquê?’ por questões que começam sempre por ‘Como?’ [...] Como se um sociólogo pudesse proceder ao estudo sociológico do suicídio estudando simplesmente os diversos modos como as pessoas se suicidam.» Esta analogia é errada porque, por definição, o suicídio é um acto intencional. Obviamente, nesse caso não podemos excluir a motivação que levou o falecido a terminar a sua vida deliberadamente. Mas seria um erro do sociólogo estudar todas as mortes assumindo sempre haver motivação e intenção inteligente. Acidentes, doenças, velhice, tudo isso pode levar à morte por um “como” sem qualquer “porquê”, neste sentido de intenção e propósito. Enquanto que “Como?” é sempre uma pergunta válida, cuja resposta atenta e fundamentada pode, se for caso disso, suscitar um “Porquê?”, é um erro começar pelo “Porquê?” antes de perguntar “Como?”, porque essa pergunta assume logo à partida haver propósito e inteligência. No caso da origem do universo, essa premissa é mera especulação sem fundamento e é um equívoco começar por aí quando a melhor resposta ao “Como?” não indica qualquer “Porquê”.

1- Alfredo Dinis, Grandes equívocos do ateísmo contemporâneo
2- Lawrence Krauss, A Universe from Nothing.

98 comentários:

  1. O problema de termos um cérebro que é uma excelente máquina de reconhecimentos de padrões é que temos a tendência de ver padrões onde eles não existem, ou, por outras palavras, de atribuir significado a coisas que não têm (nem precisam de ter) significado. Mas como é difícil «desligar» o cérebro, é «natural» — no sentido em que é uma tendência que temos — atribuir significado a tudo.

    Sei lá, como o princípio de causa e efeito. Só por observarmos que tudo tem uma causa, atribui-se significado a essa causa: se há um efeito é porque houve «alguém consciente» que quis que esse efeito acontecesse. Se não conseguimos encontrar esse «alguém» é porque deve estar invisível ou inacessível. Mas a explicação mais simples é que pura e simplesmente não há «ninguém».

    Infelizmente o pressuposto frequente é que se não há significado no universo então não há significado na vida; e para muita gente isso é uma proposição muito pouco confortável. Se estamos tão habituados que tudo tenha significado, até a nossa vida terá de o ter, então se não encontramos nenhum (não nascemos com um manual de instruções), inventamos um. Eu também inventei o meu significado de vida: ajudar todos aqueles que sofrem porque não encontram significado lógico na sua vida e que são vítimas do sofrimento auto-imposto :) Mas primeiro também tenho de compreender como é que o posso fazer, e não vou lá meramente com a argumentação lógica — se fosse assim tão fácil, já há muito que alguém o teria feito...

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    1. O Ludwig diz: Nada = não nada.

      Chama a isto argumentação lógica?

      Isto é o mesmo que A = não A, um vício lógico chamado contradição.

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  2. 1) A vida eterna não é uma hipótese científica. É uma promessa de Deus apoiada na ressurreição de Jesus Cristo, o evento histórico mais relevante da história universal.

    2) Ao acreditar na origem da energia a partir do nada (violando a lei da conservação da energia) e da vida a partir de químicos inorgânicos (violando a lei da biogénese) e ao rejeitar o evento mais marcante da história da humanidade, o Ludwig mostra que não forma as suas opiniões em conformidade com as evidências, mas contra elas.

    3) Depois ficamos a saber que para o Ludwig o nada já é alguma coisa, de acordo com a física. Mas a física pressupõe um mundo físico para poder funcionar, não podendo explicar a sua origem. De onde veio o mundo físico? Ficamos assim sem saber: de onde veio o mundo físico? De onde vieram as partículas de energia? Quanto tempo existiram antes de explodirem? Porque é que explodiram? Ficamos na estaca zero...


    4) O absurdo filosófico e científico do Ludwig é claro: a lei da conservação da energia mostra que a energia nunca pode ter vindo do nada. A lei da entropia mostra que a energia reutilizável e a ordem foram maiores no princípio e estão a diminuir, não podendo por isso existir desde tempos infinitos.

    5) Ou seja, a energia não se cria a ele própria e teve um princípio, porque houve zero entropia no passado. Fica então a pergunta. Qual a causa física para a origem da energia? O nada que já é alguma coisa? Continuamos na estaca zero...

    Daí a inteira plausibilidade da resposta bíblica:

    um Deus eterno, infinito, omnipotente, espiritual, omnisciente e pessoal é o criador do tempo, do espaço, da energia e da matéria e do ser humano.

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  3. Off topic interessante: como evolucionistas e criacionistas bíblicos interpretam os mesmos dados de forma diferente:

    Um estudo recente mostra que uma mutação genética é a causa da imunodeficiência

    1) Os evolucionistas procuram compatibilizar este dado com a noção de que as mutações podem ser positivas, aumentando a informação genética necessária à transformação de espécies noutras diferentes, mais complexas e robustas.

    2) Os criacionistas bíblicos acham este estudo inteiramente compatível com a noção de que as mutações confirmam a corrupção que afecta a natureza criada desde que o pecado entrou no mundo e que gera doenças, sofrimento e morte nos seres vivos.

    Duas visões do mundo, duas maneiras de interpretar a mesma evidência.

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  4. Caro Ludwig,

    Obrigado pelo teu comentário. Respondo a seguir a algumas questões que levantaste.

    Um dramático equívoco. A publicação de livros e artigos, a manutenção de sites e blogues, a constituição de associações e a realização de congressos, por iniciativa de ateus em todo o mundo são em número tão elevado que provavelmente ninguám sabe quantos são. São mesmo muitos, e todos têm uma finalidade expressa: combater o alegado obscurantismo das religiões e dos crentes. ‘A religião só faz mal’ é certamente um dos slogans que reúne maior consenso entre os ateus. O estilo de todas estas iniciativas é, quase sempre, de uma grande pobreza argumentativa, mas quase sempre também de uma extrema agressividade. A Amazon anunciou para o próximo sábado a saída de mais uma obra contra a religião, de Victor Stenger: God and the Folly of Faith, a juntar a um considerável número de outros livros do mesmo autor.
    O pressuposto de todas estas incontáveis iniciativas é simples: os crentes são todos uns grandes ignorantes, a inteligência está toda do lado dos ateus. Isto torna-se claro começando já pelas fontes portuguesas. A missão dos não crentes é só uma: anunciar a boa notícia de que Deus não existe. Richard Dawkins usa de uma tal agressividade nos seus livros que ele próprio reconheceu que alguns amigos seus, igualmente comprometidos na luta pelo ateísmo, lhe têm dito que ele exagera. Recentemente li a opinião de um autor ateu que disse recear que as intervenções de Dawkins tenham o efeito oposto ao que ele pretende. É por tudo o que deixei agora escrito que considero uma drama esta missão dos não crentes. Parece-me mais que evidente – empiricamente evidente – que o objectivo desta missão é claramente a de erradicar a religião – não apenas da vida pública mas também da vida privada. Mesmo se afirmam por vezes que não querem interferir nas crenças pessoais, é por demais evidente que os crentes são considerados uns prisioneiros do erro. No entanto, como afirmei por diversas vezes, esta crítica, quando é objectiva – e ela é quase sempre apresentada de forma emotiva, agressiva - é objectivamente positiva para a religião, e a crítica não objectiva, não belisca objectivamente a religião. Isto é um dramático equívoco: os ateus a que me refiro investem considerável tempo e energias a tentar provar que Deus é uma ilusão, que a religião só faz mal, mas não o conseguem, o que é objectivamente dramático, uma vez que torna o seu investimento inútil; e é um equívoco porque pensando que estão a destruir a religião com as suas críticas, a sua acção acaba por ter um efeito positivo ou neutro. Conseguem o contrário do que pretendem e do que pensam que conseguem. Está aqui o equívoco.

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  5. Missionários de uma boa nova. Richard Dawkins e Lawrence Krauss estiveram recentemente na Austrália a participar em debates contra a religião. Krauss aderiu à cruzada do novo ateísmo – infelizmente para ele e também para as pessoas que apreciam a sua produção científica, entre as quais me incluo. O recente livro de Krauss, A Universe out of Nothing, cria algum embaraço para alguns dos seus amigos, tal é a confusão que ele faz entre o discurso científico e a cruzada anti-religiosa. O ateu Jerry Coyne, autor do livro Why Evolution is True (2010), e amigo de Krauss, já exprimiu no seu blogue este embaraço. Krauss protestou, mas Coyne não lhe respondeu. Krauss faz objectivamente uma grande confusão à volta do conceito de ‘nada’, simplesmente porque quer deitar por terra a legitimidade da questão ‘porque existe algo em vez de nada?’ Crê que assim dará o golpe de misericórdia na religião. O facto de ter convidado C. Hitchens para escrever o Prefácio e R. Dawkins para escrever o Posfácio mostra isso mesmo. Dawkins confessa que percebe muito pouco de mecânica quântica, mas aceitou o convite para escrever um texto contra a religião.

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  6. Nada, “nada” ou nada? Krauss argumenta que o conceito de ‘nada’ da metafísica tradicional deve ser substituído pelo de nada da mecânica quântica. Uma posição semelhante é a de Stephen Hawking no seu recente livro The Grande Design (2011). Também aqui Hawking faz uma confusão semelhante entre o aspecto científico e o religioso com o objectivo de dispensar Deus, afirmando que segundo o novo paradigma quântico o universo saíu do nada por si mesmo sem necessitar de um criador.
    A ideia de que o universo saíu do ‘nada’ já não é nova. Físicos tão eminentes como Hawking e Krauss – por exemplo, Alan Guth (The Inflationary Universe, 1998) e Alexander Vilenki (Many Worlds in One, 2007) – já abordaram o assunto. Curiosamente, Vilenki afirma neste seu livro (p. 181): “[T]he state of “nothing” cannot be identified with absolute nothingness. The tunneling is described by the laws of quantum mechanics, and thus “nothing” should be subject to these laws. The laws of physics must have existed, even though there was no universe.” Krauss afirma que o nada absoluto da metafísica tradicional não tem sentido, e deixa-o para os desactualizados filósofos. O mesmo faz Hawking, para quem a filosofia está morta porque não acompanhou os progressos da ciência. Mas o famoso neurobiólogo Cristoph Koch, autor de The Quest for Consciousness (2004), e ateu confesso afirma num livro há pouco publicado, Consciousness. Confessions of a Romantic Reductionist (2012, p. 154): “The greatest of all existentialist puzzles is why there is anything rather than nothing. Surely, the most natural state of being – in the sense of assuming as little as possible – is emptiness. I don’t mean the empty space that has proved so fecund in the hands of physicists. I am referring to the absence of anything: space, time, matter and energy. Nothing, rien, nada, nichts.”

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    1. A ideia de que o universo saíu do "nada" tem pelo menos 2600 anos. É bom de saber que hoje em dia podemos demonstrar cientificamente que só assim pode ter sido.

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  7. Como e porquê. Quanto ao debate da diferença entre a questão do porquê e do como, ele existe há muito tempo em domínios como o da ética, que alguns autores, como o ateu militante Sam Harris (The Moral Landscape, 2011) pretendem sugmeter à objectividade científica eliminando a distinção entre facto e valor ou entre ‘ser’ e ‘dever ser’. Mas este debate está longe de conduzir a consensos. O facto de se conhecer cada vez mais os mecanismos neurobiológicos que subjazem às decisões éticas não elimina a questão do porquê do agir moral. O mesmo sucede em relação à diferença entre o conhecimento dos factos que explicam o universo e o porquê de haver um, ou múltiplos, universos, seja qual for a explicação do seu surgimento do nada. O ctual debate sobre esta matéria entre os próprios físicos é ainda muito especulativo e está longe de reunir consensos. A questão do porquê haver universos não está porém dependente da explicação do como surgiu o nosso e outros universos.

    Saudações

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  8. Alfredo,

    A parte do ateísmo é mais complexa, vou deixar para um post.

    Quanto ao nada, todos somos livres de usar a lógica e a razão para especular sobre o significado do termo e procurar definí-lo como nos faça mais sentido. Essa reflexão filosófica é útil mas, eventualmente, temos de recorrer a dados para testar as várias alternativas e compreender que, de tudo o que podemos especular sobre o nada, só uma pequena parte corresponderá à realidade. Como o tempo. Podes, filosoficamente, insistir que, para ti, o tempo tem de ser algo independente do referencial, porque não faz filosoficamente sentido que A ocorra antes de B e B ocorra antes de A também. No entanto, se queres que o teu conceito de tempo corresponda a algum aspecto da realidade tens de abandonar este em favor do tempo da relatividade.

    O mesmo com o nada. O nada da filosofia pode dar muitas conversas interessantes, e foi uma especulação indispensável para chegar onde estamos hoje. Mas, agora, temos de prosseguir, testando e adaptando os conceitos ao que os dados nos indicam. Agora faz mais sentido recorrer ao conceito de nada da física do que da filosofia. E esse nada, esse conceito que corresponde a um aspecto da realidade, não precisa de deuses para gerar universos. Esse também é um resultado importante.

    Finalmente, só faz sentido perguntar para que propósito algo surgiu, de que plano inteligente faz parte ou qual a intenção com que foi criado se, realmente, tiver surgido de propósito, com plano e intenção. Por exemplo, não faz sentido perguntar para que propósito me constipo, qual o plano inteligente segundo o qual tropecei ou com que intenção as coisas caem para baixo.

    Analogamente, não faz sentido perguntar pelo plano, propósito ou intenção da criação do universo. Por um lado porque, tanto quanto sabemos, o universo terá surgido por processos naturais desprovidos destes atributos. E, por outro, porque perguntar pelo plano, propósito ou intenção é assumir a priori que há um plano, propósito ou intenção, e nada justifica essa premissa.

    Reconheço que houve, e continua a haver, muita discussão filosófica e teológica acerca do plano do criador do universo. Reconheço também que dificilmente haverá consenso porque enquanto as evidências claramente indicam uma coisa, muita gente tem uma fé forte no oposto. É por isso que também não há consenso entre os cristãos acerca da idade da Terra, por exemplo. Mas nada disto justifica assumir plano, intenção ou inteligência por trás da criação do universo.

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  9. Caro Ludwig,
    O facto de a ciência ter os seus próprios conceitos, como o de nada, tempo, espaço, matéria, energia,etc., não significa necessariamente que todos temos que adoptar estes conceitos apenas no sentido científico, como se eles se opusessem necessariamente a quaisquer outros sentidos. Um certo fundamentalismo científico pretende que tudo - ética, estética, política, economia, religião, etc., etc., - tem não apenas uma explicação científica mas tem apenas uma explicação científica. Esta posição está, felizmente, longe de ser comum entre os maiores cientistas da actualidade. Ela revela não penas um certo fundamentalismo mas também um grande conservadorismo – paradoxalmente apresentado como progressismo. Não deixa de ser curioso verificar que este conservadorismo está habitualmente associado à militância anti-religiosa, uma motivação nada científica. O facto de a ciência ter o seu conceito de ‘nada’, não invalida necessariamente outros sentidos, nomeadamente o sentido filosófico. Excepto para quem crê que a reflexão filosófica não se justifica por si mesma mas tem necessariamente que seguir a ciência. Esta é uma posição da tradição positivista, mas felizmente não é a única.

    Saudações.

    Saudações.

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  10. Alfredo,

    «O facto de a ciência ter os seus próprios conceitos, como o de nada, tempo, espaço, matéria, energia,etc., não significa necessariamente que todos temos que adoptar estes conceitos apenas no sentido científico[...] O facto de a ciência ter o seu conceito de ‘nada’, não invalida necessariamente outros sentidos, nomeadamente o sentido filosófico.»

    Concordo. Não estou a querer proibir ninguém de ter os seus conceitos, nem defendo qualquer fundamentalismo que regule, à força, a conceptualização seja do que for.

    O que proponho apenas é que, quando queremos aplicar os nossos conceitos especificamente a fazer alegações descritivas acerca da realidade, dizendo, por exemplo, que o universo surgiu assim ou assado, nesse caso as nossas alegações só merecerão consideração se os conceitos usados corresponderem a aspectos da realidade.

    Por exemplo, eu posso conceber o tempo como algo que ordena acontecimentos de forma independente do referencial, de tal forma que se A ocorre antes de B então ocorre antes de B em qualquer referencial e para qualquer observador. Tenho o direito de conceptualizar o tempo assim, posso reflectir sobre este conceito e assim por diante.

    Mas se eu quiser descrever acontecimentos reais e usar este conceito, será trivial rejeitar a minha descrição como incorrecta porque este conceito de tempo não corresponde a nada real. Na realidade, o tempo não é assim, portanto este conceito pode servir para muita coisa mas não serve para incluir em descrições da realidade.

    É isso que defendo em relação ao conceito de nada. Não vou perseguir ninguém por querer usar o seu conceito de nada. Não vou obrigar ninguém a usar o conceito científico de nada. Nem me vou preocupar se tu pensares no nada da forma como mais gostares.

    Mas se alguém me apresenta uma hipótese acerca da origem do universo, tentando descrever o que realmente aconteceu, e inclui nessa hipótese conceitos que não podemos considerar corresponderem à realidade por não terem passado o crivo da ciência, eu vou rejeitar essa hipótese como errada.

    Não estou a ser conservador, reaccionário, fundamentalista ou perseguidor. Estou apenas a explicar porque rejeito o argumento de que deus tenha criado o universo porque só deus pode criar algo a partir de nada: os conceitos invocados por esse argumento não correspondem ao que sabemos da realidade.

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  11. Quem tenta "fazer alegações descritivas acerca da realidade" conduzido pela reacção a alegações religiosas nunca poderá fazer algo que se aproveite. Cientista que pretende justificar científicamente a existência ou inexistência de algo que compreende uma dimensão subjectiva é um cientista falhado.

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  12. Caro Ludwig,

    Penso que te identificas com o conteúdo do livro de Alex Rosenberg, The Atheit's Guide to Reality (2011).

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  13. Nuno Gaspar,

    Não sei se percebi o teu comentário. Como de costume, és muito pouco claro e explícito... Eu não tento descrever a realidade pela reacção às religiões. Na verdade, tanto quanto sei as melhores descrições da realidade não têm nada que ver com religião. E não vejo problema nenhum com o estudo científico de aspectos com dimensão subjectiva. Por exemplo, a disposição dos produtos no supermercado, a publicidade, a economia, e até as cores de muitos medicamentos resultam de estudos científicos acerca da subjectividade humana, com o objectivo de aproveitar propensões e preferências subjectivas.

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    1. Ludwig,

      "Eu não tento descrever a realidade pela reacção às religiões"

      Não... Nem tu, nem o Krauss, nem o Dawkins. Passam o tempo a falar na religião porque calha.

      "estudos científicos acerca da subjectividade humana, com o objectivo de aproveitar propensões e preferências subjectivas."

      Agrupar escolhas subjectivas não as torna objectivas, ou então deixariam de o ser.

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  14. Alfredo,

    Não conheço o livro, mas vou dar uma olhada. Obrigado pela referência.

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  15. Alfredo Dinis:

    Creio que está a confundir "não conseguem provar que deus é uma ilusão" com "não conseguem convencer todos os crentes"

    Não, isso não conseguem. Mas existe alguma coisa que seja crença universal? Noutro dia morreu uma mulher que tentava viver do sol.

    Digo isto porque a margem de duvida para que exista um deus é particulamente pequena, e não muito maior do que para qualquer outra coisa que se postule e que seja intestável. A diferença é que Deus, que é omnitudo inclusivé bom, devia fazer alguma diferença. E não faz nenhuma que seja digna de nota. Nada que distinga epistemológicamente a afirmação "deus existe" da sua negação.

    Dizer que não está provado que não existe uma coisa para a qual cada vez encontramos menos necessidade de recorrer como explicação, que não reune evidencia fisica é como defender a existencia e duendes invisiveis, espiões multidimensionais, etc.

    Até pode ser que seja verdade. MAs só por acaso e muita sorte. É preciso diferenciar as afirmações através do peso das justificações.

    Sabia que a maioria dos filosofos, num inquerito da philpapers são ateus? (70% salvo erro). A NAS é quase só ateus?

    Veja para onde caiem as evidencias.

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  16. Prof Alfredo Dinis:

    Diga-me por favor:

    Como distingue epistemologicamente a afirmação "Deus existe" da afirmação "Deus não existe"

    Que valor tem uma afirmação que para tudo o que se sabe ou não se distingue da sua negação (para um deus não interventivo) ou é mais fraca que a sua negação (para um deus interventivo)?

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  17. Para mim o problema está em que só há um único cientista capaz de descrever a minha percepção subjectiva da realidade, e que sou eu apenas; e mesmo assim não a consigo descrever muito bem. Quando mais «fundo» observo essa realidade, mais difícil é de a descrever.

    Assim, qualquer proposição científica sobre a natureza da realidade vai postular que a realidade é a mesma para todos os observadores (pois só assim se podem replicar experiências invariantes no tempo e no espaço que comprovem — ou desmintam — qualquer teoria sobre essa natureza da realidade). Regra geral, esta abordagem tem tido bons resultados, pelo menos para uma esmagadora maioria de observações, o que tende a validar que pelo menos uma grande parte da realidade é suficientemente «parecida» para todos os observadores de forma a que se possam formular teorias e extrapolações sobre a sua natureza, que alegadamente podem ser refinadas e complexificadas ad infinitum. Pelo menos até ao ponto em que se começa à procura das partículas fundamentais do Universo, essa abordagem tem funcionado bem.

    Quando se começa a estudar a natureza subjectiva dessa experiência da realidade, já a porca torce o rabo... se essa natureza tivesse qualidades intrínsecas, independentemente do observador, então todos teríamos exactamente a mesma experiência, de forma unívoca: a correlação seria de 100%. Isso não acontece. Podemos, estatisticamente, mostrar que certas propriedades são semelhantes entre grandes números de pessoas, e como felizmente a estatística é uma forma de análise matemática rigorosa e válida, podemos mesmo assim obter algumas respostas satisfatórias.

    Por exemplo, uma grande parte da população gosta de gelados doces. Estatisticamente podemos determinar que a experiência de «doce» é subjectivamente prazenteira para um grande número de pessoas e procurar associar a ligação daquilo que torna o «doce» «doce» (ex. açúcares) à estimulação neurológica que conduz satisfação. No entanto, sabemos que isso não acontece em todas as pessoas. Mesmo que do ponto de vista molecular, o mecanismo seja aparentemente igual em todas as pessoas (salvo, claro, quem tenha defeitos genéticos incapazes de sentir o sabor «doce»), a resposta subjectiva é diferente nalguns casos. Se fosse um ou dois, poder-se-ia descartá-los como não sendo estatisticamente significativo, mas claramente não é o caso: a experiência de «doce» é muito dependente do observador. Para uns, o mesmo gelado pode ser completamente viciante, doce mas não viciante, agradável mas nada de especial, ou uma porcaria enjoativa. Assim, embora possamos sentirmo-nos tentados a dizer que «a presença de açúcar num gelado está correlacionada com a experiência de “doce”», essa correlação não é perfeita.

    Mesmo entre duas pessoas que reajam ao «doce» de forma semelhante, ao descreverem a sua experiência, ela será diferente; por isso procura-se reduzir essa experiência de «doce» ao maior denominador comum. Os filósofos chamam a isto de qualia, mas é um conceito abstracto cheio de novos problemas: até que ponto há propriedades intrínsecas na experiência da realidade que são universais para todos os observadores, e porque é que há outras que não o são, apesar da observação ser claramente (e mensuravelmente) a mesma? Desde Einstein, pelo menos, que se mantém irrefutável a afirmação de que a experiência do espaço e do tempo depende do observador, mas normalmente associa-se isso apenas a alguns tipos de experiências — nomeadamente, a medição desse mesmo espaço e desse mesmo tempo. No entanto, dois observadores distintos, no mesmo espaço (ou suficientemente próximo para ser estatisticamente não significativo) ao mesmo tempo, continuam a experimentar coisas diferentes. Um gosta de gelados e o outro não.

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  18. Nem sequer se pode dizer que «é uma questão de gosto» e como tal descartar a pergunta sobre a subjectividade da experiência da realidade. Isso é o tipo de resposta que não ajuda em nada; nem vem a explicar porque é que então as pessoas têm um gosto que muda. O exemplo típico é o da cerveja: horrivelmente amarga para jovens que a experimentam pela primeira vez, porque preferem coisas doces, mas que, com a habituação, passam a preferir coisas amargas. Podemos seguir os mecanismos bioquímicos que estimulam as regiões de prazer no cérebro, à medida que o gosto muda, e explicar que de facto houve uma mudança na percepção. No entanto ficamos com o mesmo problema por resolver: se a propriedade de «ser amargo» evoca percepções diferentes na mesma pessoa com o passar do tempo, como é que ela pode ser intrínseca à cerveja?

    Pior que isso. Uma vez que «aprendamos» a gostar de cerveja, pode haver um dia em que esta nos sabe particularmente bem, quando estamos divertidos e entre amigos. Mas de repente recebemos um telefonema a dizer que fomos despedidos. Subitamente a cerveja sabe-nos mal. O que mudou? É a mesma cerveja, despoleta os mesmos mecanismos de percepção do sabor. Mas num momento é uma maravilha, no outro já não nos apetece bebê-la. E ao fim de uns dias podemos receber a notícia de que temos um novo emprego, e festejar com mais umas bejecas — da mesma marca, com a mesma composição química, no mesmo local, com a mesma temperatura ambiente, rodeado dos mesmos amigos. Todo o ambiente é o mesmo que antes. Mas a nossa experiência da realidade é diferente, porque estamos com um estado mental diferente.

    Voltando ao início: é evidente que postular a existência de propriedades intrínsecas da natureza, que podem ser mensuráveis independentemente do observador, fez a ciência avançar a passos largos, e deu-nos a nossa actual sociedade tecnologicamente avançada. É, pois, inegável que é graças a esse postulado que temos a tecnologia e os conhecimentos actuais. Não podemos, pois, descartar a importância disso! No entanto, aos poucos — e sem sombra de dúvidas a partir do século XX no mundo ocidental — que temos boas razões para duvidar que a natureza tenha quaisquer propriedades intrínsecas. Sabemos, sem sombra de dúvidas, que muitas delas não são intrínsecas de todo, mas que dependem do observador. Outras parecem ser intrínsecas — por exemplo, dimensão ou massa — mas também dependem do observador, embora, em determinadas circunstâncias, essa dependência pode não ser estatisticamente significativa. E finalmente a apreensão de determinadas qualidades (as que chamamos subjectivas) é totalmente dependente do observador e nada tem a ver com o objecto observado, embora se continue a poder determinar estatisticamente algumas dessas qualidades. O exemplo do supermercado é um bom exemplo de como podemos traçar perfis de utilizadores baseados apenas em percepções subjectivas da realidade, mas que sabemos não funcionar «para toda a gente». O que não importa: desde que funcione para um grande número de pessoas, é um processo válido.

    Este «princípio de incerteza dependendo do observador» acontece a todos os níveis. Ironicamente, quanto mais reconhecemos que a percepção subjectiva é individual, mais se aceita que apenas um tratamento estatístico permite tirar algumas ilações e obter algum conhecimento. Quanto mais nos tentamos afastar dessa percepção subjectiva, mais atribuímos propriedades intrínsecas à observação, mas temos de fazer «batota» — temos de postular que eventuais falhas ou erros na medida dessas propriedades são meramente limitações do método de medição, mas que são sempre estatisticamente insignificantes, como dizia Lord Kelvin em 1900: «Mais nada havia para estudar na Física, excepto fazer melhores e mais precisas observações». E no outro extremo da escala — a do mais pequeno — temos a comprovação disso. A Mecânica Quântica é talvez a teoria científica que tem mais comprovação experimental, mas lança fortes dúvidas sobre a existência de quaisquer «propriedades intrínsecas».

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  19. Isto tudo para chegar à seguinte afirmação: Nada no universo tem propriedades intrínsecas: tudo depende do observador (ou mais precisamente, da mente do observador). Isto obviamente requer uma explicação de perceber porque é que um 3 é sempre um 3 independentemente do observador, e se não quisermos seguir a via platónica por ser demasiado esotérica, há que ter bons argumentos para explicar então porque é que a maior parte da realidade observável é suficientemente parecida para todos os observadores. Mas a explicação é simples: temos todos uma mente com as mesmas características e qualidades, e que — para uma pessoa sã — funciona de forma suficientemente semelhante para evocar respostas subjectivas suficientemente próximas para nos dar a ideia de que estamos a observar — e a experimentar — as mesmas coisas. Mas daí a extrapolar que «mentes semelhantes experimentam uma mesma realidade com características intrínsecas independentes do observador» é dar um grande salto! Quando o que se observa é que «mentes semelhantes experimentam uma realidade semelhante desprovida de características intrínsecas, mas que é estatisticamente suficientemente parecida para nos parecer que essas características sejam universais», o que é algo de bem diferente!

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    1. ... e, obviamente, não tenho qualquer mérito nestas afirmações: tudo isto já anda a ser discutido (e experimentado!) há séculos :)

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  20. Caro João,

    Obrigado pelo seu desafio.

    Epistemologicamente não creio que haja mais possibilidade de demonstrar a existência de Deus do que a sua não existência.

    Não concluo a existência de Deus a partir da impossibilidade de demonstrar a sua não existência.

    Não sei em que deus não acredita a maioria dos filósofos que refere. Quando leio alguns textos, seja de filósofos, seja de cientistas, seja de cidadãos comuns, a dizer em que deus não acreditam, fico a pensar que os autores desses textos fazem muito bem em não acreditar. Tanto quanto tenho verificado, o deus em que a maior parte das pessoas não acredita é realmente inacreditável, e eu também não acredito nele. Por isso, talvez seja uma boa notícia essa de a maior parte dos filósofos não acreditarem em deus.

    A minha posição é muito semelhante à de Ludwig Wittgenstein. A linguagem humana é adequada para descrever e explicar os factos empíricos, mas é inadequada para descrever e explicar as questões fundamentais da existência humana. A compreensão destas questões é de natureza intuitiva, não demonstrativa. A narrativa que a ciência nos apresenta do mundo e da vida é para mim semelhante a uma história de detectives incompleta, na qual há um enredo que não é resolvido. Mas isto pode ser evidente apenas para algumas pessoas. Para outras pode ser que a história seja mesmo completa. Como afirma Wittgenstein, a evidência dos factos empíricos ‘diz-se’, mas a dos factos fundamentais da existência humana ‘mostra-se’. O que não significa que este segundo género de evidência seja menos convincente que o primeiro. Isto permite entender a famosa afirmação do autor no Tractatus: “Sentimos que mesmo depois de serem respondidas todas as questões científicas possíveis, os problemas da vida permanecem completamente intactos. É claro que não restará nenhuma questão, e esta é precisamente a resposta”. (T 6.52) A resposta aos ‘problemas da vida’ não se ‘diz’ cientificamente, ‘mostra-se’. Para quem não é evidente que a narrativa científica acerca dos problemas da vida é um enredo incompleto, creio que não há prova filosófica ou teológica que lhe valha.

    Saudações.

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  21. Prof,

    Eu estou disposto a aceitar que haja coisas que apenas podemos recorrer a um "é isto" para dizer o que é. Não tenho problemas com isso, apesar de alguns filosofos terem, como se pode ver pela discussão à volta do quarto chines ou acerca da linguagem.

    Agora o que me parece é que o vosso, "é isto" em relação a deus, é algo é igual a não "mostrar" nada. Parece-me porque se houvesse justificação melhor para afirmar que Deus é algo ou parte que se mostra suponho que já cá estava e estariamos mais de acordo.

    Quanto à narrativa cientifica ser incompleta, é certo que é. Mas isso não quer dizer que as respostas à perguntas para as quais a ciencia não chega se possam preencher racionalmente com aquilo que parece a cada um. Nem que algumas dessas respostas sejam referentes a perguntas que têm significado. Provavelmente assumir uma intenção para o universo é um exagero.

    Afirmações há muitas, verdades é que há poucas. Temos de as conseguir distinguir ou então não valem nada. Não chega dizer que se não vejo que há buracos então não vejo o cimento que os enche.

    E se não é racional acreditar em deus e não há outra justificação para dizer que Deus é consequente de algo que se mostra mas não é mostravel e a ciencia apenas não pode provar que deus não existe do mesmo modo que não pode provar qualquer outra coisa que não exista, eu diria que o drama intelectual do ateísmo não é nada quando comparado com o vosso.

    É

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  22. Caro João,

    Muito obrigado pela sua observação.
    Sinto-me muito bem na vida. O melhor que lhe posso desejar é que o seu drama seja tão grande como o meu.
    Saudações.

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    1. Mas isso não é uma resposta racional. Não tem nada a ver com nada. Eu também me sinto bem, por isso quer dizer qeu temos todos razão? A realidade é o que nós queremos acreditar?

      Tanta coisa para nada. A Maya também pode ser feliz. E os homeopatas e etc.

      Ao menos tenha a coragem de admitir logo à partida que não é uma questão racional. Escusa de criticar por coisas que não pretende fazer minimamente melhor.

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  23. Mas o que me surpreende ainda mais, é todas as insinuações de que não estamos a ser racionais e que nos estamos a chatear sem razão, depois darem na ausencia de justificação racional para a crença...

    Se o que me diz é que há perguntas para as quais se aceita deus como resposta ou então nada a fazer...

    ...Quando o que eu quero é saber porque é que essas perguntas são apenas respondiveis por deus existir.

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  24. Caro João,

    Eu não procuro convencer os ateus de que estão errados. Os ateus não apenas procuram convencer os crentes de que estão errados como também os consideram menos inteligentes que eles. Encontro nos ateus militantes uma arrogância difícil de entender. Eu não considero que os ateus têm uma inteligência inferior à dos crentes, nem considero que não possam ser felizes sem acreditar em Deus. A simples crença numa qualquer divindade não é necessariamente uma vantagem. Os valores com base nos quais cada um vive a sua vida são fundamentais. O próprio Cristo terá dito: "Nem todo o que diz 'Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus”.

    Quanto às minhas razões para acreditar em Deus, considero que são racionais mas não constituem uma prova no sentido científico que se dá ao termo. Creio porém que a vida humana não se baseia apenas em provas científicas, embora hoje esteja na moda a neuroética, a neuroestética, a neuroteologia, isto é, a redução de tudo à base neuronal, enquanto alguns físicos teóricos reduzem tudo ao movimento das partículas atómicas.

    Portanto, caro João, não tenho provas da existência de Deus para lhe dar. Por outro lado, embora tenha dificuldade em distinguir os coreanos dos japoneses e dos chineses, não tenho grande dificuldade em distinguir um cristão de um cartomante ou de um astrólogo.

    Saudações.

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  25. «Os ateus não apenas procuram convencer os crentes de que estão errados como também os consideram menos inteligentes que eles.»

    Que acusação injusta.

    Em primeiro lugar, vários ateus (a maioria) não procuram convencer ninguém.

    Na minha opinião, a atitude menos egoísta quando se está convencido que existe um equívoco generalizado (ou comum entre um certo grupo) é contribuir para desfazer o equívoco. Seja o equívoco a crença na Astrologia, nos raptos alienígenas, nas «curas quânticas», nas várias religiões, ou nas promessas de um político menos honesto. É dar o seu contributo para o debate sobre esse tema, justificando porque é que se acredita que a crença em causa é falsa.


    Em segundo lugar, não é verdade que os ateus em geral consideram os crentes menos inteligentes.
    Alguns consideram, outros não. Pessoalmente parece-me que num grupo tão vasto como o dos crentes seria bizarro que não existissem pessoas muito inteligentes, e efectivamente tenho amigos e familiares em relação aos quais tenho elevado respeito intelectual e que são crentes. Deve ser o caso em relação a muitos ateus, que não vivem isolados.

    Por fim, sobre a ausência de provas, sugiro vivamente o seguinte vídeo do youtube: http://www.youtube.com/watch?v=KayBys8gaJY

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  26. Caro João,

    Obrigado pela indicação do vídeo, que vi com atenção e interesse. O vídeo parece-me tecnicamente bem apresentado e sintetiza em pouco tempo e em poucas palavras a controvérsia entre crentes e não crentes. Mas parece-me que simplifica uma realidade que é muito mais complexa e se baseia em alguns pressupostos acerca da religião nos quais como crente não me reconheço.
    1.”A auto-evidência da existência de Deus deveria ser evidente para toda a gente. Ora isso não acontece” Um amigo meu costuma dizer: “Há certas coisas que: ou são evidentes e não é necessário explicá-las; ou não são evidentes e não adianta explicá-las”. Isto aplica-se a muita coisa, não necessariamente só a Deus. A vida humana está cheia de evidências que não convencem toda a gente. Basta passares algum tempo a assistir a um julgamento num tribunal. Mas o teu dia-a-dia, como o meu, está cheio de exemplos. Os ateus que negam a existência de Deus em nome da ciência têm um pressuposto que anula qualquer possível evidência acerca da existência de Deus: se algo existe, tem uma explicação científica. O que tem uma explicação científica é natural. Logo, tudo o que existe é natural, isto é, espacio-temporal. O problema deste raciocínio é que a conclusão já está na premissa (petitio principii).

    Acresce ainda que este argumento se vira contra os que o produzem. Se a argumentação científica produz evidência que não pode ser negada e que exclui a existência de Deus, por que razão nem todas as pessoas chegam às mesmas conclusões? A explicação que me tem sido dada é a de que “as pessoas acreditam no que querem”. Isto, ao que parece, só se aplica aos crentes. Outras explicações incluem o medo da morte, a ignorância das explicações científicas, a força das tradições, etc. De tudo isto, ao que parece, estão imunes os cientistas. Fico com dúvidas.

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  27. 2.”A religião faz afirmação factuais. Ora os factos devem ser comprovados.” Esta afirmação pressupõe que os factos estão “aí”, à nossa espera, e “aí” estariam, mesmo que nunca existisse qualquer ser humano para os conhecer e explicar, e estarão“aí” mesmo quando a Humanidade desaparecer. Segundo esta linha de argumentação, o conhecimento humano, digno desse nome, é objectivo, o ideal do conhecimento objectivo é eliminar completamente a subjectividade humana. Esta questão tem a ver com o debate entre realismo e anti-realismo, e continua na agenda epistemológica. Einstein debateu encarniçadamente este assunto sobretudo com os primeiros proponentes da mecânica quântica. Os factos que mais têm a ver com as questões fundamentais da vida são os que têm mais carga subjectiva. Apresentá-las como “questões factuais” é ter em conta apenas a sua dimensão objectiva e deixar os ‘problemas da vida’ intocados. Voltamos a Wittgenstein -e também a Tolstoy (“A minha confissão). Creio que mesmo factos comuns, como os que são abordados pela Psicologia (depressão, ansiedade, etc) levam os psicólogos a fazer afirmações factuais, mas os factos psicológicos não estão “aí”, simplesmente. Um dos frutuosos desenvolvimentos da Psicanálise, por exemplo, a Psicanálise Relacional, põe em causa que os factos que o Psicanalista deve ‘tratar’ estejam situados “aí”, no ‘paciente’. Os factos a ‘tratar’ situam-se num espaço inter-relacional e inter-subjectivo, têm tanto a ver com o ‘paciente’ como com o ‘médico’, não como ‘dois factos’ que se relacionam mas como “um facto” que acontece no espaço e no tempo da inter-relação. Isto que acontece no domínio da Psicologia pode estender-se a outros domínios, mesmo às ciências naturais.

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  28. 3.Do que ficou dito no número anterior os ateus concluem que o ‘peso da prova’ está da parte dos crentes, uma vez que eles fazem afirmações empiricamente factuais acerca da intervenção de Deus no universo. Considero que o ‘peso da prova’ não está da parte nem dos crentes nem dos não crentes, tendo em conta o que são as ‘afirmações factuais’ das religiões, segundo o que disse no número anterior.

    4. “Os crentes afirmam que os não crentes não conseguem provar a não-existência de Deus, e baseiam nisso a sua fé”. A minha fé não está dependente da possibilidade ou impossibilidade de prova dos não crentes de que Deus não existe, e creio que a maior parte dos crentes, de diversos graus culturais, no sentido académico do termo, têm esta posição. A minha crença religiosa também não está dependente da impossibilidade de, até ao presente, a ciência não conseguir explicar tudo. Alan Guth, físico teórico, afirma no seu livro The Inflationary Universe, que tenho aqui entre mãos, acerca da explicação científica do surgimento do universo a partir do nada: “If the creation of the universe can be described as a quantum process, we would be left with one deep mistery of existence. What is it that determine the laws of physics?” (p. 276).

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  29. 5.”Ou investigação e explicação científicas ou crença religiosa. Investigação contra mistério”. A minha crença não colide com a investigação científica. Leio permanentemente o que vai sendo publicado em física teórica, cosmologia, biologia, neurociências, inteligência artificial, etc. Interesso-me por todos os desenvolvimentos científicos sem qualquer ansiedade – muito pelo contrário, com satisfação. Por isso mesmo, não entendo a oposição que é permanentemente criada entre investigação e explicação científicas e crença religiosa. São dois domínios com metodologias diferentes, sem dúvida. Para algumas pessoas essas metodologias são contraditórias. Porquê? Porque só a ciência produz explicações dignas de crédito. Bem, voltamos ao início. Fico com a sensação de que andamos em círculo.

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  30. 6.O vídeo que me indicaste, é do tipo ‘preto no branco’: só há duas hipóteses. Os crentes estão do lado preto, os ateus do lado branco. Tudo é objectivamente claro e evidente. Acho esta posição muito conservadora. Recorda-me a distinção radical que se fazia a seguir ao 25 de Abril entre revolucionários e fascistas. Quem não era revolucionário - e só havia um sentido deste termo – era fascista. Não havia outras hipóteses. Eu considero que há zonas intermédias nas quais há imensas dúvidas e questões em aberto, e onde crentes e cientistas, ateus ou não, se encontram sem desnecessárias ansiedades de uns em quererem converter os outros. É nesta zona que me situo.

    7.Quanto a vídeos há imensos no site www.closertotruth.com. Trata-se de entrevistas com pessoas de diferentes áreas e com diferentes perspectivas. Não dizem todas o mesmo, ao contrário do que acontece nos sites com textos e vídeos de ateus militantes.

    Não sei se vais ter paciência para ler tudo o que escrevi, mas não te incomodes se apenas decidires ler uma parte. De qualquer modo obrigado pela tua paciência e atenção.

    Alfredo Dinis

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    1. Excelente série, Prof. Alfredo. Em pé, a bater palmas.

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  31. Caro Alfredo Dinis,

    «Os ateus que negam a existência de Deus em nome da ciência têm um pressuposto que anula qualquer possível evidência acerca da existência de Deus»
    Isto não é verdade.
    Imaginemos que Jesus não tinha surgido há 2000 anos, mas hoje. E realizava os milagres que alegadamente terá feito - transformar a água em vinho, etc.
    Quem reconheceria a verdade desses actos? Sabemos que não seria o clero tradicional a reconhecer a verdade desses actos, pois o clero dá um papel ao dogma que impediria tal reconhecimento. Alegadamente foi o clero quem condenou Jesus à morte. Hoje o clero não colocaria Jesus à prova, pois não tem uma abordagem científica, desprendida e crítica sobre essas questões: a palavra de Jesus contrariaria os dogmas aceites, a palavra infalível dos sumos sacerdotes, pelo que teria de ser rejeitada.
    Muitos crédulos acreditariam em Jesus. Mas pouco crédito mereceria tal crença, pois não se distinguiria da crença na existência de raptos alienígenas, no poder dos cristais, ou dos horóscopos.
    Mas a história de Jesus seria diferente, porque muitos cientistas, que rejeitam a crença nos Astros e nos Cristais, seriam capazes de reconhecer os milagres de Jesus caso fossem verdadeiros.

    Diz o Alfredo que seriam milagres sobrenaturais (fora do espaço-tempo?). O conceito de sobrenatural é complicado, e é verdade que me parece vazio logo do ponto de vista filosófico. Mas isso pouco importa, pois o Alfredo terá de reconhecer que tais milagres sobrenaturais teriam de ter tido efeitos naturais (em última análise, a crença na sua ocorrência é natural), e os cientistas seriam capazes de identificar tais efeitos naturais.
    Diz o Alfredo que continuaríamos sem acreditar em Deus pois (nós ateus, supostamente, mas não sei se todos pensam assim...) acreditamos a priori que tudo é natural. Mas isso é falhar a questão: natural ou sobrenatural é uma etiqueta. Será a força gravítica natural? O que define sobrenatural?
    O que importa verdadeiramente é que, independentemente de caracterizar Deus como natural ou sobrenatural, independentemente da origem atribuída para os efeitos que justificariam tal crença, seria possível acreditar na existência de Deus se existisse uma boa justificação para isso.

    «Pois, mas o Deus em que eu acredito nunca faria tal coisa». Sim, sim. É extremamente conveniente acreditar num Deus que, por definição, nunca daria provas inequívocas da sua existência. Mesmo quando a Bíblia repetidamente O louva por tê-lo feito... Para mim é muito claro que se existissem privas inequívocas ninguém, nem o Alfredo, se escusaria a apresentá-las com medo de negar a liberdade aos outros de permanecerem equivocados (como se Verdade aprisionasse em vez de libertar).

    Ou seja: não rejeito qualquer crença a priori, mas verifico que «o método científico» que permite de forma coerente distinguir entre a crença popular da astrologia e a crença verdadeira da selecção natural é a melhor forma de avaliar qualquer crença que me proponham a respeito do mundo que me rodeia.

    Se este método descarta toda a classe de crenças que exige razões que este método não aceita (geralmente exige-se inconsistência na forma de avaliar a crença proposta e crenças alternativas, como no exemplo cristão de dar valor aos testemunhos cristãos, rejeitando os vários testemunhos noutras outras crenças nas quais poucos acreditam) parece-me que o problema está nessa classe de crenças, que surge em resposta à enorme eficácia do método em denunciar e desfazer equívocos. As crenças mais acarinhadas transformaram-se socialmente até pertencer a essa classe para encontrar uma convivência harmoniosa com um mundo onde o método científico é respeitado. Tanto lá pode estar a Astrologia mais sofisticada como o Cristianismo mais sofisticado. Mas são sofismas. E nesse ponto o vídeo acerta em cheio: faltam boas razões que justifiquem as crenças propostas, que passem o crivo crítico que devemos usar para distinguir a verdade da especulação sem fundamento.

    (continua)

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  32. «Se a argumentação científica produz evidência que não pode ser negada e que exclui a existência de Deus, por que razão nem todas as pessoas chegam às mesmas conclusões?»

    Acreditando que o Alfredo Dinis rejeita a Astrologia, faço-lhe a seguinte pergunta, esperando sinceramente que me responda:

    «Se a argumentação científica produz evidência que não pode ser negada e que [leva a rejeitar aquilo que os proponentes da Astrologia alegam], por que razão nem todas as pessoas chegam às mesmas conclusões?»

    Existe todo um mundo de razões que levam ao equívoco.

    Uma delas é a tendência do nosso cérebro para encontrar uma intenção em tudo o que acontece.

    «Devido à forma como o cérebro evoluiu por selecção natural, os seres humanos tendem a atribuir intenções, e propósito ao que os rodeia. É por isso que muitos ficam «furiosos» com a cadeira na qual iam tropeçando, porque o cérebro está primeiramente adaptado para lidar com situações sociais, e isso reflecte-se na forma como interage com a natureza.

    No entanto, para compreender a natureza o espírito crítico e o pensamento analítico são ferramentas essenciais, e quem as desenvolve tende a menorizar a tendência para atribuir intenções, personalidade e estados mentais ao que não tem.

    Será então que o pensamento analítico tende a diminuir a crença no sobrenatural em geral, e em Deus em particular? De acordo com um estudo recente, a resposta é afirmativa»

    A notícia sobre o estudo: http://www.newscientist.com/article/dn21749-analytical-thinking-erodes-belief-in-god.html

    Note-se que isto são tendências e médias, não se aplica obviamente a cada indivíduo em particular.

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    1. Caro Dr. João Vasco

      Permita-me um pequeno áparte: essa conversa do "espírito crítico" e do "pensamento analítico" e o seu "desenvolvimento" é uma grande treta. Geralmente quem os aplica, usa-os para criticar as ideias dos outros, esquecendo-se da insuficiências das suas próprias ideias. Só os incautos é que ainda engolem tretas dessas sem qualquer espécie de reflexão, espírito crítico e pensamento analítico.

      É um dever de cidadania denunciar a banha da cobra que se vende por detrás do chamado espírito crítico e pensamento analítico.

      Perdoe-me a interrupção. Estou a gostar do que escreveu.

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    2. Creio que toda a gente honesta - tanto quem usa a expressão «espírito crítico», como quem não o faz - desconhece os erros (caso existam) das suas ideias: se não, já as teria alterado em resposta a esse conhecimento.

      Assim, em vez de alegar que uma das partes desconhece os erros das uas ideias - essa alegação decorre de assumir a boa fé e afirmar que a outra parte está equivocada - faz mais sentido apontar o erro em concreto.

      Na verdade, desconheço que ande muita banha da cobra a ser vendida associando-se ao uso destas expressões. Existem muitas crenças propostas que ambos concordamos serem equívocos (homeopatia, raptos alienígenas, astrologia, reiki, curas com cristais, etc...) - há alguma delas em relação à qual os seus proponentes façam bastante (ou algum) uso destas expressões?

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    3. Caro António Parente:

      Dr??? Trate-me antes por «João Vasco» :)

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    4. Bem assinalado, António Parente. E um bom exemplo da falta de lógica analítica de muito boa gente que anda com ela à boca cheia é precisamente este estudo que, sem mais nem ontem, anuncia a conclusão de que o pensamento analítico leva ao ateísmo após fazer duas entrevistas a 93 estudantes, perguntando se acreditam em Deus e nos anjos, antes e depois de lerem uns textos e olharem para a estátua do pensador. E, ainda por cima, deram notícia deste "estudo científico" no Público (era claramente assunto para O Inimigo Público).
      Mas já agora, João Vasco, diz-nos lá. Da roda à penicilina, da electricidade à computação, do motor de combustão aos telemóveis; na descoberta, consideras a intuição menos decisiva do que a análise lógica?

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    5. Nuno Gaspar,

      Qual é mesmo a razão para rejeitar as conclusões do estudo? Qual é mesmo a razão para usar as aspas ao usar a expressão estudo científico? É não gostar das conclusões?
      Na verdade o estudo usa várias centenas de pessoas, e as entrevistas aos 93 estudantes são apenas uma parte do estudo.
      A intuição é importante, mas mais sujeita a erros. Aliás, é essa mesmo a sua falha - mais rápida, mas menos fiável. Um desses erros é o de atribuir intenções ao que não tem - isso já era conhecido muito antes deste estudo. O estudo limita-se a acrescentar que esta tendência de atribuir intenções ao que não tem - que o pensamento analítico atenua - tende a estar associada a um aumento da crença no sobrenatural.

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    6. "É não gostar das conclusões?"
      Se o "estudo" não tivesse o aspecto duma grandessíssima treta, as conclusões até seriam o mais interessante. Tenho menos receio do cepticismo da intuição humana razoável do que da presunção e facilidades de um pensamento analítico salvador, onde me parece que a atribuição de intenções e causas ao que não tem representa um potencial catastrófico maior. Já não sei quem dizia: em Deus confio, todos os outros têm que me apresentar factos.

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    7. Enfim, a primeira parte da resposta contradiz a segunda, e a frase final dispensa comentários.

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    8. Onde é que está a contradição, JV?

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    9. Não é contradição, corrijo, mas a desconversa do costume.
      A referência ao «aspecto» do estudo sem apontar nenhum problema metodológico concreto; a conversa sobre «pensamento analítico SALVADOR» a propósito de nada (juro que nunca tinha ouvido tal expressão); e depois da tal rejeição do pensamento analítico lá vem a exigência de factos (louvável, mas não propriamente em sintonia com os receios expressos quanto a esta abordagem analítica (salvadora??) ), mas não em relação a Deus. O Bush também teve essa confiança, nem precisou de ver as provas das ADMs...

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  33. (Ainda só tinha visto o primeiro comentário, vou tentar responder sucintamente aos restantes)

    2 e 3 - Nenhuma das dificuldades em ter acesso aos factos justifica que se deixe de tentar fazer o melhor para atingir esse objectivo. Quando fazemos uma afirmação sobre o mundo que nos rodeia nunca poderemos ter a «certeza absoluta», mas isso não justifica o abandono do espírito crítico alegando que apenas o agnosticismo pode ser justificável em última análise e que portanto as crenças são uma questão de gosto. Pode existir uma classe de crenças que se referem a algo tão incognoscível que as condições anteriores se aplicam, mas - mesmo por causa dessa incognoscibilidade - nenhuma afirmação nessa classe merece qualquer crédito, nem desperta grande interesse nas pessoas.
    A religião organizada e bem sucedida não se limita às afirmações nessa classe: se o fizesse seria mais difícil encher as Igrejas durante as liturgias e os cestinhos que circulam, menos ainda o Santuário de Fátima em Maio. Quando confrontada com os escrutínio é que o discurso que é percebido de uma forma pela generalidade dos crentes se transforma num saco de dúvidas e especulações sobre aquilo que ninguém pode saber.
    Mas quem afirma que Jesus ressuscitou ao terceiro dia, e sabe que isto tem um significado factual para a maioria daqueles que lidam com esta afirmação, é que tem o ónus da prova. Esclareça o que quer dizer - a falta de clareza aqui é logo um sintoma de que estamos perante um equívoco - e prove.

    4 e 5 - As frases citadas não são da minha autoria.

    6 - Quando Galileu tentou compreender o movimento ele simplificou e estipulou a inexistência de atrito. Não se trata de uma convicção pateta e desligada da realidade, mas sim de uma simplificação útil para ele compreender um determinado aspecto. Os mapas também simplificam a realidade, mas são úteis.
    Usamos este tipo de simplificações diariamente, é impossível operar cognitivamente sem o fazer, pois o nosso cérebro é limitado e não consegue abarcar toda a realidade sem elaborar sínteses nas quais alguns aspectos se perdem. Isto é o pão nosso de cada dia.
    Por vezes uma simplificação é tão grosseira que põe em causa toda uma tese. Se alguém argumenta que uma pena cai ao mesmo tempo que uma pedra, alertar para o facto do seu raciocínio desprezar o efeito da resistência do ar, que nessa situação não é desprezável, faz todo o sentido.
    Outras vezes, vejo a alegação de «excessiva simplificação» da mesma forma que a alegação de «descontextualização»: sem concretização. Suspeito logo que falta argumento melhor para obstar ao que é proposto.

    7 - Partilhei este porque estava relacionado com o ponto concreto a que nos estávamos a referir. Quanto ao não dizerem todos o mesmo, talvez seja uma questão de perspectiva: Para o Trostkista o Maoista está muito distante, e entre o nacionalista e o liberal de direita - mais distantes ainda - não há grande diferença. Para o liberal de direita passa-se o oposto.

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  34. Caro João,

    As frases que incluí nas minhas respostas anteriores foram extraídas do vídeo que me indicou, embora não literalmente.

    A ressurreição de Jesus foi para os primeiros Cristãos uma experiência de encontro profundo e inegável. Foi a partir daí que começou, inesperadamente, o Cristianismo. Ninguém estava à espera desta ressurreição, ninguém fazia ideia do que isso era, nem os discípulos entenderam nada do que Jesus lhes poderá ter dito sobre o assunto antes de morrer. Ao contrário do que pensa muita gente, incluindo crentes, a concepção que os Cristãos têm da ressurreição de Jesus não é a de um passo atrás, como se se tratasse da reanimação do corpo biológico, mas a de um passo em frente. O corpo de Jesus transformou-se e assumiu uma existência diferente da espacio-temporal. Esta afirmação, que pode ser considerada inaceitável por alguns, insere-se sem grande dificuldade no género de narrativa quase fantástica da ciência contemporânea ao imaginar a existência de virtualmente infinitos universos governados por leis inteiramente diferentes das do nosso universo, a existência de infinitos Vascos e Alfredos – e porque não Cristos? - por esses universos fora, etc. É só escolher.

    Finalmente, deixo-lhe aqui uma passagem de Tolstoy sobre as respostas que a ciência dá à pergunta sobre o sentido da vida:

    “Putting the question to the one side of human knowledge, I received an endless quantity of exact answers about what I did not ask: about the chemical composition of the stars, about the movement of the sun towards the constellation of Hercules, about the origin of species and of man, about the forms of infinitely small, imponderable particles of ether; but the answer in this sphere of knowledge to my question what the meaning of life was, was always: ‘You are what you call your life; you are a temporal, accidental conglomeration of particles. The interrelation, the change of these particles, produces in you that which you call life. This congeries will last for some time; then the interaction of these particles will cease, and that which you call life and all your questions will come to an end. You are an accidental cohering globule of something. The globule is fermenting.

    This fermentation the globule calls its life. The globule falls to pieces, and all fermentation and all questions will come to an end’… With such an answer it appears that the answer is not a reply to the question. I want to know the meaning of my life, but the fact that it is a particle of the infinite not only gives it no meaning, but even destroys every possible meaning.”… “I comprehended that these sciences were the more clear, the less I needed them, the less they answered my question. ‘Well, I know’, I said to myself, ‘all which science wants so persistently to know, but there is no answer to the question about the meaning of my life.” (Leo Tolstoy, “My confession” in E.D. Klemke & S.M. Cahn, The Meaning of Life. A Reader, Oxford: Oxford Univ. Press, 2008, p. 11)

    Quase um século e meio depois da publicação deste texto (1879) parece-me que a situação tão bem descrita por Tolstoy permanece intocada.

    Saudações.

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  35. Caro Alfredo Dinis,

    Sobre a ressurreição de Jesus a sua resposta grita um silêncio: o silêncio a respeito das razões para acreditar nas alegações. O problema não é saber se uma alegação é compatível com aquilo que o universo poderia em teoria ser: qualquer alegação o é. O problema é saber o que é que daria à alegação da ressurreição de Jesus mais razões para ser acreditada do que tantos outros testemunhos fantásticos que descartamos. Há pessoas em relação às quais o seu contacto com Zeus ou Afrodite os marcou profundamente, que testemunharam esse contacto, e instituições foram construídas com base nessas experiências profundamente emocionais, que ambos afirmamos falsas.

    Sobre o sentido da vida, não creio que essa citação traga muito de novo. Sim, a ciência não nos diz - nem tenta dizer - qual é o sentido da vida: cada um tem a Liberdade de criar o seu. A ciência tenta dizer-nos sim como é o mundo, a realidade que existe mesmo que nós não existamos, que existia antes do nosso nascimento e existirá depois da nossa morte. Para conhecer o mundo não existe método melhor.

    Boa divulgação de boa epistemologia aqui: http://www.youtube.com/watch?v=g9x_oa--KAc&feature=BFa&list=PLA0C3C1D163BE880A


    Sobre os pontos 4 e 5:

    No ponto 4 o filme refere-se a alguns crentes sem generalizar. Tendo isto tem conta, o argumento não colhe.

    Em relação ao ponto 5, é uma divergência recorrente. É possível afirmar que, em última análise, não existe qualquer «colisão» entre o cristianismo e «a ciência» [actual]. Mas, sendo coerente, os critérios para afirmar tal coisa seriam tais que não se poderia afirmar que existe colisão entre astrologia, homeopatia e a ciência... Creio que isto diz tudo.
    Eu cheguei ao ateísmo precisamente por pensar nos critérios que me deveriam levar à rejeição das diferentes superstições (homeopatia, astrologia, etc..), e aperceber-me que, sendo coerente, deveria também rejeitar as alegações religiosas.

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  36. Prof Alfredo Dinís,

    Se distingue astrólogos de homeopatas e de cristãos parece-me irrelevante já que eu também distingo, salvo quando são crentes de tudo ao mesmo tempo...

    ...Irrelevante, a não ser que me mostre que os distingue do mesmo modo que consegue distinguir a existência de Deus da inexistencia. Sem medir resultados de perguntas, testes, investigações, etc. Apenas porque sim.

    Isso ja seria relativamente relevante como resposta. Mas duvido que consiga.

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  37. É que assim, isso não passa de um apelo à credulidade. E a sugestão implícita de que quem não sabe lhe falta qualquer coisa.

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  38. João Vasco,

    "A intuição é importante, mas mais sujeita a erros."

    O que é para ti a intuição?

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  39. Respostas
    1. ...que podemos observar quando os tigres jogam xadrez.

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  40. Caro João,

    Gostaria de saber o que considera que seria evidência credível para aceitar a ressurreição de Cristo.

    O site “The Richard Dawkins Foundation”, apresentou a seguinte questão para debate: “What does atheism say about the purpose (or the meaning) of life?” A questão foi colocada no dia 13 December de 2007, e o último comentário dos 163 comentários apareceu em 29 December 2011. É verdade que Dawkins não disse às pessoas o que deveriam pensar, mas parece-me significativo o facto de ter colocado a questão.

    No youtube poderá ver e ouvir Dawkins e Dennet debaterem a questão do sentido da vida. É um assunto que lhes interessa, e quiseram publicar as suas opiniões sobre o assunto.

    Se coloca os aspectos centrais do cristianismo, a homeopatia e a astrologia ao mesmo nível, quanto à incompatibilidade com a ciência, observo apenas que em abstracto, fora de contextos, tudo parece igual. O contexto do Cristianismo são dois mil anos de História e de reflexão crítica. Fora deste contexto tudo pode ser afirmado.

    Se ao aderir ao ateísmo se sentiu mais feliz que quando era crente, nada tenho a comentar. Pessoalmente nada teria a ganhar em tornar-me ateu. Teria, pelo contrário, muito a perder. Sinto-me bem na vida precisamente porque sou crente. Nada me falta do que os ateus costumam referir sobre as razões da sua felicidade. Tenho conhecimentos científicos que me mantêm actualizado, sinto-me livre e vejo que a minha vida tem sentido. Por que razão me deveria tornar ateu?

    Saudações.

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  41. Caro Alfredo Dinis,

    «Gostaria de saber o que considera que seria evidência credível para aceitar a ressurreição de Cristo.»
    Suponha que existem registos de testemunhos que alegam que determinada pessoa ressuscitou. Na verdade, isto não é completamente hipotético: existem vários registos desta alegação, em relação a várias pessoas diferentes. O que seria evidência credível para aceitar esta alegação em relação a uma delas? Parece difícil: sem mais, o equívoco ou a fraude pareceriam sempre hipóteses históricas mais plausíveis que a efectiva ressurreição da pessoa em causa. Por ter uma mente aberta imagino que poderia surgir alguma prova que tornasse a veracidade da alegação mais provável que o equívoco (ou fraude) da(s) fonte(s), mas não imagino qual seja. O Alfredo imagina?
    Felizmente, no que diz respeito a Jesus as coisas não são tão difíceis, pois a alegação de que ressuscitou não surge sozinha: vem associada à alegação de que é um Deus omnipotente. Assim, a descida de alguns anjos à terra capazes de testemunhar a ressurreição perante os vários cépticos seria uma forma muito simples e directa de tornar a dita ressurreição uma hipótese mais provável que o equívoco das fontes. Todos os ateus, em todo o mundo, poderiam ter, na mesma noite, o mesmo sonho no qual Jesus explica que ressuscitou. Isto além da hipótese de uma nova vinda, com nova ressurreição, que seria certamente convincente. Haveriam formas muito mais simples, algumas completamente convincentes, outras que pelo menos suscitariam sérias dúvidas.
    Mas eu sei: o Deus no qual o Alfredo acredita nunca faria nada destas coisas: seria sempre completamente indistinguível de um Deus que não existe a não ser no que diz respeito ao que se passa no «coração» dos crentes, que pudesse sempre ser atribuído a questões psicológico-emocionais complexas pelos mais cépticos. Aí eu não seria realmente convencido.

    «No youtube poderá ver e ouvir Dawkins e Dennet debaterem a questão do sentido da vida. É um assunto que lhes interessa, e quiseram publicar as suas opiniões sobre o assunto.»
    É natural que lhes interesse, é mesmo um tema interessante. Mas não entendo as implicações dessas considerações para o que está a ser discutido.

    E o contexto da Astrologia são, para algumas correntes, mais de 2000 anos de história (para a corrente mais popular quase 2000 anos de história), e de reflexão "crítica" (tão ou mais que a do catolicismo, pelo menos não existe o conceito de heresia...). No contexto de cada crença é sempre possível encontrar uma forma sofisticada (e sofista?) de a conciliar com a ciência. Neste aspecto o cristianismo está efectivamente em igualdade. E um bom julgamento exige distanciamento: pode ser útil conhecer o contexto, mas a avaliação não deve partir do seu interior.

    (continua)

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  42. Eu acredito que o Alfredo teria pouco a ganhar com ser ateu.

    Na verdade a discussão que tenho travado não tem sido relativa à conveniência/utilidade/mérito das diferentes crenças, mas em relação à sua verdade ou falsidade - embora acredite que há uma profunda relação entre estes pontos.

    Eu sou ateu porque acredito que é essa a verdade, e não porque isso me faça mais feliz. Considerações pessoais sobre se isso me faz mais feliz ou não são irrelevantes para o caso.

    Mas vou fazê-las.

    Pessoalmente acredito que me faz mais feliz, porque tinha um enorme medo do Inferno, visto que acreditava que, por muito bem que agisse, o simples facto de não ter medo do Inferno era sinal de uma enorme arrogância. A Bíblia (no Novo Testamento) não só diz que a estrada que vai dar ao Inferno é larga e o caminho para o Céu é estreito, como mostra que entre aquele (pecador) que acredita não ser digno da misericórdia de Deus e aquele (de comportamento exterior virtuoso) que está convencido que merece essa misericórdia, é o primeiro aquele que Deus prefere. Assim sendo, qualquer crente que conheça estas passagens deveria ter medo de não merecer a misericórdia de Deus, nem que não seja por não ter esse medo(!). E ter medo do sofrimento eterno, para uma pessoa com imaginação, é uma carga muito pesada. A morte e ausência de vida eterna parecem uma doce promessa para evitar tal risco. Na verdade, só ideia de existir alguém - seja o Hitler ou o Osama, seja quem for - no Inferno, me parece aterradora. E é irrelevante se o Inferno não é um lago de enxofre, mas a ausência de Deus, escolhida pelo próprio - é sofrimento eterno e isso é monstruoso. Que grande alívio saber que é apenas uma criação horrível da imaginação humana.


    Sei que não é assim com todos. Grande parte dos crentes assume, sem pensar no assunto, que vai para o Céu. O Inferno está guardado para homicidas ou violadores que não se confessaram. Alguns Padres dizem que os suicidas também para lá vão, mas ninguém que tivesse amado alguém que se viesse a suicidar acredita nisso (ainda assim, é duro quando os sacerdotes transmitem essa ideia aos familiares das vítimas). Para esses, a mesma questão não se coloca.
    Será que, a título individual a fé lhes traz mais coisas positivas que negativas? A investigação parece dar indícios (frágeis, longe de definitivos) nesse sentido, estatisticamente pode ser uma fonte de bem estar individual.

    Mas creio que Marx, com tantos erros, acertou em cheio quando associou à religião uma fonte de alienação que inibe a transformação social e facilita o domínio dos mais poderosos em relação aos mais fracos. Efectivamente, do ponto de vista colectivo a religião parece ter uma influência social perniciosa, e (também) por isso parece-me que, de forma geral, existe maior qualidade de vida em sociedades onde, imperando a liberdade religiosa, existe maior descrença.
    Conhecer a realidade por vezes prejudica o próprio mas beneficia terceiros, e tende a beneficiá-los mais do que prejudica o próprio.

    E como nenhum homem é uma ilha, isso também importa.

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  43. É de partir o caco contigo,Ó João Vasco. Em que raio considerar céu e inferno meras figurações da consequência definitiva da prática do bem ou do mal, ou encontrar outros registos e convenções religiosas com formato incompleto (ordenação sacerdotal de mulheres, tratamento dado a divorciados, homossexuais, etc.) é incompatível com o sentir fascínio por uma série de testemunhos de vida e com a vontade de o celebrar com outros, juntamente com os sinais do que não sabemos e honestamente esperamos?

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  44. Nuno Gaspar,

    Lá vens tu com a ideia de que a religião, em particular o catolicismo, é uma «celebração da dúvida». Se estivesse a falar dos Quakers, seria uma coisa, mas em relação ao catolicismo existe um catecismo oficial, e um desdém das mais altas autoridades pelo «relativismo».
    Estás muito preocupado que alguns ateus pensem que o catolicismo afirma «pão pão queijo queijo» certas coisas, e várias vezes tentas desmentir, embora mais no formato de desconversa, que no formato de diálogo franco. No entanto, não te vejo preocupado em lidar com os próprios católicos (mais de 90% deles) que fazem os ateus ter a percepção que têm a respeito das crenças católicas (mais o próprio catecismo...). E há vários que comentam/comentavam por cá: o João Silveira, o Jairo Entrecosto, o Bernardo Motta, o Pedro Silva e por aí fora. Todos estes acreditam que, não importa a beleza dos testemunhos de vida islâmicos ou budistas, todos estão equivocados e não vão encontrar senão no cristianismo o caminho da salvação.
    Tu nem sequer podes responder se subscreves esta afirmação ou não... Se rejeitas contrarias o catecismo, se aceitas lá se vai o discurso da dúvida, substituído por uma valente certeza. A única saída é a desconversa.

    Quando as pessoas vão de joelhos a Fátima, elas não estão a celebrar o fascínio por testemunhos de vida, estão mesmo convencidas que existe um Deus que vai alterar as probabilidades de cura de um familiar com cancro, por exemplo. Tu podes apresentar uma visão da religião católica altamente abstracta, alegar que esse é o mínimo denominador comum, esperando que tal abstracção seja tão minimalista e fina que sobreviva à crítica. Mas essa abstracção vazia pode seduzir algumas dezenas de pessoas, mas não enche igrejas, e tem pouco a ver com a natureza do catolicismo, como é vivido por quase todos os que aderem a essa fé.

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    1. João Vasco,
      Não importa se as vivências religiosas que nos interessam enchem igrejas ou levam ao martírio. E tu não sabes o que pode significar para uma pessoa em concreto ir a Fátima a pé, se isso faz mais sentido para ela do que escrever em blogues para ti. O que importa é que tratar a religão como atitude homogénea e merecedora de ridicularização é muito pouco inteligente, primitivo e promotor das religiosidades menos convenientes.

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    2. «se isso faz mais sentido para ela do que escrever em blogues para ti» claro que faz sentido para ela: neste exemplo ela acredita que está a contribuir para salvar alguém que ama. E está enganada.
      Se não consegues ver o engano, imagina que era a IURD a pedir-lhe que dê mais umas contribuições além da dízima, se quer salvar o seu amado enfermo, e aposto que mesmo que não admitas vês logo o equívoco criado pelo desepero com mais clareza.

      Tu tratas a crença em raptos alienígenas «como atitude homogénea e merecedora de ridicularização» quando publicamente te mostras ofendido que a eu a compare às crenças católicas, e escreves aquilo que já aqui li sobre a sanidade mental de quem acredita nessas coisas - coisa que não digo a respeito dos católicos, pois sou da opinião que pessoas sãs inteligentes e razoáveis podem estar muito equivocadas.

      O que são «religiosidades menos convenientes»?

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    3. JV,
      Tu não sabes nem tens nada a ver com as razões que levam alguém a deslocar-se a Fátima a pé ou outrém a abrir um garrafa de champanhe. Mete-te na tua vida.

      "O que são «religiosidades menos convenientes»?"

      Aquelas onde não se vislumbra outro objectivo que não o de destruir todas as outras, como o neoateísmo, o islamismo radical e mesmo o cristianismo fundamentalista de outrora.

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    4. «Tu não sabes nem tens nada a ver com as razões que levam alguém a deslocar-se a Fátima a pé ou outrém a abrir um garrafa de champanhe. Mete-te na tua vida.»
      Desculpa a frontalidade, mas isso é muito hipócrita. Estás constantemente a mandar bitaites sobre as minhas motivações, as do Ludwig, as de várias pessoas, incluindo as que supostamente promovem as religiosidades que consideras menos convenientes. Se não achas que ninguém se devia pronunciar sobre as convicções/motivações dos outros, és perfeitamente incoerente por continuar aqui a comentar.


      «Aquelas onde não se vislumbra outro objectivo que não o de destruir todas as outras»
      Se calhar eles querem destruir as perspectivas ou formas de religiosidade que acreditam serem menos convenientes. Tu pouco mais fazes além disso neste blogue. És igual.

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  45. João Vasco e Ilídio,

    Eu acho incorrecto dizer que a intuição é uma percepção instintiva, porque uma característica definidora do instinto é a ausência de experiência prévia, enquanto que a intuição pode ser aprendida e treinada.

    O que caracteriza a intuição é ser um processo inconsciente, do qual só percebemos o resultado final. Esta opção parece-nos a certa, esta alegação parece verdadeira, esta jogada parece ser a melhor, mas não sabemos como é que lá chegámos.

    Mais trabalhoso, mas mais fiável, é o raciocínio explícito pelo qual tomamos consciência das premissas de onde partimos e de todo o percurso até à conclusão. É mais trabalhoso porque exige considerar uma data de detalhes e passos que, na intuição, ficam delegados às partes do cérebro em “piloto automático”. Mas é mais fiável porque sabemos o que estamos a fazer. Podemos avaliar a solidez de cada parte do processo, notar e corrigir erros, e perceber o que poria em causa as premissas.

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    1. Olá Ludwig,

      Posso então concluir que concordas com o João Vasco quando ele diz que a intuição pode errar?

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    2. Ludwig,
      "Mas é mais fiável porque sabemos o que estamos a fazer"

      Sabemos, sabemos. Meio caminho andado até à arrogancia epistémica.

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    3. Ilídio,

      Errar podemos sempre. Se acordo de manhã com a intuição de que vai chover, posso estar enganado. Se vejo que a pressão atmosférica baixou e a humidade relativa subiu, e daí prevejo que vai chover, também posso estar enganado. A diferença é que, no segundo caso, eu percebo como e de onde cheguei a essa conclusão, posso estimar a confiança que a conclusão merece, sou capaz de a adaptar facilmente a dados contrários, etc, enquanto que no primeiro caso não faço ideia porque me deu para intuir aquilo.

      Nuno,

      Mais arrogante é julgar que se sabe sem se saber porquê. Com um raciocínio explícito também te podes enganar, mas ao menos estás consciente do processo. Sabes o que te levou a concluir o que concluíste.

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  46. Sim, acho que tens razão. Essa é uma boa explicação daquilo que é a intuição, e da razão pela qual é menos fiável.

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  47. Caro João,

    O que eu disse anteriormente sobre a importância do contexto aplica-se mais uma vez. Se isolar uma ou outra frase do contexto global dos Evangelhos, como as que se referem ao inferno, pode provar, ou ao menos justificar, praticamente tudo o que quiser, uma tese e a sua oposta.

    O mesmos se pode dizer em relação à influência social do cristianismo. Pode ignorar o número incontável de cristãos que deram e continuam a dar a vida por um mundo de justiça, inclusive nos países que se orientaram ou orientam ainda pelos escritos de Marx.

    Como disse anteriormente, abstrair elementos do seu contexto permite-nos afirmar o que quisermos e ficarmos convencidos de que a razão está toda do nosso lado.

    Nunca direi que o ateísmo só faz mal e que a influência social do ateísmo é só negativa. mesmo que tenha muito exemplos disso.

    Saudações.

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  48. Caro João,

    Quanto à verdade que me diz ter encontrado, diga-me onde a encontrou para eu poder lá ir também buscá-la.

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  49. Caro Alfredo,

    Quando eu acuso alguém de descontextualizar prefiro concretizar. Explicar em que medida é que o contexto desmente a afirmação que a pessoa fez. Sem essa concretização a alegação de que o outro descontextualiza é vazia. A interpretação que fiz da Bíblia foi a de que quem espera ser digno da misericórdia de Deus é um arrogante orgulhoso que por isso mesmo não a merece, e como estava a falar das razões PESSOAIS pelas quais deixar o cristianismo fez-me sentir melhor, isto seria válido mesmo que a minha interpretação estivesse errada (pois se eu acreditava nela e tinha esse medo, perde-lo foi efectivamente uma fonte de bem estar). De qualquer das formas, não vejo justificação para considerar esta interpretação errada. Se esta mensagem contradiz outras mensagens da Bíblia (Deus ama todos e portanto nunca poderia condenar ninguém ao sofrimento eterno, mesmo que por decisão absurda do próprio) isto apenas mostra as contradições fundamentais da mensagem, não faz sentido decidir que a primeira («Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela; E porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, e poucos há que a encontrem» Jesus em Mt 7:13 -14) não é para levar a sério apenas porque parece inconveniente.

    Note que eu não afirmo que a influência da religião é perniciosa por ter «exemplos disso». Sim, tenho aos montes, mas seria ridículo suportar esta afirmação em meros exemplos.

    A razão mais importante pela qual estou convencido que a influência da religião é perniciosa é a heurística da Verdade: a religião está fundamentada em algo que é falso, na melhor das hipóteses um equívoco. Com tal semente, seria estranho que o fruto não fosse, globalmente, negativo. Tem vários aspectos positivos (alguns outros equívocos também têm aspectos positivos), que não nego. Mas o balanço geral é negativo.
    Há mais razões, mas esta é a mais importante.

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  50. Sobre a pergunta da verdade, volto a recomendar o vídeo onde encontro boa divulgação de boa epistemologia - a ferramenta adequada para nos aproximarmos da verdade - http://www.youtube.com/watch?v=g9x_oa--KAc&feature=BFa&list=PLA0C3C1D163BE880A

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  51. Caro João,

    A dificuldade ou mesmo incapacidade que os não crentes têm em ler a Bíblia é um dos pontos mais débeis da sua crítica ao Cristianismo. A interpretação de textos, sejam eles quais forem, obedece a algumas regras objectivas e estuda-se na Universidade num unidade curricular que se chama Hermenêutica. O que fazem em geral os não crentes é citar frases isoladas, e apenas as que lhe convêm. É o que faz, por exemplo, Richard Dawkins. usa e abusa deste método que dá para se justificar tudo o que se quiser, como disse, uma tese e a sua contrária. Saramago foi severamente criticado, não por Cristãos, quando por ocasião da publicação do seu romance Caím falou da sua interpretação bíblica. Vasco Pulido Valente, no jornal Público, chamou-lhe pratica,ente ignorante. A um escritor do nível de Saramago, de facto, não se podia perdoar tudo. Eu não sigo o método de citar frases isoladas, uma vez que esse não é um método credível.

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  52. Caro Alfredo,

    Como a minha formação é em Física/Engenharia não tive oportunidade de estudar hermenêutica, mas felizmente namoro há vários anos com uma antropóloga que teve oportunidade de estudar esse campo durante a sua formação. Já falámos algumas vezes sobre esse assunto, e ela não considera que eu tivesse «descontextualizado» quando fiz a interpretação que aqui mencionei a respeito do Inferno.
    Se ela o tivesse feito, certamente me iria explicar em que medida é que o contexto em causa desmentia a minha interpretação, e usaria a sua aprendizagem a respeito da hermenêutica como uma ferramenta identificar e expor os supostos erros, e não como uma desculpa para se escusar a justificar (concretizando) a sua discordância.

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  53. «O que fazem em geral os não crentes é citar frases isoladas, e apenas as que lhe convêm.»

    Isto então é mesmo uma acusação desadequada para o contexto - e é de contexto que falamos - visto que eu até me referia a interpretações que tinha feito enquanto crente, e que certamente não me convinham nada. O medo do sofrimento eterno não é «conveniente» para ninguém.

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  54. Caro João,
    Nós todos procedemos a descontextualizações constantes no dia a dia e não nos damos por isso. Já não falo na política, onde em geral as críticas que os partidos políticos se fazem uns aos outros se baseia na apreciação abstracta de medidas concretas dos governos. Todos os partidos fazem isso. Eu tenho a sorte de estar este ano a viver em Oxford e tenho estado a a comparar o a situação da nossa economia, da nossa política, da nossa escola, no contexto europeu e, mais directamente, tendo em conta a situação inglesa. Asseguro-lhe que a perspectiva é bastante diferente da que vejo os nossos políticos terem em Portugal.

    Mas em aspectos mais simples, fazemos o mesmo. Muitas vezes criticamos as pessoas e fundamentamos a nossa crítica em algumas atitudes ou palavras dessas pessoas. Com esta descontextualização, eu posso fundamentar a bondade dos meus amigos, bastando citar algumas das suas palavras e atitudes positivas, ignorando tudo o mais. E posso fundamentar a minha crítica aos meus inimigos, procedendo da mesma forma, só que agora abstraindo não o opositivo mas o negativo. Aliás, talvez tenham alguma coisa a ver com isto dois ditados portugueses: "o amor é cego" e "o ódio cega". Curiosamente ambos cegam, um para o negativo, outro para o positivo. O erro é o mesmo.As consequências são muitas vezes catastróficas.

    Quando me referi ao contexto dos Evangelhos referia-me ao contexto geral, no qual encontra afirmações de Jesus do género: "Eu não julgo ninguém": "Não vim para condenar mas para salvar"; há também as afirmações sobre a possibilidade de condenação eterna. Não é possível ler apenas estas ignorando aquelas, e vive-versa.

    A leitura dos textos tem ainda outras dificuldades que resultam, por exemplo, da tradução de termos de uma língua para a outra. Por vezes, duas palavras diferentes em grego têm apenas correspondência a uma palavra em português. Ainda hoje, quando leio textos de filosofia em inglês, traduzidos do alemão, com alguma frequência tenho que ver qual era o termo original no alemão e de que forma foi traduzido, quer para o inglês quer para outra língua. Por vezes não há mesmo correspondência directa de um termo de uma língua noutra língua. É por isso que em sucessivas edições de um livro há mudanças de tradução. Isso acontece ainda hoje com os textos de Wittgenstein escritos em alemão e traduzidos para outras línguas, entre as quais o inglês, que uso com mais frequência.

    Como se tudo isto ainda não bastasse, há que ter em conta que o sentido de algumas palavras em épocas passadas já não é o sentido de hoje, uma vez que este muda ao longo dos séculos, até mesmo no interior de uma mesma cultura.

    Por tudo isto, e por muito mais, há que ter cuidado com a utilização de textos, sejam eles religiosos sejam de qualquer outra área. As regras de interpretação são exactamente as mesmas.

    Os próprios sacerdotes arriscam-se a fazer nas homilias das missas interpretações das passagens bíblicas lidas que nada ou pouco tenham a ver com a questão original.
    Acresce ainda que os mesmos termos não têm o mesmo significado em culturas e épocas diferentes.

    Aproveito para dizer que ainda não consegui localizar o vídeo no Youtube sobre a questão da verdade. Dê-me alguma indicação mais concreta, como o título do vídeo.

    Obrigado.

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  55. Caro Alfredo,

    Sobre a questão da descontextualização, apesar de ter elaborado a acusação, explicando diferentes confusões que podem ocorrer, voltou a não concretizar.

    Posso explicar o que quero dizer pegando na questão da tradução. O Alfredo disse-me que «Por vezes, duas palavras diferentes em grego têm apenas correspondência a uma palavra em português. [...]. Por vezes não há mesmo correspondência directa de um termo de uma língua noutra língua. É por isso que em sucessivas edições de um livro há mudanças de tradução.»

    Ora isto seria importante se eu alegasse que é impossível compreender ou descontextualizar um texto. Nesse contexto (;)) seria adequado explicar como é que descontextualizações não intencionais poderiam ocorrer.

    Mas a minha afirmação não é essa. Aquilo que afirmo é que não confio, sem mais, na alegação de que descontextualizei (mesmo que não intencionalmente) uma passagem, apenas porque em teoria tais descontextualizações poderiam ocorrer inadvertidamente.
    Ainda para mais quando tenho consciência da multiplicidade de diferentes interpretações que foram e são feitas pelos vários especialistas, cada um confiante de que os que têm uma interpretação oposta estão equivocados.

    Aceitarei a crítica se ela for concreta e justa. Imagine o Alfredo que sabia de uma questão delicada relativa à tradução das palavras da passagem mencionada, que mudava completamente o significado das mesmas. Nesse caso, o Alfredo concretizaria a sua crítica referindo a palavra em causa, e seria possível avaliar se o significado que atribuí à passagem estava ou não errado.

    Curiosamente lembro-me de um exemplo recorrente, de uma situação em que fui acusado de descontextualização, quando na verdade quem fez a acusação é que realmente não soube separar o acessório do essencial.
    Trata-se da parábola da agulha. Defendi que Jesus era contra a acumulação de riqueza, e exemplifiquei não só com os discursos de João Baptista, mas também com a parábola da agulha: «Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no reino dos céus. E outra vez vos digo que é mais fácil um camelo passar pelo fundo duma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus». Logo me disseram que eu estava a descontextualizar, e felizmente concretizaram. Que eu era ignorante a respeito do contexto socio-cultural da época, das traduções e da língua, pois agulha referia-se às fendas de ameias ou ranhuras similares e não à agulha de cozer. Achei particularmente irónica tal correcção por duas razões: em primeiro, porque logo da primeira vez que conheci a parábola, contada pela minha avó, antes até de saber ler, já me tinha sido dito isso e nada do que tinha escrito exigia que me estivesse a referir a uma agulha de cozer; e em segundo porque isso precisamente era perder o contexto de vista. Não importa se camelo é uma corda ou um animal ou o que seja, nem se agulha é um pequeno portão, uma fenda de uma ameia, ou mesmo uma agulha de cozer, pois pelo contexto é claro que Jesus apenas está a dar o exemplo de algo muito difícil de acontecer.
    A vontade de recusar a mensagem evidente é tanta, que depois há quem recorra a estes artifícios absurdos, de tentar efectivamente «descontextualizar» apenas para fundamentar a acusação de «descontextualização».

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  57. Portanto, para saber se estou a descontextualizar ou não é necessário saber qual é a alegação de descontextualização. Se o Alfredo tem conhecimentos de hermenêutica, se conhece melhor que eu a história, a cultura da época, o grego, e por aí fora, então tem excelentes ferramentas para poder explicar de forma adequada em que medida é que o contexto desmente a interpretação que fiz daquelas passagens.
    Mas seria a primeira vez que tal aconteceria. Geralmente a acusação de descontextualização nunca é concretizada, e a única vez que foi correspondeu ao exemplo acima sobre a agulha, que apenas aumentou a minha convicção de que essa acusação é frequentemente feita de forma vã quando não se gosta da mensagem da passagem em causa.

    Há, no entanto, um aspecto importante a considerar.
    Não é possível mostrar que uma passagem está descontextualizada apenas porque há outra que a contradiz. Isso seria um argumento válido e adequado para quem partisse do princípio que a Bíblia não pode apresentar contradições. Ora eu não parto desse princípio. Se Jesus num sítio diz que devemos bocejar, e noutro diz que quem bocejar está na via da perdição, eu não concluirei que uma das passagens está descontextualizada ao me apresentarem a segunda: concluirei que estou na presença de mais uma de várias contradições.

    Quero notar, no entanto, que não é o caso do exemplo que o Alfredo apresentou. Se Jesus afirma não ter vindo para condenar mas para salvar, isso é perfeitamente compatível com a afirmação de que a maioria das pessoas será condenada e apenas uma minoria será salva: Jesus veio apenas para salvar essa minoria, e os outros escolheram a perdição (Jesus não os foi condenar, eles é que se condenaram). É fácil conciliar ambas as afirmações.

    O nome do vídeo que recomendei é: «3.4.1(1) Atheism: Evidence».
    Apesar do nome, o vídeo não fala sobre ateísmo em particular, mas sim sobre epistemologia em geral.

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  58. Caro João,

    Obrigado pelos seus comentários.

    “Se esta mensagem contradiz outras mensagens da Bíblia (Deus ama todos e portanto nunca poderia condenar ninguém ao sofrimento eterno, mesmo que por decisão absurda do próprio) isto apenas mostra as contradições fundamentais da mensagem, não faz sentido decidir que a primeira («Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela; E porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, e poucos há que a encontrem» Jesus em Mt 7:13 -14) não é para levar a sério apenas porque parece inconveniente.”

    A Bíblia não afirma em lado nenhum que “Deus ama todos e portanto nunca poderia condenar ninguém ao sofrimento eterno, mesmo que por decisão absurda do próprio”. Isto elimina completamente a sua ilação: “isto apenas mostra as contradições fundamentais da mensagem”

    “A razão mais importante pela qual estou convencido que a influência da religião é perniciosa é a heurística da Verdade: a religião está fundamentada em algo que é falso, na melhor das hipóteses um equívoco. Com tal semente, seria estranho que o fruto não fosse, globalmente, negativo. Tem vários aspectos positivos (alguns outros equívocos também têm aspectos positivos), que não nego. Mas o balanço geral é negativo.”

    Em primeiro lugar não sei qual é a falsidade em que se baseia o Cristianismo. Em segundo lugar não sei como consegue conhecer todos os elementos positivos e todos os elementos negativos do Cristianismo para fazer o balanço final. É provável que outras pessoas, crentes, dispondo do mesmo conhecimento de dados afirme o contrário. Como se esclarece o assunto?

    “Sobre a questão da descontextualização, apesar de ter elaborado a acusação, explicando diferentes confusões que podem ocorrer, voltou a não concretizar.”

    O problema da com textualização é muito simples: Cristo referiu-se tanto à salvação quanto à condenação. O João só se refere à condenação. O contexto significa tomar em conjunto os dos tipos de afirmações e não apenas um, e isto no contexto global de todo o Novo Testamento ou, pelo menos, dos Evangelhos.

    As minhas considerações sobre questões de tradução não tinham directamente a ver com a questão do contetxo, mas apenas pretendi referir mais um dos muito elementos de hermenêutica textual geral que é em greal ignorado quando se fazem citação, bíblicas ou outras. Não é por acaso que a publicação de muito texto é bilingue, incuindo o texto original e a tradução.

    Saudações.

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  59. Caro Alfredo:

    «A Bíblia não afirma em lado nenhum que “Deus ama todos e portanto nunca poderia condenar ninguém ao sofrimento eterno, mesmo que por decisão absurda do próprio”. Isto elimina completamente a sua ilação»

    Nem eu disse que afirmava. Eu disse que caso afirmasse isso - e já tenho sabido de quem faz essa alegação - tal continuaria sem desmentir a afirmação primeira - apenas revelaria uma contradição.


    «Em primeiro lugar não sei qual é a falsidade em que se baseia o Cristianismo.»
    O Alfredo acredita que a ressurreição aconteceu, mas está consciente que eu acredito que a crença na ressurreição resulta de equívoco (provavelmente) ou fraude (menos provável).
    Sendo assim, aí tem uma base do criacionismo que o Alfredo sabe que considero falsa. Não é a única a que me estou a referir, mas é das mais importantes.

    «Como se esclarece o assunto?»
    O vídeo que recomendei aborda a resposta.

    «Em segundo lugar não sei como consegue conhecer todos os elementos positivos e todos os elementos negativos do Cristianismo para fazer o balanço final.»
    Mal seria que fosse necessária uma quase omnisciência para fazer julgamentos morais fosse sobre o que fosse. Eu certamente não conheço todos os aspectos da corrupção ou da guerra, nem o Alfredo, mas posso fazer um balanço do seu efeito.
    Quanto à religião eu expliquei uma das razões que me leva a crer que o balanço é pernicioso: os equívocos tendem a ser mais perniciosos que a verdade, portanto uma instituição ou conjunto de crenças que tem como base equívocos tenderá a ter um efeito mais negativo que positivo.


    «O problema da com textualização é muito simples: Cristo referiu-se tanto à salvação quanto à condenação. O João só se refere à condenação.»
    Isso não é verdade. Basta rever a passagem citada: «Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela; E porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, e poucos há que a encontrem» Jesus em Mt 7:13 -14

    Saudações.

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  60. Em relação ao vídeo sobre “Atheism: Evidence”, ele contém elementos muito interessantes, mas parece esquecer alguns pressupostos da chamada “observação directa” - algo que não existe. Os elementos que observamos através dos entidos são seleccionados, e a realidade de que falamos é em grande parte uma reconstrução feita pelas nossas estruturas cognitivas, com base nesses dados. Isto é afirmado não apenas por alguns filósofos , mas também por neurocientistas, como António Damásio. Além disso,a ‘realidade’ parece que é algo que “está aí”, quando a realidade é um processo. Acresce ainda que o conhecimento humano através da observação directa vai mudando regularmente. A ideia de que nos estamos a aproximar dpo conhecimento da realidade com as sucessivas teorias, não está garantida. Por outro lado, em áreas como a da física teórica, por exemplo, a observação é cada vez menos indirecta e cada vez mais ‘mental’. Quando se fala, por exemplo, em ‘universo inflacionário’ ou ‘falso vácuo’ ou ‘vacuo quântico’, quais são as observação que fundamentam o nosso discurso?
    Finalmente, o testemunho das outras pessoas não é necessáriamente desvalorizado pelas possibilidades de erro na recordação de factos, na selecção de elementos que se referem – a observação directa também faz essa selecção como disse. A argumentação apresentada no vídeo, pelo menso no que se refere ao Cristianismo – afinal a razão de ser do vídeo – é abstracta. Em primeiro lugar o ambiente originário dos Cristãos não é o de um conjunto justaposto de diversos indivíduos cujos testemunhos impregandos de possíveis erros se adicionam uns aos outros criando no final um monumental edifício em que não podemos ter qualquer confiança. Os testemunhos de que se fala quanto aos primeiros cristão correspondem à experiência de vida em comum, antes de mais dos apóstolos de jesus com o próprio Jesus, e depois dos apóstolos e outros discípulos numa comum idade de fé e de vida, em cujo contexto os diversos testemunhos eram confrontados uns com os outros e, po risso mesmo, nem todos foram retidos como igualmente relevantes. Esta situação ultrapassa em muito a descrita no vídeo, no qual afirmações fundamentais acerca da vida de comunidade são feitas com base em hipotéticos erros de indivíduos considerados isoladamente e fora do conetxto existencial concreto. Finalmente, surge como não podia deixar de ser a invocação da ‘navalha de Occam’, habitualmente utilizado de forma incorrecta. Ainda bemque os inspectores da polícia que chegam ao local de um crime em que uma pessoa jaz no chão morta com um tiro na cabeça e segurando uma arma numa das mão não recorrem à navalha de Occam concluindo que a pessoa se suicidou. Porquê complicar uma coisa que parece simples? De facto, porém, é o que acontece todos os dias.

    Saudações.

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  61. Caro Alfredo,

    «A ideia de que nos estamos a aproximar dpo conhecimento da realidade com as sucessivas teorias, não está garantida.»
    Nada está garantido, nisso estamos de acordo. Mas como não está sequer garantido que a terra não seja plana, isso é dizer pouco...
    Algum do pós-modernismo mais extremista cai no disparate de recusar a possibilidade de aproximação à realidade. Enfim, esse cepticismo extremista é auto-refutante...

    De qualquer forma, o vídeo não omite este problema: ele é assumido frontalmente. Ao 3 minutos, quanto fala sobre as pre-suposições.

    «Por outro lado, em áreas como a da física teórica, por exemplo, a observação é cada vez menos indirecta e cada vez mais ‘mental’.»
    menos indirecta?

    ---

    No que diz respeito à parte final do comentário, parece-me que o exemplo que dá do homicídio é realmente o da navalha de Occam mal usado. Mas a navalha de Occam deve efectivamente ser bem usada na investigação forense, sendo aliás um recurso comum. E não vejo razão para acusar o vídeo de sugerir uma má aplicação do princípio - ele é enunciado e adequadamente aplicado.

    ---

    O vídeo apresenta critérios sólidos e consistentes para avaliar diferentes alegações, sem abordar o caso do cristianismo.

    O Alfredo pode acreditar que, aplicando os critérios «evidencialistas», o cristianismo seria dado como verdadeiro. Os argumentos que apresenta em defesa do cristianismo parecem reconhecer implicitamente a validade destes critérios. Suponhamos por instantes que é o caso.

    Aqui o problema mais evidente é o de não aplicar o mesmo raciocínio a outras religiões/estruturas de crença complexas. O Kandomblé é politeísta, e tem todo um corpo de testemunhos de vida, de tradições e experiências passadas de geração em geração, e por aí fora.
    Ora acontece que não podem ser ambos verdadeiros.

    Facilmente descartamos as evidências que o Alfredo apresenta como fortes ao olhar para a quantidade de religiões incompatíveis que a imaginação/cultura humana foi capaz de criar, tantas delas associadas a vivências significativas, a experiências emocionais ("espirituais"?) profundas.

    Eu sei que o Alfredo não aceita os critérios «evidencialistas». Mas os argumentos que deu em relação ao cristianismo tornam-se espúrios se não existir um critério à luz do qual são avaliados.

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  63. "Os elementos que observamos através dos sentidos são seleccionados, e a realidade de que falamos é em grande parte uma reconstrução feita pelas nossas estruturas cognitivas, com base nesses dados." Alfredo Dinis

    Exemplo 1:

    "O Kandomblé é politeísta..." João vasco

    "Candomblé é uma religião "monoteísta", embora alguns defendam a ideia que são cultuados vários deuses, o deus único para a Nação Ketu é Olorum, para a Nação Bantu é Nzambi e para a Nação Jeje é Mawu, são nações independentes na prática diária e em virtude do sincretismo existente no Brasil a maioria dos participantes consideram como sendo o mesmo Deus da Igreja Católica." Wikipédia

    Exemplo 2:

    http://ktreta.blogspot.pt/2010/01/equivocos-parte-2.html

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    1. Ilídio Barros,

      Há muito tempo quer venho dizendo, neste blogue e noutros espaços, que embora tenha confiança na wikipedia em inglês (um artigo científico mostrou que a quantidade de erros está na ordem de grandeza dos da enciclopédia britânica), não tenho confiança alguma na wikipedia em português, pois eu próprio encontro uma quantidade avassaladora de erros, que atribuo à ausência de massa crítica para que possa existir uma correcção eficaz dos erros. Aliás, tudo o que já publiquei na wikipedia foi sempre na wikipedia em inglês, aquela que é verdadeiramente universal (o inglês, queiramos ou não, é a língua franca dos nossos dias, como o latim ou grego já foram no passado).

      Serve este prelúdio para dizer que tive mais um exemplo disto:

      «Beliefs

      Candomblé is a polytheistic religion and worships a number of gods, derived from African deities:»

      http://en.wikipedia.org/wiki/Candombl%C3%A9

      Note-se que caso o Cambomblé fosse politeísta, isso em nada mudava o essencial do meu texto. O Camdomblé era um mero exemplo. Mas nem sequer tenho de o fazer. O Camdomblé tem um panteão vastíssimo de Orixás, começa com 16 mas depois estende-se e são mais de 256, se não erro.
      É perfeitamente falso aquilo que a wikipedia portuguesa diz de que ninguém presta culto a mais do que um Deus no Candomblé. Isto conheço como matéria de facto, pois conheço pessoas que prestam culto a amsi do que um.

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    2. João,

      "É perfeitamente falso aquilo que a wikipedia portuguesa diz de que ninguém presta culto a mais do que um Deus no Candomblé. Isto conheço como matéria de facto, pois conheço pessoas que prestam culto a amsi do que um."

      http://odemutaloia.blogspot.pt/2010/05/candomble-uma-religiao-monoteista-ou.html

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    3. O texto que citou confirma a falsidade daquilo que a wikipedia em português diz, pois diz que as pessoas prestam culto a vários Orixás e a wikipedia em português diz que cada «nação» presta culto exclusivamente ao seu.

      Quanto ao politeísmo/monoteísmo, a wikipedia em inglês afirma que o Candomblé é politeísta, o que me parece fazer sentido, visto que é prestado culto a vários Orixás, venerados como deuses.
      Pelos vistos o autor desse blogue, e certamente outros praticantes dessa religião, não concordam. Mas isso não significa que estejam certos, visto que também existem vários praticantes que consideram a sua religião politeísta, e estudiosos que a classificam dessa forma.

      Mas tenho de reforçar a irrelevância dessa questão. Peço ao Ilídio que mencione uma religião politeísta. Se mantém que o Candomblé é monoteísta, ou fundamentalmente compatível com o cristianismo (o fundamental para o exemplo era esta incompatibilidade) substitua por essa religião politeísta que encontrou.

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  64. Alfredo,

    "Os elementos que observamos através dos sentidos são seleccionados, e a realidade de que falamos é em grande parte uma reconstrução feita pelas nossas estruturas cognitivas, com base nesses dados."

    Apenas queria acrescentar, "uma reconstrução feita pelas nossas estruturas cognitivas" e emotivas...

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    1. A grande questão que se coloca é se isso é ultrapassável para reconstruir o real, ou não.

      Se não, entramos no tal cepticismo extremo que é auto-refutante.

      Se sim, então isso nada obsta ao vídeo em causa, pelo contrário.

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  65. Caro João,

    “Sendo assim, aí tem uma base do criacionismo que o Alfredo sabe que considero falsa. Não é a única a que me estou a referir, mas é das mais importantes.”
    Não entendo o que tem o criacionismo a ver com a ressurreição de Cristo.

    “Por outro lado, em áreas como a da física teórica, por exemplo, a observação é cada vez menos indirecta e cada vez mais ‘mental’.»
    Correcção da minha afirmação: “a observação é cada vez menos directa”

    “Eu sei que o Alfredo não aceita os critérios «evidencialistas». Mas os argumentos que deu em relação ao cristianismo tornam-se espúrios se não existir um critério à luz do qual são avaliados.”
    A questão dos testemunhos não é o único critério a ter em conta. Se quiser continuar a defender que não é possível distinguir entre o Cristianismo, a magia negra, as muitas religiões que pululam no Brasil, na África, na Ásia, - se quiser continuar a afirmar que não há diferenças muito significativas comparando a História e as ideias centrais de todas essas religiões; se quiser ignorar a criação das universidades medievais, a produção artística, literária, filosófica, o desenvolvimento das populações, a educação, etc., etc., por acção do Cristianismo, esteja à vontade.

    Saudações.

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  66. Caro Alfredo,

    «“Sendo assim, aí tem uma base do criacionismo que o Alfredo sabe que considero falsa. Não é a única a que me estou a referir, mas é das mais importantes.”»

    Referia-me, naturalmente ao cristianismo. Escrevi criacionismo por lapso.


    «Correcção da minha afirmação: “a observação é cada vez menos directa”»

    Parecia-me que tinha sido isso que o Alfredo pretendia.
    Mas não estava certo, pois pouco antes o Alfredo tinha escrito que não existe observação directa, e eu não sabia se estava a alegar que são todas «demasiado» indirectas sequer para podermos comparar o seu grau de «afastamento».

    Pelos vistos não é isso. O Alfredo afirma que nunca existe uma observação que seja 100% directa, mas estamos ambos de acordo que há observações mais directas que outras. É tanto quanto basta. Se é assim, o vídeo responde efectivamente às objecções que o Alfredo colocou.


    «se quiser continuar a afirmar que não há diferenças muito significativas comparando a História e as ideias centrais de todas essas religiões»

    Claro que há diferenças muito significativas. Cada religião é muito diferente das restantes.
    Agora não são diferenças que um observador independente - coisa que tento ser para fazer esta avaliação - considere relevantes para aferir qual delas é a verdadeira.
    O Alfredo fala na "criação das universidades medievais, a produção artística, literária, filosófica, o desenvolvimento das populações, a educação, etc., etc.", mas eu podia responder-lhe que o panteão grego acompanhou uma era extremamente profícua na criação intelectual, artística, literária mundial. Há quem diga que toda a filosofia são notas de rodapé nos escritos de Platão, e mesmo descontando o exagero, são efectivamente extraordinárias as conquistas conseguidas no ambiente socio-cultural dos antigos gregos, mas não vou considerar mais verdadeiros os oráculos e o panteão que era adorado.

    Claro que estou à vontade para não aceitar esses critérios como relevantes para aferir a verdade de uma crença religiosa. Mas o Alfredo sugere-os em defesa do cristianismo, mas não os aplica em defesa do panteão grego que levou Sócrates à morte. Identifico uma inconsistência.

    Saudações.

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  67. Caro João,

    Os frutos do Cristianismo não provam a sua verdade, mas constituem critérios para negar o que muitos não crentes afirmam constantemente: que não há critérios para distinguir as crenças Cristãs das crenças em fadas e outras coisas parecidas.

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  68. Caro Alfredo,

    Os frutos do cristianismo distinguem-se efectivamente dos frutos da crença no Pai Natal ou da crença em sereias, e distinguem-se também dos frutos do islamismo, se bem que em menor grau. O problema é que distinguem-se em grande medida quanto à popularidade, e aos efeitos que decorrem dessa popularidade - daí que sejam menos distintos de crenças menos populares que de crenças com grau de popularidade semelhante.
    Usa-los dessa forma como critério para aferir a verdade das crenças seria cair em cheio na falácia do «ad populum».

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  69. Caro João,

    Como já afirmei anteriormente, não pretendo apresentar argumentos que provem a verdade do Cristianismo. Não creio que haja provas definitivas da verdade da maior parte do que é essencial na vida humana. Refiro-me a provas no sentido matemático e indubitável. Como também já afirmei anteriormente, as pessoas que se contentam com a narrativa científica sobre o significado da existência humana não só não necessitam de qualquer outra narrativa, como se colocam numa posição de a rejeitar à partida. É também por esta razão que para os ateus não só não há provas da existência de Deus como também não há nem sequer indícios. Tudo o que qualquer crente disser é automaticamente traduzido em termos de explicação científica ou, se tal não for possível, de rejeição.

    Estou convencido de que a hipótese de Deus só pode aparecer como digna de consideração a quem pensar que a narrativa científica é incompleta e insatisfatória quando se trata de compreender a existência humana.

    Saudações.

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  70. Caro Alfredo,

    Em provas definitivas não acredito eu, nem sequer que a terra não seja plana, e muito menos na relatividade restrita, e numa série de outras coisas que dou como certas, mas estou aberto para deixar de dar surjam boas razões para isso.

    «as pessoas que se contentam com a narrativa científica sobre o significado da existência humana»
    A ciência é a melhor ferramenta colectiva para conhecer a realidade - creio que é isso que a define (se definirmos ciência como o método para descobrir/aumentar o conhecimento humano). Se existir uma ferramenta que até agora não tenha sido usada, mas que seja adequada para conhecer a realidade comum a todos, será por consequência uma ferramenta científica, pelo menos definida ciência daquela forma.

    Mas o significado da existência é algo que cada um pode (e deve) criar. É uma criação nossa. Certamente não é a ciência que o descobre.
    E é verdade que a religião pode propor significados, mas apenas na medida em que ela também é uma criação nossa, e não um reflexo de uma realidade sobrenatural.
    Eu prefiro dar significado à minha vida, em vez de aceitar uma proposta fundamentada em dogmas de fé.


    «É também por esta razão que para os ateus não só não há provas da existência de Deus como também não há nem sequer indícios. »

    Isto lembra George W. Bush quando alegava que a ausência de indícios das AMDs era prova do ardil e má vontade de Saddam em escondê-las.
    Os indícios não existiam porque as armas não existiam, mas como a hipótese era rejeitada à partida, inventavam-se outras razões para a ausência de indícios.

    Aqui passa-se o mesmo. A cada suposto indício que é apresentado eu nunca o rejeito com base numa recusa a priori: eu explico de forma clara porque é que é inconsistente aceitar o indício. Como exemplo, tenho a mensagem anterior onde mostro que o suposto indício apresentado era efectivamente uma variação do argumentum ad populum - uma falácia. O suposto indício apresentado antes desse (a riqueza cultural associada ao cristianismo) levaria à aceitação da verdade da religião dos antigos gregos. E o suposto indício apresentado antes desse (os testemunhos de vida, a importância transformadora do cristianismo na vida emocional e social de algumas pessoas) levaria à aceitação do Candomblé.
    Nos filmes que alegam que o 11 de Setembro foi provocado pelo governo dos EUA também apresentam dezenas e dezenas de indícios - mas praticamente todos se revelam erróneos.

    Assim, sem eu nunca ter rejeitado nenhum indício a priori - para cada recusa apresentei uma boa justificação - o Alfredo alega que é o caso. Isto depois de ter escrito várias vezes que existem vários indícios que me convenceriam, aliás triviais para um Deus omnipotente, o que contraria em absoluto a hipótese do Alfredo.

    Se o Alfredo considera que tudo quanto sejam critérios racionais para aferir a verdade de uma crença são critérios científicos - então é verdade que apenas aceito critérios científicos.
    Mas se o Alfredo propõe critérios racionais que não considere científicos, estou disposto a conhecer esses critérios. A afirmação de que os rejeito a priori não é fundamentada.

    «Estou convencido de que a hipótese de Deus só pode aparecer como digna de consideração a quem pensar que a narrativa científica é incompleta e insatisfatória quando se trata de compreender a existência humana.»
    Desculpe a expressão, mas isso é misturar alhos com bugalhos.
    Uma coisa é aferir se uma ferramenta é a mais adequada para um trabalho e outra coisa é aferir se o o trabalho está completo.
    São possíveis 4 combinações, e não duas.
    É portanto possível acreditar que a «narrativa científica é incompleta e insatisfatória quando se trata de compreender a existência humana» e que a resposta é mais ciência, ou até que já temos as respostas e que a ciência não é nem foi precisa para nada. Ou que a narrativa está completa e graças à ciência, ou que não está completa e a ciência não vai ajudar na tarefa.

    Saudações.

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