terça-feira, agosto 30, 2011

Pensar com os testículos.

O Gonçalo Portocarrero de Almada escreveu, no Público, um post onde se opõe à possibilidade de alguém ser reconhecido pela sociedade como sendo do género com o qual se identifica. O argumento do Gonçalo, pelo que consegui perceber, assenta na analogia com uma hipotética mudança de espécie segundo a qual ele seria reconhecido como ave rara (1). Uma coisa que achei interessante no texto do Gonçalo é uma profusão de chalaças – presumo que o sejam, porque fazem ainda menos sentido se não o forem – ilustrando na perfeição o que propus no post de há dias (2). Mas o propósito deste não é comentar o sentido de humor do Gonçalo. É apenas apontar um pequeno problema no seu argumento.

A distinção entre aves e humanos é uma distinção biológica. Tem consequências sociais – as aves não escrevem para o Público, por exemplo – mas estas categorias assentam rigidamente na distinção biológica. Em contraste, enquanto o sexo é uma distinção biológica, o género é uma distinção social, abarcando aspectos como quem passa primeiro nas portas, quem tira o chapéu quando cumprimenta, cuida de crianças no infantário, muda o pneu furado, usa bâton e assim por diante. E enquanto o sexo é determinado pelo tamanho dos gâmetas, o género resulta de hábitos, expectativas, comportamentos e relações sociais que não são totalmente dependentes das diferenças biológicas, pelo que a distinção entre ser mulher ou homem, socialmente, é bem mais complexa do que ter óvulos em vez de espermatozóides. Ou penas em vez de pêlos. Quando o Gonçalo pergunta «será que o faz-de-conta é válido para o sexo, mas já não para a idade, a altura e o peso?» comete o equívoco de julgar que o Estado reconhece uma mudança de categoria biológica quando, na verdade, trata-se apenas de uma categoria social. Mais correctamente, do género e não do sexo.

Além disto, o Gonçalo presume também um dualismo de corpo e mente quando critica a determinação da identidade pessoal por «um acto libérrimo de vontade de cada qual». As evidências que temos contradizem este dualismo. Não há um fantasminha transcendente a mexer nos neurónios para manipular o corpo. A nossa identidade de género, aquilo que nos faz sentir homem ou mulher, é determinada pelas nossas hormonas, pelos genitais, e pelo cérebro. Pelo corpo todo, no fundo. Na maior parte das pessoas, os indicadores concordam e é fácil ver que é homem ou mulher. No entanto, noutros casos os indicadores discordam. Para a biologia tanto faz, mas a questão de como uma pessoa se identifica e se apresenta aos outros é mais complexa do que ser XY e ter gâmetas pequenos. Por isso temos de decidir o que é vai contar mais para determinar o género, se os testículos ou o cérebro.

Sendo vice-presidente da Confederação Nacional das Associações de Família e padre católico, suspeito que o Gonçalo prefira a primeira opção. Convém-lhe que a identidade de cada um seja função de indicadores externos para que uma figura de autoridade possa dizer a cada pessoa aquilo que ela é. Simples e fiável. Confiar no cérebro é uma chatice porque passa o problema para o íntimo da pessoa, onde outros não mandam. Se admitimos que alguém se identifique como homem ou mulher por processos que se passem lá dentro em vez de algo que seja óbvio cá fora, só com a desculpa de que é assim que se sente, qualquer dia julgam que podem também ter opiniões acerca das tradições, da religião ou do que lhes dizem ser certo ou errado. Seria uma desgraça.

No entanto, por muito inconveniente que isto seja, o facto é que os testículos e os ovários estão menos habilitados do que os cérebros – do que alguns, pelo menos – para gerir a complexa rede de relações sociais que estrutura o género de cada pessoa. Devemos, portanto, permitir que cada um use o seu cérebro para resolver este problema em vez de engavetar as pessoas pelo que têm entre as pernas. Mesmo correndo o risco das pessoas se habituarem a usar o cérebro.

1- Gonçalo Portocarrero de Almada, Igualdade de género ou falsa identidade. Via Shyz Nogud no Google+
2- Treta da semana: com isso não se brinca!

42 comentários:

  1. O misto de ressabiamento face ao 25 de Abril e à liberdade de identidade andam muitas vezes juntos. E a combinação entre a maneira de estar, a dita chalaça, a piscar o olho à total desconsideração por outras formas de pensar, e o pretenso à vontade de quem não tem papas na língua cheira-me àquele desconfortozinho intolerante que tantas vezes temos de aturar nos nossos familiares mais peripatéticos ao marialvismo trocista e tonto...

    Licenciado em Filosofia? Parece mais licenciado em Trocadilhos de Jardim Escola.

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  2. Isto não é pensar com os testículos, é mais pensar com o intestino e depois, como sabe, só saem pensamentos de mer...!

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  3. Parabéns pelo texto. Não é a insultar que se desmontam argumentos: é assim.

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  4. nos fogos da simplificação Francisco Burnay disse...

    O misto de ressabiamento face ao 25 de Abril e à liberdade de identidade andam muitas vezes juntos. E a combinação entre simples e imbecis dá nisto

    Comportamentos todos podem adquirir, as crias de Krippahl serão provavelmente adeptas dos Grupos Bíblicos Universitários ou de seitas mais elaboradas, assim como a maior parte dos ideólogos marxistas vem de famílias de classe média

    Nenhum comportamento no entanto, ultrapassa as condicionantes biológicas (hormonais, estruturais(ósseas ligações massa muscular distribuição da gordura)etc

    percebido?
    não?
    não faz mal
    já agora se um gajo fica a perder por recomeçar a trabalhar
    que comportamento deve adoptar?

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  5. o que é que é ressabiamento do 25 de Abril?
    aquele que o salgueiro Maia tinha?
    ou o do major Otelo por não ter conseguido ser o coronel kadahfi português?
    ou é o do Mário Sô Ares que se queixava das benesses corporativas de 20 contos

    e que criou um sistema que atribui meio-milhão e mais em indemenidades?

    ressabiados por não poderem falar muito alto porque iam presos
    e agora por só serem processados?

    25 de Abril é o novo 26 de Maio...uma revolta bem sucedida por uma clique militar que baixou os seus proventos em 37 anos
    militarmente um sucesso economicamente para os que a fizeram..tendo em conta as promoções automáticas não foi mau
    (só perderam os capitães que vieram da classe de sargentos, alguns inda chegaram a major)

    há mais liberdade para dormir na rua...sem bater com os costados na Mitra

    um tuberculoso já não tem internamento compulsório

    mas também perdemos o direito de fazer bairros de barracas
    e os bairros sociais estão a ficar velhos

    o sistema judicial tá igual embora mais lento
    as prisões têm a mesma fauna, infelizmente só os políticos deixaram de ser presos...

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  6. e pela conversa de café...os imbecis continuam imbecis

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  7. Qualquer pessoa que conheça minimamente bem o Pe.Gonçalo, como é o meu caso, sabe que seria incapaz de querer isto:

    “Convém-lhe que a identidade de cada um seja função de indicadores externos para que uma figura de autoridade possa dizer a cada pessoa aquilo que ela é. Simples e fiável. Confiar no cérebro é uma chatice porque passa o problema para o íntimo da pessoa, onde outros não mandam. Se admitimos que alguém se identifique como homem ou mulher por processos que se passem lá dentro em vez de algo que seja óbvio cá fora, só com a desculpa de que é assim que se sente, qualquer dia julgam que podem também ter opiniões acerca das tradições, da religião ou do que lhes dizem ser certo ou errado. Seria uma desgraça.”

    Mas o Ludwig leu o texto e conseguiu deslindar todas estas intenções malévolas. Brilhante!

    E assim consegue provar que os padres católicos, mesmo que este texto tenha sido escrito enquanto cidadão e não como padre, são contra o uso do cérebro e o discernimento sobre o certo e o errado. Genial!

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  8. João Silveira,

    Eu não conheço o Gonçalo, nem enquanto padre nem enquanto cidadão. Mas o texto dele é bem explícito. O Gonçalo quer que cada pessoa seja classificada pela sociedade, quanto ao género, de acordo com os órgãos genitais com que nasceu e não de acordo com o que diz o cérebro dessa pessoa.

    Além disso, enquanto padre se bem que talvez não enquanto cidadão, o Gonçalo também é uma putativa autoridade em questões íntimas e pessoais de cada um, como a orientação sexual correcta, quais as circunstâncias em que se deve ter relações sexuais, qual o propósito da vida, qual a melhor postura religiosa e a forma mais correcta de interpretar a religião, e assim por diante.

    Pessoalmente, não duvido que seja boa pessoa. A grande maioria das pessoas são boas, na minha experiência. Mas, institucionalmente e profissionalmente, um das tarefas dele e dos seus colegas é diminuir nas pessoas a capacidade de decidir por si e, em troca, dar-lhes um conjunto de valores pré-fabricados com a desculpa de que vêm directamente do criador do universo, que é o Amor, a Palavra e a Verdade, etc.

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  9. Se bem percebo os argumentos do post, eu, que tenho 72 anos e sou portanto um velho ou, mais delicadamente, um idoso, mas que no meu cérebro me sinto jovem, tenho o direito de ser reconhecido pela sociedade como jovem. Será assim? E pelo Estado? Poderei exigir que no Bilhete de Identidade, que ainda tenho em vez do CU, me identifiquem como jovem?
    Voltando ao argumentário: Não compreendo a diferença entre sexo e género. Pensava, como velho que sou, que para seres sexuados, como os humanos, muitos animais e muitas plantas, o género, expressão gramatical, era condicionado pelo sexo, realidade biológica. Segundo Ludwig, se bem compreendi, pode-se ser do sexo masculino, mas do género feminino e tem-se direito a ser reconhecido como tal pela sociedade. E que significa exactamente o reconhecimento pela sociedade? Que não se discrimine um homem que, por se sentir intimamente mulher, quer ser tratado como mulher? Acho bem. Mas será também que possa exigir que no BI ou no CU seja classificado como mulher? E que num hospital ou numa prisão ou numa competição desportiva seja admitido como mulher? Começa a ser um pouco complicado?

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  10. Freire de Andrade,

    «mas que no meu cérebro me sinto jovem, tenho o direito de ser reconhecido pela sociedade como jovem.»

    Sim. Por exemplo, se quiser andar na rua de calções, tem o direito que não o proíbam alegando já não ter idade para isso.

    «Não compreendo a diferença entre sexo e género.»

    O sexo é uma classificação biológica. O género é uma convenção social, gramatical, etc. Por exemplo, “banca” é do género feminino e “banco” é do género masculino. No entanto, biologicamente, nem os bancos nem a banca têm sexo. Neste contexto, o género é uma convenção gramatical.

    Na sociedade também temos género como convenção social. Por exemplo, é normal, e socialmente aceitável, que as pessoas do género feminino usem batom, sandálias de saltos altos ou mini-saia, mas não é socialmente aceitável que as do género masculino o façam também, em condições normais.

    Muita gente confunde o sexo com o género e julga que há alguma restrição biológica intrínseca à nossa espécie que obriga a que assim seja, que é biologicamente incorrecto que um homem use mini-saia ou uma mulher arrote quando bebe cerveja. Mas é um erro. Esta atribuição destes papéis, do género masculino e feminino, é convencional. Deriva, é certo, de muitos instintos e propensões biológicas, mas nada nos obriga a sermos escravos cegos dessas.

    Portanto, se bem que biologicamente não faça sentido alguém mudar de sexo – ou de idade, já agora – pode fazer todo o sentido questionar as classificações sociais que, por convenção, impomos nas pessoas e permitir, por exemplo, que alguém que está velho possa usar calções e alguém que nasceu com testículos os possa remover, mudar de nome e vestir mini-saia. A biologia não tem nada que se opor a isso, e a sociedade é como quisermos que seja.

    «Pensava […] o género, expressão gramatical, era condicionado pelo sexo, realidade biológica.»

    Espero, no entanto, que apesar da sua idade ainda lhe reste a capacidade de pensar de maneira diferente quando perceber que essa correlação é meramente convencional. Por exemplo, em Inglês e Alemão há três géneros, masculino, feminino e neutro, em Tibetano não há géneros e em Swahili há uma rede complicada de muitos géneros gramaticais e classes de substantivos.

    E o que estamos a discutir aqui nem sequer é o género como categoria gramatical, mas o género como classificação social. Se não exigimos de um prato que tenha testículos para ser masculino, porque é que havemos de proibir alguém que nasceu com ovários de ser tratado como sendo do género masculino?

    «E que significa exactamente o reconhecimento pela sociedade?»

    O nome que se pode ter em documentos oficiais, a roupa que se pode usar em público, e toda a parafernália de espectativas e pressupostos sociais. Temos, essencialmente, duas possibilidades. Uma, a melhor, seria que toda a gente deixasse de discriminar as pessoas pelo seu género, e aí o problema deixava de ser relevante. No entanto, isso é impraticável. A segunda opção é permitir que quem esteja classificado no género errado possa alterar oficialmente essa classificação e ser tratado como se tivesse nascido no género correcto. Essa, pelo menos, é fazível, mesmo que alguns fiquem baralhados com a ideia.

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  11. Ludwig,

    O artigo nem sequer está assinado como padre. A única forma de saberes que o era foi pela fotografia, porque ao contrário de muitos padres, este está bem identificado. Se não existisse fotografia não sabias que era padre, por isso essa especulação sobre a motivação das palavras do autor não existiria.

    É estranho que tu penses que uma das intenções dos padres é diminuir nas pessoas a capacidade de decidir por si. Falo com padres praticamente todos os dias, tenho vários formações na Igreja, estudo o catecismo, e em nenhum lado li nem aprendi que devia deixar de decidir por mim. Antes pelo contrário, foi-me ensinado que sou responsável por todas as decisões que tomo, pelo que as devo fazer minhas, e decidir recorrendo a todo o meu ser.

    Em relação ao artigo propriamente dito, a dúvida do senhor Freire de Andrade é pertinente e não lhe respondeste: se, tendo 72 anos, se sentir muito jovem, mesmo com menos de 35, deve-lhe ser permitido entrar em eventos ou cursos cuja idade máxima é 35 anos? O mesmo se diz para um miudo que tem 16 anos, mas que é maduro para a sua idade, pode-se sentir injustiçado por não o deixarem votar ou tirar a carta? A idade será psicológica, ou a pessoa deve assumir a realidade e a idade que tem na realidade, e não aquela que sente que tem?

    Distingues entre sexo e género, falas até no género neutro em alemão, o que também acontece em latim. Percebo o que é uma palavra neutra, mas o que é uma pessoa neutra? O género associdado às pessoas serve para quê, ao certo? Não deviam ser realistas e perceber que têm o sexo que têm e não é por acaso? Se uma pessoa tem uma disfunção hormonal, seria mais natural tratar dessa disfunção do que andar a cortar o corpo às postas, e a chamar bianca ao carlos. Se não tem sequer disfunção hormonal e um homem se sente uma mulher, parece de mais bom-senso que o problema seja psicológico e não físico. As patetices da ideologia de género estão bem à vista: http://senzapagare.blogspot.com/2011/07/pre-escola-sueca-proibe-que-as-criancas.html

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  12. João Silveira,

    «Se não existisse fotografia não sabias que era padre, por isso essa especulação sobre a motivação das palavras do autor não existiria.»

    Irrelevante, e falso. Falso porque só escrevi que o Gonçalo era padre depois de confirmar pelo Google. Não ia dizer isso só por me parecer na foto. E é irrelevante porque é um facto trivial que quanto menos informação eu tiver sobre algo menos posso afirmar sobre isso. Se ele nem tivesse escrito o texto eu nem escrevia este post. Duh...

    «É estranho que tu penses que uma das intenções dos padres é diminuir nas pessoas a capacidade de decidir por si.»

    Pessoalmente, concordo que não seja essa a intenção explícita. Mas, enquanto profissionais do catolicismo, é claramente essa a sua missão. Toda a instituição católica está virada para decidir pelas pessoas muitos detalhes da sua vida íntima, coisas que devia competir a cada um decidir por si, como a religião, a sexualidade, o sentido da vida, etc.

    «se, tendo 72 anos, se sentir muito jovem, mesmo com menos de 35, deve-lhe ser permitido entrar em eventos ou cursos cuja idade máxima é 35 anos?»

    Depende de se os critérios são biológicos ou de convenção social. Por exemplo, imagina que tu fazes uma operação e és oficialmente reconhecido como mulher. Em todos os aspectos sociais e convencionais de ser mulher eu acho que deves ser aceite como tal. Na roupa, na lei, no nome, etc. Mas se te inscreveres num programa de doação de óvulos ou de fertilização artificial, é razoável que te digam que isso não dá porque não tens nem óvulos nem útero.

    Analogamente, se ao Freire de Andrade disserem que não pode ir a uma festa porque não tem idade para festas, penso que é injusto que seja discriminado quanto à idade por uma mera convenção social. No entanto, se o rejeitarem num curso de pára-quedismo pela probabilidade de partir as pernas, concordo que seja tratado como tratariam uma pessoa de 30 anos com os ossos demasiado frágeis para fazer pára-quedismo. O fundamental é precisamente a distinção entre condicionantes biológicos ou fisiológicos, e meras convenções sociais.

    «Distingues entre sexo e género, falas até no género neutro em alemão, o que também acontece em latim. Percebo o que é uma palavra neutra, mas o que é uma pessoa neutra?»

    Bem, pela pergunta presumo que concordas com a distinção entre sexo e género, certo? Se vamos assumir que é a mesma coisa, então temos de assumir que em latim e alemão as pessoas são biologicamente diferentes por haver também um sexo neutro.

    Há casos em que os bebés nascem com um sexo ambíguo, ou sem genitais, e era costume até recentemente os médicos operarem e decidirem qual iria ser o género da criança. Mas isso nem é importante para esta discussão. O importante é que o género é um conjunto de convenções sociais, e isso tem de ser reconhecido.

    «Se não tem sequer disfunção hormonal e um homem se sente uma mulher, parece de mais bom-senso que o problema seja psicológico e não físico.»

    Os problemas psicológicos são tão físicos como quaisquer outros. Não há lá fantasminha, lembra-te. Se não fosse, não haveria medicação para a depressão ou para estabilizar os esquizofrénicos, por exemplo. Mas, seja como for, o meu ponto é que, se uma pessoa se sente psicologicamente identificada com aquela construção social que designamos género feminimo, não vejo porque será a presença de testículos a impedir que essa pessoa viva enquadrada nesse papel social.

    Quanto à estupidez, não é só na suécia. A minha filha mais nova nasceu em julho. Uma vez estava vestida de azul e uma vizinha disse que não podia ser, que era menina e tinha de estar de cor-de-rosa. Parece-me mais estúpido fazer distinções destas em crianças tão novas do que tratá-las todas como crianças em vez de estereotipar já a forma como brincam, como são rotuladas, etc.

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  13. O meu desconforto com esta medida está precisamente aqui:

    «Temos, essencialmente, duas possibilidades. Uma, a melhor, seria que toda a gente deixasse de discriminar as pessoas pelo seu género, e aí o problema deixava de ser relevante. No entanto, isso é impraticável. A segunda opção é permitir que quem esteja classificado no género errado possa alterar oficialmente essa classificação e ser tratado como se tivesse nascido no género correcto. Essa, pelo menos, é fazível, mesmo que alguns fiquem baralhados com a ideia.»

    Esta medida parece legitimar a descriminação pelo género, colocando mais longe a «solução ideal» que é tratarmos as pessoas como pessoas.

    Ou bem que fazemos algumas distinções - como no desporto, etc.. - tendo em conta certos aspectos biológicos, e aí a lei não fará diferença; ou bem que no que diz respeito a outras convenções sociais, e aí nenhuma lei deveria fazer diferença, porque a lei tem de ser igual para todos.

    O problema é que o conceito de «género» como distinto de «sexo» é útil do ponto de vista descritivo, para compreender e analisar a realidade. Mas não gosto que seja legitimado do ponto de vista «normativo», como que a lei consagre tal convenção arbitrária.

    Posto isto, há uma excepção que me ocorre, e essa excepção é a linguagem. A tal questão gramatical a que deram tanto relevo.
    Se um homem (do ponto de vista biológico) se quer chamar «Joana» e ser tratado nos documentos oficiais como uma «Joana», deve ser tão livre como de alterar o seu nome para «Pedro»; e depois toda a linguagem associada nos documentos oficiais se deve ajustar (não é «sr Joana», mas sim «sra Joana»).
    Se a lei se limita a isto, parece-me aceitável. É uma coisa que facilita a vida às pessoas interessadas, sem atrapalhar as outras.

    Mas mais que isto passa a fronteira de existir um reconhecimento de convenções sociais discriminatórias na lei, e eu sou contra. A lei deve ser cega, tanto ao sexo como ao género.

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  14. João Vasco,

    «Esta medida parece legitimar a descriminação pelo género, colocando mais longe a «solução ideal» que é tratarmos as pessoas como pessoas.»

    Essa solução é ideal, mas não é ideal que seja imposta. No caso de uma pessoa discriminar outra pelo género, até posso admitir que, em certos casos, se intervenha para punir essa discriminação. Mas apenas em certos casos e não em geral. E além de termos de admitir como um direito de cada um discriminar os outros em relação ao género (ou ao sexo) em certas condições, temos certamente de admitir que a pessoa tem o direito de se discriminar a si própria segundo estes critérios. Uma pessoa tem o direito de ser do género masculino ou feminino e não é legítimo impedí-la de fazer essa distinção, certamente não em relação a si própria.

    Portanto, esta medida não só reconhece não ser prático eliminar toda a discriminação de género, como também reconhece não ser legítimo fazê-lo em todos os casos, e, em particular, no que toca à imagem que a pessoa tem de si mesma.

    Era bom que a sociedade tratasse o sexo e o género como trata a cor dos olhos. Não era nada bom, no entanto, que a sociedade tomasse medidas para obrigar as pessoas a tratar o sexo e o género como tratam a cor dos olhos. Por isso, se bem que o estado final não seja o ideal, esta medida parece-me ser a melhor daquelas que é legítimo à sociedade tomar.

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  15. Ludwig:

    Há aqui uma confusão. Eu não defendo que se proíba a descriminação que uns fazem face aos outros em função do género, sexo, idade, etc..

    Defendo que a lei não possa fazer tal discriminação. E por essa razão uma lei que permite a alguém definir o género seria admitir que a lei (a lei!) pudesse descriminar consoante o género, porque o outro tipo de descriminações não é determinado por lei...

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  16. Ludwig,

    “Toda a instituição católica está virada para decidir pelas pessoas muitos detalhes da sua vida íntima, coisas que devia competir a cada um decidir por si, como a religião, a sexualidade, o sentido da vida, etc.”

    Mas lá por eu concordar com a Igreja nesses pontos quer dizer que não penso por mim? Quer dizer que não usei a minha razão para tentar perceber se isso é verdade ou mentira? É engraçada a noção que os que pensam por si têm sempre que discordar dos outros.

    No caso do senhor de idade que quer fazer para-quedismo, defendes então que em vez da idade, se façam testes prévios para ver se a pessoa está apta ou não. Assim, por um lado não é possível que um inapto novo salte, e por outro, qualquer apto velho o pode fazer. Aliás, isso deveria acontecer para todos os sítios onde a idade importe: para tirar a carta, para beber alcool, para se ser jovem agricultor (estes já esticam um bocado a corda), para ir numa viagem reservadas a menores de 30 anos, etc...

    Se existem duas idades: a biologica, que a pessoa realmente tem, e a outra que pensa que tem, então esta é a verdadeira, e a data de nascimento não serve para nada, só assim se pode acabar com a discriminação.

    Segundo a tua ideologia de género, não faz sentido que uma criança (rapaz) seja tratado como um rapaz desde que nasce, porque pode estar a ser formatado para ser rapaz. Como disse a Simone de Beauvoir: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”.

    Por isso, a pessoa deve ter uma educação “neutra”, como fazem nesse infantário na suécia, até que decida o que quer ser. Isto implica nunca brincar com carros (ou bonecas), jogar futebol, ou até ter um nome de rapaz.

    A separação entre sexo e género, faz com que a pessoa possa decidir sobre uma coisa que a realidade já lhe impõe. É absurdo eu estar perante um homem, e que insista que eu lhe chame carla, porque se sente mulher. Percebo que dê imenso jeito para entrar em discotecas ou até ir aos balneários femininos, mas é uma mentira, ele é um homem.

    Se os problemas psicológicos são tão físicos como qualquer outros, então como é que a psicologia cura sem medicamentos? Se o problema for hormonal, então mais facilmente se corrige isso, do que se retalha um corpo. Se o homem se sente mulher, devia olhar para os testículos e pensar: “se calhar sou mesmo homem”. Se não conseguir atingir esta dose de realismo deve ser ajudado, por terapia.

    Lembro-me perfeitamente dum boicote feito ao filme Avatar, por uns grupos de ideologistas de género, revoltados porque diziam que o futuro não ia ser homem e mulher, ia ser transgenero. Pode ser um exagero, mas é exactamente um dos perigos destas confusões de género que defendes.

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  17. João Silveira,

    «Mas lá por eu concordar com a Igreja nesses pontos quer dizer que não penso por mim?»

    Não. Podes chegar lá pensando por ti. No entanto, a atitude da tua igreja não é dizer “cada um que pense por si, e logo se vê se concordam ou não connosco”. É dizer para criar os filhos de acordo com aqueles ensinamentos, que o líder dessa igreja é infalível em certos assuntos, que se deve ouvir, crer e ser fiel à alegada palavra do criador do universo, como transmitida pela igreja. É que os valores morais são nos ditados por esse criador do universo e é essa igreja que sabe quais eles são, etc.

    «Quer dizer que não usei a minha razão para tentar perceber se isso é verdade ou mentira?»

    Tu acreditas que Jesus ressuscitou e que o corpo de Maria ascendeu ao céu? Como é que determinaste que isso era verdade? Eu proponho que simplesmente acreditaste que era, visto dificilmente poderes reunir provas concretas que justifiquem essas conclusões.

    «defendes então que em vez da idade, se façam testes prévios para ver se a pessoa está apta ou não.»

    Defendo que é errado discriminar alguém só por causa da idade. Se fazem testes ou não é uma questão prática de implementação. E depende da situação. Por exemplo, se for só questão de esperar uns anos, como só tirar a carta aos 18, então é pouco grave. Se for algo com efeitos permanentes, como o aborto enquanto é muito jovem, então sou contra.

    «Segundo a tua ideologia de género, não faz sentido que uma criança (rapaz) seja tratado como um rapaz desde que nasce»

    Segundo a minha experiência de pai, não faz sentido tratar um recém nascido como rapaz ou rapariga, excepto talvez quando se muda a fralda. Nas raparigas é preciso mais cuidado com a direcção em que se passa o toalhete e não adianta muito pôr a fralda nova por baixo antes de tirar a usada porque se urinarem escorre tudo por todo o lado em vez de ir direitinho para a frente. Mas, de resto, vestidinhos, saias, azul ou cor-de-rosa e afins é tudo treta nessa idade.

    «Por isso, a pessoa deve ter uma educação “neutra”, como fazem nesse infantário na suécia, até que decida o que quer ser.»

    Não. Não defendo como norma que assim seja. Só apontei que não é mais idiota tratar os bebés como sexualmente neutros do que é estipular que as meninas têm de andar de cor-de-rosa e os meninos de azul. Entre as duas, até me parece a segunda mais difícil de justificar. Porque, excepto no que toca a alguns pormenores de higiene, um recém nascido é sexualmente neutro.

    «A separação entre sexo e género, faz com que a pessoa possa decidir sobre uma coisa que a realidade já lhe impõe.»

    A “realidade” impõe coisas como testículos e vaginas. O resto, da mini-saia ao fraque e batom, é invenção nossa.

    «Se os problemas psicológicos são tão físicos como qualquer outros, então como é que a psicologia cura sem medicamentos?»

    Porque muitos problemas físicos se curam sem medicamentos. Bem lixados estávamos se não fosse assim...

    «Se o homem se sente mulher, devia olhar para os testículos e pensar: “se calhar sou mesmo homem”.»

    O título do meu post foi precisamente a pensar nessa forma de ver o problema :)

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  18. Ludwig,

    Se acredito que “Jesus ressuscitou e que o corpo de Maria ascendeu ao céu” é porque, apesar de serem eventos extraordinários, me parece mais provável que tenham acontecido do que o contrário. Mesmo assim não se acredita em tudo duma vez, assunção de Maria só faz sentido se Cristo ressuscitou. Existe uma “hierarquia de verdades”.

    Discordo que separar as pessoas por idades seja discriminar, é apenas assumir como que aquele determinado acontecimento é dirigido para pessoas mais novas ou mais velhas. Um rapaz de 15 anos não é discriminado (no mau sentido) por não poder comprar alcool, simplesmente o Estado considera que é bom para o bem-comum que os mais jovens não consumam alcool. Se cada uma destas regras é discriminar, então espera-nos a anarquia, onde supostamente ninguém é discriminado.

    Claro que o facto do bebe usar azul ou cor de rosa é uma convenção social. Mas quando começa a crescer, comprares carrinhos ou bonecas ao teu filho também é uma convenção social, como defendem estes ideologos? Ou haverá uma razão para isso acontecer, e que os rapazes têm maior propensão para o futebol e o rugby do que as raparigas? Achas que a pessoa é livre para decidir o seu “género” se desde criança o convecem que é um rapaz, se tem nome de rapaz, se tem brincadeiras de rapazes, se poderá estar numa escola de rapazes, etc...?

    E as casas-de-banho e os balneários deveriam estar separadas por sexo ou por género? E toda a separação, como por exemplo nos desportos, deveria ser por género? Dizes que se eu for um homem, e me sentir uma mulher, devo ser tratado como mulher, mesmo se continuar com toda a “genitália”?

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  19. João Silveira:

    «Ou haverá uma razão para isso acontecer, e que os rapazes têm maior propensão para o futebol e o rugby do que as raparigas?»

    Eu acredito que podem existir (provavelmente existem) razões biológicas para que essas propensões existam, que elas não resultam apenas de convenções sociais (embora possam por elas ser amplificadas).

    Notar que isto ocorre não tem nada de errado, é olhar para a realidade e ser capaz de identificar padrões, é conhecer melhor a realidade.

    O que é errado é confundir o descritivo com o normativo. Se um rapaz não gosta de futebol, isso não tem nada de errado. Se prefere bonecas, óptimo para ele.

    Quando é a sociedade que o faz livremente, eu acho mal, mas não creio que isso deva ser ilegal. O meu objectivo é tentar persuadir as pessoas, através da palavra e da reflexão, para olharem com olhar crítico para o que merece ser criticado ao invés de condenar preferências e gostos perfeitamente legítimos.

    Mas a lei não deve poder fazê-lo, de todo. A lei não deve poder discriminar, a não ser em casos muito específicos. Deve ser cega ao sexo sempre que possível. Deve ser sempre cega ao género.

    Mas se esta lei passar, quais serão as consequências práticas?

    São as mesmas que as de uma mudança de nome? Só passa a mudar o tratamento nos documentos oficiais?

    Se for esse o caso, vejo benefícios na lei e não vejo quaisquer prejuízos. Mas pela conversa parece que os efeitos da lei são mais abrangentes. O que é que vai mudar ao certo?

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  20. João Silveira,

    «Se acredito que “Jesus ressuscitou e que o corpo de Maria ascendeu ao céu” é porque, apesar de serem eventos extraordinários, me parece mais provável que tenham acontecido do que o contrário.»

    Porreiro. Vamos então considerar o caso geral de decidir se aceitamos a alegação de que certa pessoas ressuscitou e outra ascendeu corporalmente ao céu. Quais são as evidências que, para ti, é necessário e suficiente obter para considerar estas alegações verdadeiras?

    «Mas quando começa a crescer, comprares carrinhos ou bonecas ao teu filho também é uma convenção social, como defendem estes ideologos?»

    Sim. Com cerca de 3 anos um dos meus filhos viu uma barbie noiva no supermercado e disse-nos que queria mesmo levá-la. Como eles nunca pedem brinquedos, vimos que foi uma paixão excepcional e lá comprámos a boneca para ele. Dissemos também ao irmão para escolher um boneco (são gémeos), e ele levou um robot monstro qualquer a quem saltava a cara quando se carregava num botão. E nenhum dos dois gosta, nem gostou, de brincar com carrinhos, se bem que agora com 10 anos tenham já consciência do que é apropriado para o seu sexo.

    «Achas que a pessoa é livre para decidir o seu “género” se desde criança o convecem que é um rapaz, se tem nome de rapaz, se tem brincadeiras de rapazes, se poderá estar numa escola de rapazes, etc...?»

    Eu acho que uma pessoa não é livre de decidir o seu género. Eu acho que é determinado biologicamente. Eu, pelo menos, nunca senti que estar mais confortável no papel de rapaz e homem fosse uma opção. Sempre fui assim. O meu ponto é que a determinação biológica disto não é apenas ao nível dos testículos. Estes papeis sociais estão bastante ligados como o sexo mas operam a níveis muito mais complexos do que o do pénis e da vagina, e são determinados principalmente pelo cérebro. Normalmente, um cérebro masculino está correlacionado com genitais masculinos, e o mesmo para os femininos. Mas nem sempre é esse o caso e, quando discordam, eu proponho que se siga o cérebro em vez dos genitais.

    «E as casas-de-banho e os balneários deveriam estar separadas por sexo ou por género?»

    Penso que devem estar separadas conforme dá mais jeito fazer de pé ou sentado, pelo tipo de loiça que instalam, mas de resto acho uma tristeza o desperdício de espaço e recursos só para evitar que alguém do sexo errado veja certas partes do corpo.

    «E toda a separação, como por exemplo nos desportos, deveria ser por género?»

    Não. No desporto pode fazer sentido segregar por critérios biológicos objectivos, como peso, idade e sexo, em vez de critérios sociais arbitrários.

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  21. João Vasco,

    Eu acho que há uma situação importante que estás a ignorar. Imagina que o Carlos trabalha num banco e vai sempre impecavelmente vestido. Com batom, saia justa, salto alto, collants, etc. E acaba por ser despedido porque o gerente diz que é uma pouca-vergonha e a lei dá-lhe razão, pois é contrário às expectativas sociais que um homem ande assim vestido.

    Eu concordo que a melhor solução seria reeducar toda a gente para se deixar dessas esquisitices e aceitar que o Carlos se vista como achar melhor, desde que esteja asseado e apresentável. Mas, sendo isso obviamente pouco prático, a melhor maneira é a lei permitir que o Carlos se mude para Carla. Demonstra que está melhor no outro género, faz as operações que precisar e, para todos os efeitos, ninguém no banco para onde ele, ela, for trabalhar precisa sequer saber que alguma vez foi homem. Não é a solução perfeita mas, das soluções imperfeitas, parece-me a melhorzita.

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  22. João Vasco e Ludwig,
    Também me parece que existem razões biológicas para que as coisas assim sejam. Aliás, duvido que este tipo de “convenções sociais” nasçam do nada e sem razão de ser. Por isso antes de pôr em causa estas convenções deve-se pensar a fundo se fazem sentido ou não e porquê. Muitas que existiram e acabaram não faziam sentido, outras fariam e acabaram à mesma.
    Não defendo que seja ilegal um homem andar vestido de mulher no dia-a-dia, defendo que o Estado não deve alimentar esse comportamento, porque não é bom para o funcionamento da sociedade. As vontades dum indivíduo nunca se devem sobrepor às do resto das pessoas, e a distinção entre homem e mulher sempre foi uma coisa importantíssima, porque somos diferentes. Quer se queira quer não, um homem e uma mulher são diferentes, generalizando pensam de maneira diferente, agem de maneira diferente, daí que facilmente um faça caricaturas do outro: o homem é o que fica a ver futebol, a mulher passa horas de loja em loja. Isto quer dizer que o homem que não gosta de futebol não é homem, ou que uma mulher não pode gostar de futebol? Não, mas normalmente um homem gosta mais de futebol do que uma mulher, e esta gosta mais de roupa.

    Mas isto são gostos. O ser homem ou ser mulher vai mais além do que isto, é genético. Eu não sou homem porque me sinto homem, sou homem porque realmente sou homem, faz parte do meu DNA e corpo é uma prova disso. Se não me sinto homem, então tenho um problema, que devo tentar perceber e resolver, para que me sinta homem, ou mesmo que não sinta, que viva com isso, porque é a realidade. Eu não sou o que sinto que sou, sou o que sou. Senão voltamos ao Pe.Gonçalo, sinto que sou uma cegonha, e sou uma cegonha, vou fazer as operações necessárias para ser o mais cegonha possível, porque sou uma cegonha aprisionada no corpo dum homem.

    Eu tenho o direito de estar num balneário só de homens. Quem não se importa de estar com mulheres que esteja, desejo-lhe muita felicidade. E não me podem impor que esteja num balneário com mulheres, que dizem ser homens, só porque se sentem homens. A separação dos sexos vai muito além da questão da loiça sanitária, é uma questão de privacidade, dentro do possível.

    É realmente uma convenção que um homem se apresente no trabalho de fato e gravata e a mulher de fato (de mulher). Mas esta convenção faz sentido, ajuda-nos a saber com quem estamos a tratar, mais uma vez dentro do possível. Se estou perante um homem de barba com um vestido, não sei sequer se lhe devo chamar senhor ou senhora. Não me venham dizer que isto tudo é indiferente, e a sociedade completamente desregrada ou sem convenções é melhor do que esta.

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  23. João Silveira,

    «O ser homem ou ser mulher vai mais além do que isto, é genético. […] Eu tenho o direito de estar num balneário só de homens.»

    Considera o seguinte argumento, hipotético mas com alguma relevância histórica: a cor da pele é genética, e eu tenho o direito de estar num balneário só com pessoas com a minha cor de pele.

    O que achas deste argumento? Tenho mesmo este direito por a cor da pele ser genética?

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  24. «Por isso antes de pôr em causa estas convenções deve-se pensar a fundo se fazem sentido ou não e porquê.»

    Como qualquer convenção.

    A história mostra-nos como tantas vezes foi um equívoco (ou do interesse de um grupo que queria manter um controlo ilegítimo sobre outro) manter convenções ou preconceitos passados.

    A este respeito são ilustrativos os obstáculos enormes no caminho das sufragistas.


    «Não defendo que seja ilegal um homem andar vestido de mulher no dia-a-dia, defendo que o Estado não deve alimentar esse comportamento, porque não é bom para o funcionamento da sociedade»

    Não deve alimentar, nem inibir.
    E não deve inibir precisamente porque é falso o que dizes sobre «não ser bom para o funcionamento da sociedade».
    A sociedade funciona melhor se as pessoas se preocuparem com os comportamentos que realmente prejudicam terceiros, mas não com coisas vãs como «quem veste o quê».
    Se cada um se vestir como quiser e os outros não perderem tempo a julgar o vestuário alheio, a sociedade «funciona» melhor. E o estado deve é ficar fora dessa equação.


    «As vontades dum indivíduo nunca se devem sobrepor às do resto das pessoas,»

    Depende. Por exemplo, se eu e uma mulher nos quisermos casar, e as restantes pessoas estiverem contra, é a nossa vontade que se deve sobrepor.

    Porque o prejuízo que causa a um homem e mulher não poderem casar com quem querem é muito superior ao prejuízo que lhes causa não poderem impedir um casal de se casar.

    Por oposição, o prejuízo que causa a um indivíduo não poder furtar é muito inferior ao prejuízo que causaria à generalidade das pessoas não ter a garantia de que quem furta será punido se apanhado.

    É este o critério que deve ser seguido. E a situação parece mais próxima do exemplo do casamento que da do furto...



    «Se não me sinto homem, então tenho um problema, que devo tentar perceber e resolver, para que me sinta homem, ou mesmo que não sinta, que viva com isso, porque é a realidade.»

    Quem tem cabelo liso, tem cabelo liso.

    Mas se prefere te-lo encaracolado, não vejo que seja objectável impedi-lo de o encaracolar.

    Se a pessoa quiser aprender a gostar de cabelo liso, óptimo. Se quiser encaracolá-lo, é problema seu.

    Isso é um «problema» a resolver apenas se existir algum prejuízo real.

    Se a pessoa é feliz de cabelo encaracolado, ou com vestidos de mulher, deixa de existir «problema».


    «e a sociedade completamente desregrada ou sem convenções é melhor do que esta.»

    Há convenções úteis.

    Mas há muitas inúteis e prejudiciais. A sociedade do século XVIII tinha bem mais convenções e era bem pior..

    Aliás, na Índia temos o sistema de Castas, que enfim...

    Se as convenções são um obstáculo no caminho da felicidade das pessoas, sem prestarem uma ajuda que o justifique, devem ser eliminadas.

    Tal como seria errado ver de forma crítica uma mulher que tenha interesse por desporto, é errado impedir o «Carlos» de mudar o nome para «Sofia».

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  25. Ludwig,

    Para mim é complicado avaliar as questões relativas aos despedimentos em empresas.

    Por um lado, no mundo ideal o estado não se deveria meter em quem um empresário contrata ou despede. Ele que usasse os critérios que quisesse, discriminatórios ou não, num contexto de total liberdade contratual.

    No mundo real sabemos bem que não pode ser assim. As experiências que economistas têm feito* mostram as consequências desastrosas de ter esta abordagem em relação a estes problemas complexos.

    Perante esta situação cinzenta, fico na dúvida. Mas enfim, parece-me que dás um bom exemplo de outra situação em que esta lei pode ser útil. Nesse caso ela será mais intrusiva em relação às liberdades das pessoas, mas apenas na medida em que o são as leis contrárias à discriminação profissional, uma imposição infelizmente necessária.

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  26. *«Em 2004, Marianne Bertrand e Sendhil Mullainathan levantaram um pouco o véu sobre esta questão, conduzindo uma experiência de campo. Marianne e Sendhil enviaram mais de 5000 currículos vitae falsos como resposta a 1300 anúncios de emprego. A alguns currículos deram nomes tipicamente “brancos”, como Emily e Greg, enquanto os outros ficavam com nomes tipicamente “negros”, como Jamal ou Lakisha. Sem surpresa, concluíram que um candidato negro com exactamente as mesmas qualificações profissionais e académicas que um branco tem muito mais dificuldades em encontrar emprego. Verificaram também que quanto mais qualificada a profissão a concurso maior a discriminação.

    Os professores Roland Fryer, Jacob Goeree e Charles Holt levaram a cabo um jogo que ilustra as causas e consequências de tais injustiças. Repartiram os alunos entre empregadores, trabalhadores verdes e trabalhadores roxos. Cada trabalhador começa cada round com um nível de educação zero e tem a opção de comprar, ou não, educação. Os custos dessa compra variam de trabalhador para trabalhador e de forma aleatória. De seguida, cada trabalhador faz rolar dois dados de seis faces. Com base nos dados, é-lhe atribuída uma classificação. Quem tiver adquirido educação tem 25% de hipóteses de ter nota alta, 50% de ter nota intermédia e 25% de ter nota baixa. Para quem não investiu, as probabilidades são de 3, 28 e 69%, respectivamente. Finalmente, o empregador decide se contrata o trabalhador ou não. No entanto, apenas observa duas variáveis: a cor do trabalhador e o resultado do teste. O empregador ganha dinheiro se contratar alguém com educação e perde se contratar alguém sem educação. O procedimento é repetido 20 vezes. A única constante ao longo dos 20 rounds é a cor de cada trabalhador.

    Numa dessas experiências, por mero acaso, os custos do investimento em educação foram maiores para os trabalhadores roxos nos três primeiros rounds. Esses custos acrescidos induziram estes trabalhadores a investir menos. A partir do quarto round, os empregadores deixaram de contratar trabalhadores roxos, enquanto os trabalhadores verdes eram quase sempre contratados. De nada servia aos roxos investirem em educação. Eram pura e simplesmente rejeitados. No fim do jogo, os ânimos estavam exaltados. Os roxos queixavam-se de discriminação. Os empregadores acusavam os trabalhadores roxos de serem de pouca confiança e de não investirem em educação. Um dos roxos retorquiu que deixou de gastar dinheiro a adquiri-la, porque raramente era contratado.

    Ou seja, num ambiente absolutamente controlado, em que verdes e roxos partiram em igualdade e em que no início de cada round todos voltavam a estar nas mesmas circunstâncias, rapidamente se criou uma sociedade segregacionista com trabalhadores verdes educados e a trabalhar e com trabalhadores roxos, sem instrução, revoltados e desempregados.

    Se isto acontece neste ambiente, imagine-se a realidade, com condições desiguais causadas por séculos de História de discriminação racial. É um ciclo vicioso da baixa instrução, baixos salários, elevado desemprego e alta criminalidade. A vitória de Barack Obama é notável e é uma estultícia desvalorizá-la. Felizmente que os americanos perceberam isso e não desperdiçaram a oportunidade de fazer História, dando um passo para uma América pós-racial.»

    Mais aqui:
    http://aguiarconraria.blogsome.com/2008/11/14/uma-lanca-na-america/

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  27. ó Jão desquitaste-te da tua namorada ou isto são os preliminares pré-coitais?

    Mais aqui:
    http://aguiar con raria.blogsome.com/2008/11/14/uma-lanca-na-america....

    entendido...

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  28. João Vasco,

    «Por um lado, no mundo ideal o estado não se deveria meter em quem um empresário contrata ou despede. […] No mundo real sabemos bem que não pode ser assim»

    Eu proponho uma distinção diferente, que me parece mais razoável.

    O que tu combinas com outras pessoas a título privado é contigo. Quem convidas para tua casa, a quem dás de jantar, a quem pedes favores, etc. Nesse contexto podes discriminar as pessoas pelos critérios que quiseres e o Estado não de deve intrometer.

    Mas se queres contratar alguém prometendo pagar o seu trabalho usando uma moeda que o Estado obriga a ser aceite para trocas e usando o sistema jurídico para dar credibilidade às tuas promessas contratuais, por te obrigar a cumprir o que prometes, então parece-me legítimo que o Estado – i.e. nós todos – possa dizer em que circunstâncias é que te podes servir dessa infraestrutura. E, nesse caso, é perfeitamente legítimo proibir-te de fazer contractos se discriminas as pessoas quanto à cor ou religião, ou de teres uma loja aberta ao comércio, com protecção jurídica contra quem te tente roubar e usufruindo do sistema financeiro do Estado se recusas a entrada a pessoas pela cor, sexo ou religião.

    A distinção não é entre o ideal e o real, mas entre relações privadas e relações que dependem de infraestruturas para as quais todos contribuímos, como o Euro, o sistema judicial, a polícia, etc.

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  29. Ludwig:

    «A distinção não é entre o ideal e o real, mas entre relações privadas e relações que dependem de infraestruturas para as quais todos contribuímos, como o Euro, o sistema judicial, a polícia, etc. »


    Em princípio essa parece ser uma distinção lógica. Mas o pior é que muitas relações privadas dependem dessa infraestrutura.
    Por exemplo, quando te casas, estabeleces um contrato, o qual vai depender do sistema judicial.
    E quando contratas uma empregada doméstica, sabe-se lá que critérios vais usar.
    E se eu quiser formar uma pequena empresa, posso (quem sabe) preferir contratar amigos, com os quais trabalho com mais prazer e nos quais tenho elevada confiança, do que desconhecidos com currículo superior.
    Em todos estes casos posso estar a depender da infraestrutura pública.

    Eu concordo que esse é um ponto importante para justificar a intromissão no caso de grandes empresas, mas parece-me que num mundo ideal não seria necessário condenar políticas discriminatórias em empresas ou associações, porque os discriminados continuariam com enorme liberdade de opções, e o comportamento dos discriminadores dificilmente seria reproduzido de forma a tirar liberdade aos sectores discriminados.

    Mas estamos longe desse mundo.

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  30. João Vasco,

    «o pior é que muitas relações privadas dependem dessa infraestrutura. Por exemplo, quando te casas, estabeleces um contrato, o qual vai depender do sistema judicial.»

    Não é a relação privada que depende da infraestrutura, pelo menos se o Estado estiver a funcionar bem. São apenas alguns aspectos da relação que, se contratualmente estabelecido, as partes podem tornar público para reivindicar.

    Por exemplo, supõe que te casas e comprometes-te a contribuir para a alimentação dos filhos e viver como muçulmano. Se mudares de ideias, a outra parte pode tornar pública a tua falta ao compromisso de contribuir para os filhos e recorrer ao tribunal para que te obrigue a dar dinheiro. Mas acerca das tuas opções religiosas o tribunal não vai fazer nada, e também não fará nada se mantiverem essas divergências estritamente no foro privado.

    O problema surgiria se o tribunal proibisse as pessoas de viver juntas sem terem o contracto ou se fiscalizasse estas coisas mesmo sem o pedido das partes envolvidas. Aí concordava que havia uma ingerência indevida do Estado na vida das pessoas.

    «num mundo ideal não seria necessário condenar políticas discriminatórias»

    Num mundo ideal, por definição, não seria necessário coisa nenhuma, porque se fosse necessário fazer alguma coisa o mundo já não seria o ideal :)

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  31. Quanto ao «mundo ideal» referia-me apenas a um mundo onde certos grupos não estivessem estado sujeitos a um historial de discriminação tão sério, que agora se colocam os problemas descritos na investigação sobre os «verdes» e «violetas».

    Para uma série de categorias, o nosso mundo é ideal nesse sentido. Ter sardas ou não ter sardas, usar óculos ou não usar óculos, etc.. Para todas estas categorias é perfeitamente desnecessário verificar se existe discriminação ou não. Se um indivíduo com sardas não pode trabalhar na mercearia da esquina porque o dono não lida bem com as sardas, terá muitos outros locais onde trabalhar. Nesse caso seria mais invasivo das liberdades obrigar o dono a contratá-lo.
    Quem dera que fosse assim em relação à cor da pele, sexo, etc, mas não é. Nesse caso é mais invasivo permitir manter uma situação em que uma pessoa por causa de um aspecto genético que não escolheu, tenha muito menos oportunidades, visto que não é apenas essa mercearia, mas toda uma rede, que enclausura a situação a um ponto que até pode tornar a discriminação racional - como aconteceu na experiência dos verdes e violetas, em que às tantas as pessoas da cor discriminada irracionalmente ao início já investiam menos em educação (resposta racional), e depois se tornava racional evitar essa cor (resposta racional), num ciclo retroactivo do qual era difícil fugir.

    Quanto ao casamento, eu falei em casamento e não em coabitação.
    O casamento é um contrato, e depende do estado da mesma forma que um contrato de trabalho - o sistema judicial pronuncia-se sobre o seu cumprimento se for chamado a fazê-lo.

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  32. João Vasco,

    «O casamento é um contrato, e depende do estado da mesma forma que um contrato de trabalho - o sistema judicial pronuncia-se sobre o seu cumprimento se for chamado a fazê-lo. »

    Nesse sentido do termo, “casamento” não se refere a uma relação privada mas sim a um contracto público.

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  33. Precisamente.

    E mesmo nesse caso seria absurdo que o estado te impedisse de discriminar.

    Daí parecer-me que as coisas não são simples neste caso:

    «Por exemplo, quando te casas, estabeleces um contrato, o qual vai depender do sistema judicial.
    E quando contratas uma empregada doméstica, sabe-se lá que critérios vais usar.
    E se eu quiser formar uma pequena empresa, posso (quem sabe) preferir contratar amigos, com os quais trabalho com mais prazer e nos quais tenho elevada confiança, do que desconhecidos com currículo superior.
    Em todos estes casos posso estar a depender da infraestrutura pública.»

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  34. João Vasco,

    Há vários factores a considerar. Por exemplo, num contrato de trabalho podemos exigir que quem compra o trabalho de outrem não possa discriminar em relação a sexo, raça ou religião, mas que quem vende o seu trabalho pode discriminar como quiser. Alguém que procura emprego pode decidir não responder a um anúncio porque não gosta da religião ou da cor da pele do dono da firma. Se for com laranjas, podemos decidir fazer ao contrário, e quem vende laranjas na sua loja tem de as vender sem discriminar, mas quem quer comprar laranjas é livre de não as comprar na loja do muçulmano ou do católico.

    O meu ponto não é que tenhamos de proibir a discriminação em todos os casos. Às vezes vale a pena, outras vezes não. O meu ponto é apenas que um contrato de trabalho, o que se vende numa loja e até o contrato de casamento são compromissos públicos assentes numa infraestrutura que a sociedade mantém, pelo que não se pode invocar que o Estado tem de ficar de fora por ser algo estritamente privado. Não quer dizer que não haja outras objecções válidas contra algumas medidas que o Estado possa tomar. Por exemplo, proibir as pessoas de discriminar as lojas onde vão comprar coisas é muito difícil de implementar, muito restritivo e parece ter poucos benefícios. Por outro lado, proibir os donos de lojas de discriminar os clientes quanto a religião ou cor da pele parece uma medida positiva, que permite mais liberdades do que aquelas que retira, e que não se pode objectar com a desculpa de se tratar de uma interacção privada.

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  35. Ludwig,

    Considerei esse argumento, e não se aplica. Existe diferença genética em relação à cor da pele, como existe em relação a cor do olhos, ou à altura. A diferença genética entre um homem e uma mulher é de outra ordem: http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=654483. Não faz sentido que uma mulher se sinta discriminada por não poder entrar num balneário de homens, se tem o seu próprio balneário. Vês muitas queixas dessas? No entanto, se existisse uma divisão de balneários baseada em cor da pele, como se não fossemos todos homens ou todos mulheres, seria claramente uma separação sem sentido.

    João Vasco,

    Eu disse que existiam convenções em tempos que hoje em dia não se aplicam, e ainda bem. Mas o caso do sufrágio não é desculpa para tudo: “ah antigamente os autocarros também eram divididos por raças, por isso hoje em dia nenhuma regra faz sentido.”

    “E não deve inibir precisamente porque é falso o que dizes sobre «não ser bom para o funcionamento da sociedade».”

    Tens que demonstrar que a sociedade não funciona melhor quando os homens se vestem de maneira distinta às mulheres. E que faz todo um sentido que um homem se maquie e que a mulher deixe crescer o buço.

    “Depende. Por exemplo, se eu e uma mulher nos quisermos casar, e as restantes pessoas estiverem contra, é a nossa vontade que se deve sobrepor.”

    Se tu e uma mulher se quiserem casar, mas já estiverem casados, faz todo o sentido que sejam impedidos de casar enquanto não se divorciarem (no registo civil claro está). Fazer-vos a vontade custaria muito caro à credibilidade do casamento, e portanto ao bem-comum.

    Ter corpo de homem e achar que se é mulher, é um bocadinho diferente de ter o cabelo liso e encaracolar, não concordas? Conheço um bom artigo escrito sobre esse tipo de mudanças: http://www.ncbcenter.org/NetCommunity/Document.Doc?id=99. Escrevo aqui um pequeno resumo:

    Is it ethical to perform a surgery whose purpose is to make a male look like a female or a female to appear male? Is it medically appropriate? Sexual reassignment surgery (SRS) violates basic medical and ethical principles and is therefore not ethically or medically appropriate. (1) SRS mutilates a healthy, non-diseased body. To perform surgery on a healthy body involves unnecessary risks; therefore, SRS violates the principle primum non nocere, “first, do no harm.” (2) Candidates for SRS may believe that they are trapped in the bodies of the wrong sex and therefore desire or, more accurately, demand SRS; however, this belief is generated by a disordered perception of self. Such a fixed, irrational belief is appropriately described as a delusion. SRS, therefore, is a “category mistake”—it offers a surgical solution for psychological problems such as a failure to accept the goodness of one’s masculinity or femininity, lack of secure attachment relationships in childhood with same-sex peers or a parent, self-rejection, untreated gender identity disorder, addiction to masturbation and fantasy, poor body image, excessive anger, and severe psychopathology in a parent. (3) SRS does not accomplish what it claims to accomplish. It does not change a person’s sex; therefore, it provides no true benefit. (4) SRS is a “permanent,” effectively unchangeable, and often unsatisfying surgical attempt to change what may be only a temporary (i.e., psychotherapeutically changeable) psychological/ psychiatric condition.

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  36. Ludwig:

    «Às vezes vale a pena, outras vezes não. O meu ponto é apenas que um contrato de trabalho, o que se vende numa loja e até o contrato de casamento são compromissos públicos assentes numa infraestrutura que a sociedade mantém, pelo que não se pode invocar que o Estado tem de ficar de fora por ser algo estritamente privado.»

    Aqui a nossa posição é muito próxima e estamos quase a discutir detalhes sem importância.
    Eu diria que por não se poder invocar isso é «aceitável» que o estado possa impedir discriminação em certos casos. Mas, apesar de aceitável, é mau. Simplesmente, dadas as condições sociais em relação a certos tipos particulares de discriminação, e dinâmicas como as que expús nas experiências que menionei, seria ainda pior não impedir.
    O meu ponto é apenas que essa é uma zona cinzenta, e creio que a tua própria resposta reconhece-o implicitamente.

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  37. «Mas o caso do sufrágio não é desculpa para tudo: "ah antigamente os autocarros também eram divididos por raças, por isso hoje em dia nenhuma regra faz sentido."»

    Eu seria perfeitamente idiota se fizesse uma afirmação desse tipo.

    Mas a que eu faço é esta: "ah antigamente os autocarros também eram divididos por raças, por isso hoje em dia devemos avaliar uma regra pelos seus méritos independentemente da sua antiguidade".


    « E que faz todo um sentido que um homem se maquie e que a mulher deixe crescer o buço.»

    Eu não defendo que é bom que os homens usem maquilhagem, como acontecia entre as classes altas nos séculos XVII e XVIII por exemplo, ou que as mulheres deixem crescer o buço como acontecia entre algumas comunidades mais pobres ainda há poucas décadas.

    Eu defendo é que é bom que quem quer - homem ou mulher - use maquilhagem, e faça o buço.

    Eu posso ter um olhar crítico em relação à vaidade. Quando um homem ou uma mulher dispendem muito do seu tempo, muita da sua procupação empenho e recursos com a sua aparência, acho que isso é pernicioso. Mas mesmo em relação a isto acredito que a lei não deveria impôr qualquer restrição.

    Mas o reverso da medalha da vaidade é a preocupação excessiva com as vestimentas alheias. O que faz a sociedade «funcionar pior» é o facto das pessoas darem uma excessiva importância à aparência e apresentação, delas ou dos outros, em vez de se preocuparem com coisas realmente importantes. Mas novamente, em relação a isto, a lei não deveria meter o bedelho.

    Agora parece-me perfeitamente evidente que para a sociedade funcionar muito mal é ter o estado e a lei a determinar se a pessoa usa maquilhagem ou não. Que pelos é que rapa e quando é que o faz. Por um lado porque é uma invasão da liberdade das pessoas, por outro porque os seus esforços devem ser direccionados para áreas que importem.

    A sociedade não passou a funcionar pior porque as mulheres passaram a usar calças, mas funcionaria pior se existisse uma tentativa de lhes vedar esta escolha.


    «Se tu e uma mulher se quiserem casar, mas já estiverem casados, faz todo o sentido que sejam impedidos de casar enquanto não se divorciarem (no registo civil claro está). Fazer-vos a vontade custaria muito caro à credibilidade do casamento, e portanto ao bem-comum.»

    Tu dizes que a vontade de um indivíduo NUNCA se deve sobrepor às do resto das pessoas.

    Eu digo que isso é falso. Mas eu NÃO afirmo que se devem sobrepor SEMPRE. Digo que há casos em que sim, e há casos em que não.

    Eu dei o exemplo do casamento, e nesse exemplo assumi implicitamente que eram ambos solteiros. Este é um caso em que deve prevalecer vontade dos indivíduos face ao colectivo (caso em que sim).
    Tu deste o exemplo do casamento, assumindo que já eram casados. Esse é um caso em que não deve prevalecer a vontade dos indivíduos (caso em que não).

    Em conjunto, esses exemplos confirmam aquilo que afirmei (casos em que sim e casos em que não), e desmentem a tua afirmação incial.


    «Ter corpo de homem e achar que se é mulher, é um bocadinho diferente de ter o cabelo liso e encaracolar, não concordas?»

    É diferente, mas existem semelhanças, e era essas que estava a focar.

    Existem cirurgias para aumentar o peito (silicone). É bom que sejam feitas?
    Eu não simpatizo com a ideia, no contexto da aversão à vaidade que referi. A pessoa correr riscos de saúde e dispender tanto dinheiro (e se há falta em coisas importantes...) para alterar a sua aparência parece-me uma atitude vaidosa.

    Que essa atitude seja desencorajada por amigos e pessoas próximas, compreendo. Como quem desencoraja a pessoa a ter uma alimentação pouco saudável, etc.

    Mas o estado não tem nada que desencorajar essas escolhas. Se isso é importante para a pessoa, e ela quer mesmo, o estado e a lei não devem criar entraves.

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  38. João Silveira

    Discordo de «Não faz sentido que uma mulher se sinta discriminada por não poder entrar num balneário de homens, se tem o seu próprio balneário», e basta pensares se fosse pela cor da pele em vez do sexo para veres que não tem nada que ver com isso. Eu não me oponho à segregação entre homens e mulheres nos balneários e casas de banho apenas porque é o que toda a gente quer. Só está bem porque é consensual.

    Mas, voltando ao problema original, sempre concordei que as diferenças de género têm uma base biológica. Há genes diferentes, fisiologia diferente, diferenças a vários níveis no organismo, que por sua vez influenciam costumes e comportamentos sociais, que interagem com a biologia e, como um todo, determinam os nossos papeis na sociedade como homens ou mulheres.

    Discordo é de reduzir isto às gónadas. Se vamos escolher um órgão como o principal determinante do género de uma pessoa, esse órgão deve ser o cérebro e não os órgãos sexuais. O artigo que tu referiste é um bom argumento a favor deste ponto. Isto porque as diferenças entre os géneros são muito mais abrangentes do o que se tem ou não pendurado entre as pernas, um detalhe, aliás, que raramente influencia as nossas interacções sociais e que pode ser alterado pela cirurgia. O cérebro, em contraste, é muito importante em todas as interacções sociais, não temos forma de alterar o cérebro de alguém para que se sinta de um género diferente e, mesmo que tivéssemos não é claro que fosse legítimo intervir dessa forma.

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  39. Mas, João, Vasco, eu não defendo que seja ilegal ou punível com pena de prisão que um homem se vista de mulher. Mas defendo que um homem que escolher fazer isso não deve ser protegido no emprego, se essa sua atitude for contra o código da empresa. Se é possível que os homens tenham de andar de fato e gravata, e aparecer sempre de chinelos e calções dá despediamento na certa, aparecer de vestido encarnado também deve poder dar, sem que ninguém venha com a choraminguisse da discriminação.

    Por outro lado, defendo que a educação nas escolas continue a ser diferenciada entre os sexos, e não igualitária, como defendem os partidários dessa ideologia. Também concordas quando dizem que uma mulher não nasce mulher, que é feita mulher?

    “Tu dizes que a vontade de um indivíduo NUNCA se deve sobrepor às do resto das pessoas.”

    Não, o que digo é que essa vontade não deve ser sobreposta se existirem motivos. O exemplo que deste não faz sentido, porque não dás motivos para que não te deixem casar. Mas o exemplo que dei já tem, o possível casamento de pessoas já casadas iria diminuir ou acabar com o valor do casamento. No caso do Estado reconhecer que um homem é uma mulher, mesmo que continue igual, e toda a sociedade ser forçada a tratar aquele homem como uma mulher não é indiferente para o bem-comum, que depende da diferenciação entre os sexos.

    Ludwig,

    Falas dos orgãos sexuais como se fossem um acidente de percurso, como se fossem obra do acaso. Não é obra do acaso que a esmagadora maioria dos homens se sinta homem, quer dizer que faz sentido a sintonia entre o que a pessoa é e o que sente que é. Por acaso uma mulher que se sinta homem tem genes de homem? Como é que se muda isso? E o sistema reprodutor, não tem nada a ver com o caso? As características de uma mulher são indiferentes de poder naturalmente engravidar, e as dum homem de não poder? Focas-te só no facto do que a pessoa sente que é, desprezando todos os outros factores que mostram o que ela realmente é. E desprezas também os possíveis motivos que fazem a pessoa sentir-se assim, que são apontados no artigo que mostrei ao João Vasco.

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  40. «Mas, João, Vasco, eu não defendo que seja ilegal ou punível com pena de prisão que um homem se vista de mulher. Mas defendo que um homem que escolher fazer isso não deve ser protegido no emprego, se essa sua atitude for contra o código da empresa.»

    Ok. Então se a lei não tivesse essa consequência, se apenas alterasse o nome e o tratamento, tal como se a pessoa mudasse de nome (dentro do mesmo género), não serias contra a lei. Ou serias?


    «Por outro lado, defendo que a educação nas escolas continue a ser diferenciada entre os sexos, e não igualitária, como defendem os partidários dessa ideologia. Também concordas quando dizem que uma mulher não nasce mulher, que é feita mulher?»

    A educação nas escolas é diferenciada entre os sexos? Tanto quanto sei, rapazes e raparigas têm aulas juntos, os mesmos programas, os mesmos recreios, etc..

    Como expliquei acima, desgosto da categoria de «género» se subentende discriminação sexual - que comportamentos é que se esperam de um homem e de uma mulher.
    E o sexo é biológico.
    E a pessoa (quase sempre) nasce com um determinado sexo. Digo quase sempre porque a natureza às vezes desrespeita as categorias que usamos para descreve-la. Há pessoas que nascem com pénis e vagina, por exemplo. Ou pessoas que nascem com um pénis não funcional (nenhuma vagina), e hormonas mais características de mulher que de homem. E por aí fora.

    Há pessoas que não se sentem bem com um determinado aspecto da sua biologia. Ou é o seu peito que não é tão grande quanto desejariam, ou é a cor da pele que não é tão clara quanto desejariam (Michael Jackson) ou não tão morena quanto desejariam (as pessoas que passam eternidades em solários), ou não têm o sexo que desejariam.
    Em todos estes casos, eu diria que o ideal seria mudarem a psique a este respeito. Mas isso é como a questão de fumar, a pessoa deve ser livre de decidir aquilo que afecta primeiramente a ela, e fazendo essa decisão o convívio entre todos é mais harmonioso se a respeitarmos.
    Se um amigo meu quer ser tratado como uma mulher, e isto é uma vontade inabalável e profunda (como geralmente é nestes casos), a coisa decente a fazer é trata-lo dessa forma.

    Isto era o meu pensamento antes de ler este texto do Ludwig. Mas o Ludwig apresenta outro argumento, mais forte, no sentido de se dever respeitar essa decisão.
    Acima falei de pessoas que não são homens nem mulheres, certo? Pessoas que podem ter um pénis e uma vagina, ou um pénis não funcional, mais hormonas femininas (pode depois resultar na combinação pénis+peito de mulher), e por aí fora. Nestes casos, é comum escolher-se o sexo da pessoa, e depois fazer as operações cirúrgicas e terapêuticas necessárias para que tudo fique o mais harmonioso possível.
    O argumento do Ludwig é que o cérebro do homem e da mulher são diferentes. E a diferença é também biológica, depende em parte das hormonas que inundaram o cérebro durante a gravidez, etc..
    Então, a pessoa podia ter «cérebro de mulher» e «resto do corpo de homem» e nesse caso, na perspectiva do Ludwig, deveria prevalecer o cérebro.

    É um argumento forte.

    Parece que existe uma falha, no entanto, da qual me apercebi agora quando escrevo isto.
    E a falha é que seja a «vontade» de ter um sexo que determine qual o «sexo» do cérebro. Poderíamos ter um homem com cérebro de mulher que quer ser tratado como homem, e um homem com cérebro de homem que quer ser tratado como mulher (muito improvável, mas possível).
    E como, fora da questão da vontade, é muito complicado e problemático aferir o que é que é um cérebro de homem ou mulher, o ideal seria caracterizarmos o sexo das pessoas pelos restantes aspectos, mas respeitarmos a sua vontade quando isso é muito importante para elas.

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  41. “Ok. Então se a lei não tivesse essa consequência, se apenas alterasse o nome e o tratamento, tal como se a pessoa mudasse de nome (dentro do mesmo género), não serias contra a lei. Ou serias?”

    Olhar para um homem de bigode e ser obrigado a chamar-lhe Carla? Claro que seria contra. Considero que uma lei assim iria criar uma confusão, porque estamos habituados a separar homens e mulher, nas roupas (em geral, não quer dizer que uma mulher não possa usar fato de treino), nos nomes etc...Não considero que seja bom para o bem-comum uma mistura entre homem e mulher, como se houvesse apenas um sexo, porque de facto existem dois. A ideologia de género faz-nos duvidar que um homem seja de facto um homem, para passar a ser o que ele quiser ser, mas isso tem consequências. O Estado aposta na prevenção da toxicodependência, porque sabe que essa dependência não é boa para o indivíduo nem para a sociedade em que está inserido. Em última análise a decisão vai ser dele.

    “A educação nas escolas é diferenciada entre os sexos? Tanto quanto sei, rapazes e raparigas têm aulas juntos, os mesmos programas, os mesmos recreios, etc..”

    A educação a partir de uma certa idade é diferenciada em termos de brincadeiras, pelo menos. Obrigar a que todos participem nas mesmas brincadeiras, para impedir que existam brincadeiras “sexistas”, não me parece de salutar. Além disso, rapazes e raparigas têm ritmos de aprendizagem diferentes. De tal maneira que os estudos apontam que o aproveitamento escolar de ambos os sexos aumenta quando o ensino é diferenciado. Mas esse tema é tabu, e ninguém discute isso em Portugal.

    As características de que falas diferenciam as pessoas, mas não de maneira tão marcada como o sexo da pessoa. Não faz sentido fazer uma separação entre mulheres de seios pequenos e grandes (a não ser com segundas intenções), nem as de olhos verdes e azuis, nem as pretas e as brancas. Nada no seu ser as distingue dos outros homens e mulheres. A mudança de sexo deve ser visto como algo muito mais radical do que uma rinoplastia.

    Repara que não estou a dizer que deve ser ilegal, estou pura e simplesmente a discordar da ideologia de género, que o Ludwig defende, e que poderá levar a situações caricatas e perigosas num futuro não muito distante. E defendo que a maioria dos casos de pessoas que se sentem do sexo oposto nasce de problemas afectivos, que se reflectem em problemas mentais, mais ou menos graves. Achar que a solução para um problema destes é fazer a vontade do paciente pode ser mau tanto para o paciente, como para a sociedade.

    É complicado falar da vontade, porque o Ludwig não acredita na vontade, só acredita nos mecanismos físicos que nos fazem querer o que queremos e pensar o que pensamos. Mas sim, tens razão. A vontade da pessoa atraiçoa-a muitas vezes, vemos isso na nossa própria experiência. Felizmente para nós as consequências não são tão radicais nem tão irreversíveis como em muitos destes casos.

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  42. João Silveira,

    «Falas dos orgãos sexuais como se fossem um acidente de percurso»

    Não é nada disso. O que aponto é que determinar o género, para efeitos de comportamentos sociais, é muito mais complexo do que determinar o sexo para mera classificação biológica.

    Por exemplo, nos anos 90 o comité olímpico decidiu usar um método molecular para detectar o cromossoma Y e assim distinguir entre homens e mulheres nas competições. Biologicamente, dizer que um homem é um humano com cromossoma Y é tão válido como qualquer outro critério. No entanto, há pessoas que têm XY mas são anatomicamente mulheres. Têm ovários, útero, etc. O resultado foi que em 2000 desistiram desse método porque em 1996 notaram que havia várias atletas, que toda a gente concordava que eram mulheres, mas que geneticamente eram homens.

    «Olhar para um homem de bigode e ser obrigado a chamar-lhe Carla?»

    E se for uma mulher de bigode?

    O problema aqui é que, se for simplesmente para decidir o sexo, para a biologia arrumar as coisas, até podes considerar o bigode como o determinante. Nos pássaros, por exemplo, faz-se isso. Se tem aquelas plumas na cauda é macho, senão é fêmea. Mas ai corre tudo bem porque não estamos a criar normas sociais para interacções complexas com base nisso.

    No nosso caso, o que queremos não é o sexo biológico, mas o género, aquilo que dita uma carrada de comportamentos e de formas como interagimos. E se bem que haja muitos indicadores correlacionados entre si, dos testículos ao bigode e ao cromossoma Y, como a correlação não é perfeita temos de escolher aquele que mais se adequa ao propósito de regular comportamentos sociais.

    E esse é claramente o cérebro. Por isso a minha posição não é que o resto é por acaso e essas coisas que me estás a imputar. É que, se vamos escolher um órgão como o mais importante determinante do género (não do sexo biológico, mas do “sexo” social), esse órgão deve ser o cérebro.

    «É complicado falar da vontade, porque o Ludwig não acredita na vontade, só acredita nos mecanismos físicos que nos fazem querer o que queremos e pensar o que pensamos.»

    Eu acredito que há vontade. Ou seja, tenho neste momento a opinião de que esse conceito pode facilmente corresponder a um aspecto da realidade. A minha opinião só difere da tua por eu considerar que corresponde a algo físico – a processos neuronais, principalmente – e não a algo metafísico, como uma alma ou fantasma que controla o corpo como se fosse um bonecreiro.

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