sexta-feira, janeiro 13, 2012

Promiscuidade.

Numa entrevista à TSF, que a Maria João Nogueira transcreveu, a Gabriela Canavilhas justificou assim a taxa sobre equipamento informático que propõe no Projecto de Lei 118/XII: «a situação pretende remediar e acudir a um problema que é grave e que há muitos anos não tem sido resolvido, que é a situação dos autores, porque Portugal está abaixo do meio da tabela em relação aos outros países da Europa no que respeita à contribuição per capita para sociedades gestoras de direitos autorais.»(1) O que é grave é a confusão entre a cultura de todos, o negócio de alguns e a vida de cada um.

É dever e interesse da sociedade promover a cultura, incentivar a criatividade e facilitar o acesso a todos esses bens intelectuais que, pela sua natureza – e ao contrário do que se diz por aí – não podem ser consumidos, apenas multiplicados. E é razoável que se cobre impostos para esse fim. Mas a forma justa de cobrar impostos é repartindo equitativamente o esforço, cobrando mais a quem tem mais, e não a quem precisa de comprar um disco rígido ou uma impressora. E o investimento na cultura deve ser feito naquilo que contribui para a sua preservação e progresso. Escolas, bolsas de estudo, bibliotecas, museus, espectáculos e afins. Dar dinheiro a sociedades privadas de “gestão de direitos” não é investir na cultura.

Isto porque o comércio da cultura é negócio; não é cultura. E, enquanto negócio, é um negócio como qualquer outro. Os autores, artistas, produtores e editores têm o direito de aplicar talento e recursos na procura do lucro, e a sociedade tem o dever de lhes garantir essa liberdade, mas no negócio não são mais nem menos do que os outros. Ninguém tem a obrigação de subsidiar lucros, seja no negócio da música, da carpintaria ou da revenda de congelados. A cultura é um bem de todos, para o qual todos devem contribuir, mas os negócios que cada um faz para o seu bem são consigo.

À parte destas actividades públicas de criação cultural e comércio, cada um tem também a sua vida pessoal. O que faz em casa, em família, entre amigos ou mesmo com estranhos, mas que não é público. Este é um domínio que o Estado tem a obrigação de proteger e onde só deve intervir em caso de absoluta necessidade, apenas para defender os direitos mais fundamentais de cada um. Onde não se inclui o alegado direito ao lucro.

Para justificar esta taxa, deturpam conceitos como consumo, direito à remuneração e prejuízo. Não se consome cultura. Consumir é tirar proveito destruindo valor, mas a difusão de uma obra não lhe tira qualquer valor cultural. O direito à remuneração só surge do acordo voluntário entre a parte remuneradora e a parte remunerada. Ninguém tem direito a remuneração só porque lhe deu para trabalhar sem encomenda nem promessa de pagamento, seja a limpar o quintal do vizinho, escrever um post no blog ou compor uma música. E ter prejuízo é ficar sem aquilo que seria legítimo reivindicar como seu, o que não se aplica ao hipotético lucro pela venda de algo que, afinal, o cliente não quis comprar. É importante perceber que, moralmente, copiar não faz dever nada a ninguém. Mesmo que se deixe de comprar e não se recompense o autor, só com um compromisso prévio é que haveria obrigação moral de o fazer.

Toda esta embrulhada assenta numa obsessão anacrónica pela cópia, um legado do suporte analógico. O número de cópias nunca foi indicativo da qualidade cultural de uma obra mas, ao menos, antigamente era uma boa medida do esforço industrial e financeiro necessário para que a obra chegasse ao seu público. Hoje nem isso. A cópia digital não exige esforço nem não mede nada de relevante. O contributo cultural ou impacto económico do “sai da frente Guedes”, por exemplo, fica muito aquém do número de cópias que originou. E bastava deixar de inflacionar a cópia pela concessão de monopólios que o mercado passaria a canalizar recursos para o que nos interessa: talento e a criatividade em vez da cópias e “gestão de direitos”.

Esta taxa de «contribuição per capita para sociedades gestoras de direitos autorais» é uma conspiração promiscua entre a regulação da cópia para uso pessoal, a mentira de que se defende a cultura e o propósito claro de dar mais lucro à SPA e seus compadres. Ou seja, uma aldrabice.

1- A entrevista (também com o Octávio Gonçalves, da ANSOL) na TSF; transcrição e comentário (que vale a pena ler) no Jonasnuts

9 comentários:

  1. Creio que o teu post anterior sobre este tema era menos divisivo. Aqui defendes os teus princípios quanto à ética das restrições à cópia, e já uma quantidade menor de pessoas concordará com tais princípios.
    Muitas mais pessoas do que essas terão razões para ficar indignada pela lei se a conhecer.
    Isto não é uma crítica, é uma observação.

    Eu tenho-me apercebido que tenho feito pouco para denunciar essa lei - neste momento há tanta coisa a acontecer que causa indignação... - mas tenho de alterar isso, pois esta lei terá consequências graves e absurdas, e realmente quem a conhece tende a reconhecê-lo logo. Vou usar o teu post anterior como ferramenta de divulgação :)

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  2. João Vasco,

    «Creio que o teu post anterior sobre este tema era menos divisivo.»

    Ainda bem :)

    O post anterior era uma carta para os grupos parlamentares, com o objectivo de persuadir o maior número possível de pessoas a opor este imposto imbecil. Como tal, o argumento visava apenas o problema do imposto imbecil e assentava nas premissas que me pareceram mais consensuais, para ser mais fácil concordar com a conclusão.

    Este post, como tu dizes, expõe os princípios éticos em que me baseio para concluir que não só o PL118 mas todo o CDADC são uma combinação imoral de coacção de pagamentos para lucro de algumas entidades privadas, e que nem sequer contribui da melhor forma para o que queremos promover na cultura.

    Mesmo assim, penso que não é tão divisivo quanto isso, pelo menos no que toca às pessoas (tu e o wyrm, principalmente) com quem tenho discutido aqui. Porque me parece ser consensual que, independentemente de como se pode melhor financiar filmes e livros, não deve haver leis que castiguem a cópia e partilha para uso pessoal. E este post é precisamente sobre a separação entre essa esfera pessoal, o negócio da venda de bens culturais, e a cultura como um corpo de ideias partilhado por toda a sociedade.

    «Vou usar o teu post anterior como ferramenta de divulgação :)»

    Sim. Este ainda está uns anos à frente do seu tempo ;)

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  3. Consta-me que a dupla tributação e o duplo imposto são ilegais, já a união europeia se tinha pronunciado no caso do iva e do imposto automóvel ao mesmo tempo, então se os dispositivos tiverem iva e depois este imposto não será nos termos da legislação europeia ilegal?


    Quanto ao post, o estado não pode estar a favorecer grupos de interesses privados, claro que o tem feito e fará, mas não é ético e não é correcto, cabe à spa e amigos dentro dos limites estabelecidos pela lei lutarem pelos lucros, não é o estado que tem que ajudar estes amigalhaços às nossas custas, quanto à senhora ex-ministra nem vale a pena comentar, é uma nulidade apenas com porcaria dentro da cabeça..

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  4. Promiscuidade da política com a economia?naaah

    É dever e interesse da sociedade promover a cultura,(e o que é a cultura...música pimba é cultura, paedophilia é culturalmente importante desde há 3000 anos incentivar a criatividade e facilitar o acesso a todos esses bens intelectuais que, pela sua natureza...desde videojogos a ideias interessantes em termos económicos como a escravatura e as corveias...

    é um pouco vago
    o nervo claro está...

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  5. ResponderEliminar isto é novo?
    ou 2012 é mesmo o ano do fim?
    de toda a treta claro

    isto porque o comércio em todas as suas formas também é cultura

    cultura abrange todas as actividades humanas

    todos os memes são cultura

    até o meme que diz que a cultura só é cultura quando krippahl ker

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  6. De Ludwig a 13 de Janeiro de 2012 às 13:58

    Como é que se consome a cultura?
    Até me parece o contrário, que quanto mais se partilha (a comida e a bebida bens culturais atão o choco frrrite e o arrois de cabidela )e se difunde mais cultura há no total...principalmente quando sai pelo outro orifício cultural...


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    De Mê Dês Até o Grã-Mestre Krippahl da a 14 de Janeiro de 2012 às 02:31

    loja da treta?

    a cultura pode consumir-se por inalação como a coca e o rapé

    pode queimar-se em fogo lento em autos de fé...

    são tudo actos culturais

    ou até pode queimar-se fazendo uma casa da achada
    algures entre a costa do castelo e a rua da madalena...

    ou queimando uns minutos de vida lendo as crónicas de krippahl...tudo actos culturais

    podem ser a modos que um pouco pimba
    mas há altos relevos culturais
    e baixos instintos culturais como a cultura dos tetrahidrocanabinóis e the poppy day


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    De Lud con Wig.... a 14 de Janeiro de 2012 às 02:43

    Sou Tory não ....


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    De Vai con sumir culinária a 14 de Janeiro de 2012 às 02:47

    a cuzinha é cultural...

    e u quentra por cima ou é um acto de consumo

    ou de metamorfose

    porque o que sai do outro lado não está multiplicado....

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  7. MAIS CON TRIBUTOS AO GRÃ MEISTER KRIPPAU

    De AB a 14 de Janeiro de 2012 às 16:07

    Eu sou menos poético.
    Durante uns tempos, as minhas músicas miseráveis, e as minhas obras gráficas miseráveis estiveram no Facebook e no MySpace para avaliar o feedback. Durante esse tempo estiveram totalmente livres de direitos porque foi essa a minha intenção. Faltava mais eu ceder as minhas obras (miseráveis) ao Mundo, e vir a SPA reclamar uma fatia daquilo que eu, autor, prescindo.
    Quanto ao pagador-utilizador, era preciso a CNB ou o Teatro Nacional D. Maria não viverem de impostos. Dou mas não usufruo. Sou o garante de que as élites (miseráveis) deste país possam ter onde mostrar as toilettes. Mais nada.
    Em relação a pagar mais por memórias onde vou colocar conteúdos meus, porque sou potencialmente pirata, pois é assim:
    Se te chamarem filho da puta, ou és ou não. Se és, técnicamente, filho duma puta, podes gostar que te definam assim ou não, mas nada a apontar na parte técnica. Se não fores não gostas que te chamem isso.
    Se por força de lei todas as senhoras nossas mães forem definidas como potenciais putas, estão a chamar-nos a todos filhos das ditas. E é mais ou menos isso que a Sra. Canavilhas fez. A rir.
    Quem teve a idéia desta aberração pode bem ir para a mãe que o/a pariu.

    OU SEJA É UMA DEFESA por metáforas e coisas assim

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  8. a cultura olfactiva foi extraordiná ria mente desenvoluta por muitas civilizações jardins perfumados e afins

    a gustativa olfactiva pelos Hicsos y pela MacDonald's

    a cultura grafológica tem apenas uns milhares de anus e tá quase tudo em tijolêra o que dificulta o transporte cultural

    a cultura audio-visual não serve a civilizações de surdos-mudos com cataratas
    logo (é dia 15)

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  9. a cultura do pontapé na bola é de longe a melhor de todas

    e liberta o stress e cria uma hagiologia mais rica que a soarista

    e dá muito mais horas de serviço público

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