quinta-feira, agosto 11, 2011

Mecenato.

Num post sobre o que ele chama “Stallmanismo radical”, o Luís Miguel Sequeira conclui que «é preciso criar um modelo que fomente a preservação do artista enquanto uma profissão crucial do ponto de vista civilizacional». Curiosamente, acrescenta de seguida que «a existência de arte sempre foi uma consequência da civilização!»(1), o que parece contradizer a ideia de ser preciso criar “um modelo” específico para isto. Nunca houve civilização humana sem arte, apesar de muitas não terem concedido monopólios legais sobre a cópia. Mas esta não é a única confusão no post do Miguel.

O Miguel também confunde software livre com trabalho à borla, escrevendo que Stallman propôs «um modelo futuro em que todos os programadores do mundo partilhassem livremente as aplicações que desenvolviam gratuitamente». O software livre (2) não é uma norma acerca do salário dos programadores. Basicamente, diz que uma descrição de um conjunto de operações algébricas – o software – deve ser publicada de forma a permitir que se execute, examine, modifique e partilhe essa descrição. O que é prática secular na física, química, biologia, geologia e matemática, por exemplo. A forma correcta de publicar as expressões algébricas para calcular a pressão de um gás, a trajectória de uma pedra ou qualquer outro algoritmo, por mais complexo que seja, é às claras e sem restrições legais. É o software obscurecido e restrito que devíamos considerar uma excepção, e isto não tem nada que ver com o salário de ninguém.

O Miguel também fala dos «defensores da abolição dos direitos de autor», mas nunca vi defender que o autor não tenha o direito de se exprimir, de decidir quais obras publica e quais mantém privadas, de ser reconhecido como autor, de repudiar deturpações da sua obra, de se inspirar nas obras de outros ou de ser mencionado quando o citam. O que o Miguel chama “abolição dos direitos de autor” é a oposição às restrições legais sobre a cópia não comercial e a um sistema de regulação comercial ultrapassado, que até incentiva a violação dos direitos morais do autor. Mas darei um exemplo disso noutro post.

A confusão mais subtil, mas talvez mais fundamental, é acerca do papel dos monopólios sobre a cópia, que o Miguel presume ser um incentivo aos autores: «o modelo do «patrono das artes» também foi descartado e substituído no século XIX pelo sistema de royalties.» A arte é uma forma de expressão, e o autor cria a sua obra para que seja apreciada por todos. Antes do século XIX, o autor era pago por um patrono rico e poderoso que servia de intermediário entre o autor e o seu público. Depois do século XIX, passou a ser pago pelo editor rico e poderoso que serve de intermediário entre o autor e o seu público. A única coisa que mudou foi que os patronos sustentavam o autor por prestígio enquanto os editores procuram o lucro, ficam com direitos exclusivos sobre a obra e só pagam ao autor o que a lei obrigar. O novo sistema subsidiou a distribuição de cópias mas manteve, e até agravou, o problema fundamental: o autor continuou dependente do intermediário, sem poder vender o seu trabalho directamente aos muitos que apreciavam as suas obras.

Foi por isso que «Dickens passou grande parte da sua vida a tentar impedir que os americanos comprassem os seus livros no Reino Unido e que os reproduzissem a uma velocidade estonteante.» Se os leitores tivessem podido comprar os livros directamente ao Dickens, com a mesma facilidade com que compravam aos editores locais, o Dickens teria dominado o mercado. Qualquer fã preferiria comprar o livro directamente ao autor. E o Dickens teria ganho muito mais do que a pequena percentagem que os seus “patronos” eram obrigados a dar-lhe. Mas, sendo-lhe impossível vender os seus livros, o melhor que conseguiu foi a concessão de um monopólio comercial aos seus “patronos”. Dickens lutou pela instituição de monopólios sobre a cópia, no fundo, porque não tinha Internet nem maneira de vender ele os seus livros.

O Miguel pergunta «Os defensores da abolição dos direitos de autor propõem que «trabalhem como toda a gente». O que quer isto dizer?» Que trabalhem como toda a gente. Ou seja, que os autores vendam o seu trabalho no mercado a quem o quiser comprar. Tanto faz se é na feira, numa loja ou na Internet, se é com contrato a termo, sem termo ou à tarefa. São detalhes irrelevantes. O importante é que, agora que o autor pode vender o seu trabalho directamente a quem o aprecia, se acabe com a imposição legal de um mecenato à força que dá aos distribuidores o poder de proibir uma data de coisas a uma data de gente. Incluindo ao autor.

Como objecção, o Miguel aponta que «Ninguém «encomenda» um livro a um autor (com raras excepções) porque o risco é elevado, excepto para autores muito bem estabelecidos.» Pode ser, mas também é verdade, e praticamente sem excepção, que ninguém encomenda uma cirurgia cardiotorácica a qualquer badameco. A máquina publicitária de excreção de Milli Vanillis promoveu a ideia do artista profissional instantâneo, mas o mais razoável é que quem quiser fazer carreira por ter competências ou aptidões excepcionais demonstre primeiro que as tem antes de vender o seu trabalho. Não se justifica criar algum “modelo” especial só para isentar os artistas do mesmo requisito que cumprem os biólogos, cozinheiros, cirurgiões, matemáticos, professores de xadrez, contabilistas ou qualquer outro profissional especializado. Quem quer ser um profissional da arte faça como qualquer outro. Mostre primeiro o que vale. E hoje não é preciso arranjar um mecenas para fazer isso.

1- Luís Miguel Sequeira, As consequências do Stallmanismo radical
2- GNU, The Free Software Definition

21 comentários:

  1. No último podcast, John Gruber concorda contigo e sobre o facto de que patentear código é como patentear matemática.

    No entanto, Nilay Patel não concorda contigo:

    http://thisismynext.com/2011/08/11/broken-patent-system/

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  2. Claro, o copyright não é o mesmo que o sistema de patentes.

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  3. e Disse então Barba a Rija

    claro é o contrário de escuro

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  4. Barba,

    Não gostei do argumento do Patel. Primeiro, correctamente, ele aponta que as patentes são uma troca, pela qual o inventor divulga os detalhes da invenção em troca de um monopólio temporário, beneficiando todos. Só que no software isso é desnecessário, porque o software em si é o registo detalhado do algoritmo. Depois diz que também há matemática na torneira da cerveja, mas é óbvio que não podes fazer uma torneira para a cerveja só com matemática. E depois diz que a matemática dá trabalho e é cara, tentando aproveitar o ângulo de “compensar” o investimento do inventor quando a ideia da patente, como ele próprio diz de início, não é compensar coisa nenhuma mas sim persuadir o inventor a divulgar publicamente a invenção:

    «find a balance between protecting the research and investment it takes to push the industry forward, while taking proper notice of the fact that there are some foundational principles of software development that are as fundamental as any other kind of math.»

    Eliminando as contradições, o que sobra é isto: não é necessário conceder monopólios para que se desenvolva software, e não compensa conceder monopólios para que divulguem os algoritmos, porque o próprio software é o algoritmo. Faz sentido conceder uma patente sobre a produção de vidro xpto porque senão o tipo faz o vidro sem dizer como e ninguém fica a saber como reproduzir a técnica. Não faz sentido conceder uma patente sobre um algoritmo cuja descrição detalhada é o próprio produto que o inventor vende. Mesmo os exemplos que ele escolhe a dedo ilustram bem isto. O PageRank foi criado numa universidade, foi publicado, e não foi uma invenção isolada, com antecedentes e semelhanças com outros sistemas parecidos.

    E o copyright é o contrário das patentes...

    Eu acho que patentes podem valer a pena em casos extremos, como a indústria farmacêutica, em que os custos são muito elevados -- em parte pelo que a sociedade exige em regulação -- e os métodos são fáceis de manter em segredo. Mas se tivermos em mente que a patente é esse negócio de conceder um monopólio em troca da especificação do invento, 99%+ das patentes são uma m*** de negócio para a sociedade.

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  5. Não concordo contigo. Sem teres o source code de um programa de computador, podes tentar adivinhar o que se passa, mas é bastante difícil ler directamente o que é que acontece.

    Pior ainda se o que se passa acontecer apenas nos servidores da empresa que tem o software, como por exemplo o page rank da google.

    Portanto o teu raciocínio morre logo aí na praia.

    Depois esqueces-te que as patentes têm uma limitação temporal. Não concordo como é óbvio com a charada de copyrights de 100 anos, etc., mas entre 5 a 20 anos, dependendo do que se trata, não me parece nada injusto.

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  6. Barba,

    As patentes de software concedem monopólios sobre aplicações abrangentes e genéricas em troco de detalhes óbvios e triviais. Nota que a patente nem sequer exige o código fonte, apenas alguns detalhes que permitiriam alguém implementar de raiz um programa que fizesse algo dentro do que está patenteado. Em muitos casos, para descobrir esses detalhes basta ver o programa a funcionar, nem sequer é preciso olhar para o executável.

    Quanto à dificuldade, perceber o que está no executável é mais difícil do que perceber o que está no código fonte, mas a diferença não é tão significativa. É bastante mais fácil do que, por exemplo, pegares num comprimido e descobrires o processo de síntese do princípio activo. Não só pela dificuldade da tarefa em si, mas porque qualquer geek entusiasmado com um PC pode perceber o que o executável faz, enquanto que para o comprimido vais precisar de uma data de equipamento caro e de peritos em síntese orgânica.

    Considera os exemplos que o Patel escolheu por julgar especialmente bons para a posição deles e vês que é um negócio ridículo conceder um monopólio sobre interfaces multi-toque ou a classificação de páginas da WWW pelo grafo de ligações em troca da fórmula da velocidade do dedo ou da média ponderada.

    «Pior ainda se o que se passa acontecer apenas nos servidores da empresa que tem o software, como por exemplo o page rank da google.»

    Se achas que a partir da patente tu consegues replicar com exactidão os algoritmos que a Google usa, estás redondamente enganado. A patente serve-lhes para proibir outros de aplicar algo genérico – o principio do pagerank em si – sem dar os detalhes importantes que mostrem como é que eles estão a implementar isso. Podes crer que os executáveis seriam muito mais informativos do que a patente.

    E isto não é algo que se possa melhorar. Se a patente exige todos os detalhes e cobre apenas essa implementação com esses detalhes, não serve de nada patentear. Se a patente cobre uma aplicação genérica pedindo apenas alguma informação que não cobre os detalhes de implementação, então é mais útil olhar para o executável ou fazer reverse engineering do que usar a patente.

    «Depois esqueces-te que as patentes têm uma limitação temporal. Não concordo como é óbvio com a charada de copyrights de 100 anos, etc., mas entre 5 a 20 anos, dependendo do que se trata, não me parece nada injusto.»

    Parece-me injusto dar à Google 20 anos de monopólios sobre a ideia genérica de avaliar páginas pelo número de ligações em troca de nos darem a fórmula da média ponderada, quando o importante do algoritmo está nos detalhes como pesos, excepções, etc, que ainda por cima eles vão mudando ao longo dos 20 anos.

    Se a patente é um negócio pelo qual a sociedade obtém informação que será útil para todos daí a 20 anos em troca de pagar a protecção legal de um monopólio concedido ao inventor, o pagerank é um bom exemplo de um grande barrete que a sociedade enfiou.

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  7. Aquilo que te esqueces é que se não houvesse patentes, muito provavelmente ninguém investiria na google. A microsoft simplesmente copiaria o processo e a google não teria capital para investir nos seus processos e no seu desenvolvimento.

    Muito investimento que se faz na investigação computacional só faz sentido se houver um payback com alguns anos. Sem patentes isto é de todo impossível.

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  8. «se não houvesse patentes, muito provavelmente ninguém investiria na google.»

    O pagerank foi desenvolvido em Stanford, e é a universidade que tem a patente. A Google comprou à universidade os direitos exclusivos de uso dessa patente.

    «A microsoft simplesmente copiaria o processo e a google não teria capital para investir nos seus processos e no seu desenvolvimento.»

    Ou compraria o uso exclusivo da patente a Stanford, se tivesse percebido que aquilo ia dar alguma coisa. Ou tinha investido logo de início em motores de pesquisa. Etc.

    O pagerank é um bom exemplo de como esse teu argumento é treta. A patente não serviu para incentivar a investigação, que seguiu na linha do que já muitos tinham feito antes. Não serviu para divulgar nada de importante – o básico era público, e os detalhes estão escondidos. Serviu apenas para a Google ter um monopólio. Possivelmente a Google não seria tão grande sem esta patente, mas, como é regra com monopólios vs concorrência, nós ficávamos melhor servidos se houvesse mais gente a competir com motores de pesquisa.

    «Muito investimento que se faz na investigação computacional só faz sentido se houver um payback com alguns anos. Sem patentes isto é de todo impossível.»

    Estás a ver muito mal a coisa. Pode ser verdade que alguns modelos científicos dessem mais lucro se fossem patenteáveis, mas daí a concluir que a ciência, como um todo, progredia melhor se pudéssemos patentear coisas como a teoria da relatividade vai um grande salto. Grande, e absurdo. Passa-se o mesmo com os algoritmos. Talvez se escavares muito encontres um que, ao contrário do pagerank, pareça suportar a hipótese de que patentes de software são uma coisa boa. Mas quando se considera o impacto que monopólios sobre algoritmos tem na investigação e livre concorrência, rapidamente se percebe a asneira que isso é.

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  9. Barba Rija,

    Muito investimento que se faz na investigação computacional só faz sentido se houver um payback com alguns anos. Sem patentes isto é de todo impossível.

    Isto nunca foi problema na matemática, ou na física, que também precisam de investimento, por vezes substancial.

    De resto, as patentes de software só beneficiam as grandes empresas. Não sou (só) eu que o digo, o próprio Bill Gates admite isso:

    Microsoft sang a very different tune in 1991. In a memo to his senior executives, Bill Gates wrote, “If people had understood how patents would be granted when most of today’s ideas were invented, and had taken out patents, the industry would be at a complete standstill today.” Mr. Gates worried that “some large company will patent some obvious thing” and use the patent to “take as much of our profits as they want.”

    https://www.nytimes.com/2007/06/09/opinion/09lee.html

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  10. O Gates não é uma fonte fidedigna. Bem nos lembramos das suas teses ridículas feitas uns anos antes.

    O pagerank foi desenvolvido em Stanford, e é a universidade que tem a patente. A Google comprou à universidade os direitos exclusivos de uso dessa patente.

    Foi desenvolvido pelos marmanjos que lideram a corporação. E a universidade lucrou bastante com o negócio. Não vejo aqui nenhum argumento que possa minimamente ser contra as patentes.

    Possivelmente a Google não seria tão grande sem esta patente, mas, como é regra com monopólios vs concorrência, nós ficávamos melhor servidos se houvesse mais gente a competir com motores de pesquisa.

    São este tipo de argumentos que não me convencem. Falas tu de realidades alternativas como se as estivesses a ver com um binóculo no espaço ou assim. Isto é fácil de fazer. Eu também posso dizer que sem patentes nenhum empresário de jeito faria um investimento sobre que empresa de software fosse, e todos os recursos académicos iriam parar a outras bandas. Nem preciso de especular assim tanto, basta ver a total falta de progresso na Rússia onde esta coisa das patentes era vista como ridícula.

    Passa-se o mesmo com os algoritmos. Talvez se escavares muito encontres um que, ao contrário do pagerank, pareça suportar a hipótese de que patentes de software são uma coisa boa. Mas quando se considera o impacto que monopólios sobre algoritmos tem na investigação e livre concorrência, rapidamente se percebe a asneira que isso é.

    As patentes são utilizadas em todo o resto da indústria e eu sinceramente não compreendo a diferença. Todas as patentes são "algoritmos", podiam ser, se quiséssemos, reduzidas todas a equações matemáticas. Elas descrevem sempre métodos de fazer X ou Y. Tu dizes-me que as patentes informáticas não servem, o que estás a dizer é que nenhuma patente serve. Todos os argumentos que tens feito são interessantes no assunto, mas todos basicamente se baseiam nas asserções vazias de evidências do tipo "isto tudo vai funcionar perfeitamente e muito melhor vão ver".

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  11. Barba,

    O facto dos inventores do pagerank terem de pagar para poder usar a sua invenção demonstra claramente que o papel das patentes, pelo menos neste caso, não é esse de incentivar a inovação como tu propões. Neste caso, como na quase totalidade dos casos das patentes de software, o propósito é impedir a concorrência. E isso é péssimo para a economia e para a inovação.

    «Eu também posso dizer que sem patentes nenhum empresário de jeito faria um investimento sobre que empresa de software fosse,»

    Podes, mas estarias a dizer algo sem significado nenhum. Por exemplo, poderias afirmar que nenhum dos que investiram na Microsoft antes desta comprar patentes era “de jeito”.

    Agora, se disseres que sem patentes não há investimento nem investigação, então já dizes algo suficientemente concreto para demonstrar que é falso.

    «Nem preciso de especular assim tanto, basta ver a total falta de progresso na Rússia onde esta coisa das patentes era vista como ridícula.»

    Claro... os problemas principais da Rússia foram não conceder patentes de software, que o resto por lá tem andado supimpa já há décadas. Já agora dá uma olhada na legislação da Etiópia e da Coreia do Norte, talvez tenhas lá mais dois bons exemplos.

    «As patentes são utilizadas em todo o resto da indústria e eu sinceramente não compreendo a diferença.»

    É simples. Se o Estado concede um monopólio sobre um método de burilar peças em aço na construção de motores de locomotiva, está a favorecer um número muito restrito de pessoas proibindo a implementação desse método a um número também muito restrito de pessoas, e em troca torna público algo que é potencialmente útil no futuro, visto que seria difícil de outra forma obter uma descrição pública e detalhada desse melhor método de burilar peças de aço para motores de locomotiva. No computo geral, pode ser um bom negócio para a maioria.

    Mas se o Estado concede um monopólio sobre a regra de três simples está a lixar uma data de gente em troca da especificação de algo que é óbvio da primeira vez que se vê a ser usado. Isso é um valente tiro no pé para a sociedade.

    As patentes de software estão muito mais perto deste segundo caso do que do primeiro, porque são patentes sobre algoritmos e suas aplicações, algo que qualquer pessoa poderia usar no seu computador e que fica à vista de todos simplesmente pelo uso, e não patentes sobre processos que muito poucos utilizariam e que facilmente ficariam escondidos se não se convencesse os autores a publicar os detalhes.

    «Todas as patentes são "algoritmos"»

    Um algoritmo é uma transformação matemática com um número finito de passos. Um “algoritmo” é o que quiseres, mas eu não estou a opôr-me às patentes de software por serem “algoritmos”. Oponho-me por o software ser algoritmos, sem aspas.

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  12. Podes, mas estarias a dizer algo sem significado nenhum.

    Exactamente com o mesmo nível de significado que tu terás ao dizer que sem patentes isto tudo funcionaria muito melhor. Não te concedo o direito de determinares realidades alternativas, não sem uma boa dose de justificações sobre os efeitos secundários e todas as iterações necessárias (feedbacks, etc.)

    Claro... os problemas principais da Rússia foram não conceder patentes de software, que o resto por lá tem andado supimpa já há décadas.

    Falo sobretudo sobre a inovação académica e técnica sobre o assunto. Apesar de todo o investimento na academia, não vi a Rússia chegar aos calcanhares dos EUA na inovação no software.

    Mas se o Estado concede um monopólio sobre a regra de três simples está a lixar uma data de gente em troca da especificação de algo que é óbvio da primeira vez que se vê a ser usado. Isso é um valente tiro no pé para a sociedade.

    Aí estou contigo de facto dar patentes a regras de três simples... enfim falamos a sério ou a brincar?

    As patentes de software estão muito mais perto deste segundo caso do que do primeiro, porque são patentes sobre algoritmos e suas aplicações, algo que qualquer pessoa poderia usar no seu computador e que fica à vista de todos simplesmente pelo uso

    Isto é um pressuposto. Não sabes o que aconteceria. Por exemplo, poderia ser uma consequência deste liberalismo o nascimento de um tipo de compiler que tornaria o reverse-engineering totalmente impossível. No entanto, seria muito dispendioso em termos de computação, etc. A inovação iria pelo cano abaixo.

    Oponho-me por o software ser algoritmos, sem aspas.

    Todas as patentes são algoritmos, sem aspas.

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  13. Barba,

    «Aí estou contigo de facto dar patentes a regras de três simples... enfim falamos a sério ou a brincar?»

    A sério. Por exemplo, há um algoritmo de pesquisa, least discrepancy serach, que consiste em ir procurando soluções cada vez mais distantes de uma potencial solução que teria sido obtida por outra forma. Esse está patenteado, e recentemente teve de ser removido de um pacote de software académico por ameaça de acção legal.

    As patentes de software são patentes sobre algoritmos, em abstracto. Ou seja, coisas que até podes fazer mentalmente ou com papel e lápis. Tu podes, na tua mente, violar a patente do pagerank da Google. Podes não o conseguir fazer para toda a internet, mas para um subconjunto suficientemente pequeno podes fazê-lo até de cabeça. Isso é impossível para uma patente acerca de um tipo de motor ou um método de síntese de eritromicina.

    Além disso, sendo patentes sobre algoritmos em abstracto, são extremamente abrangentes. Uma patente sobre o least discrepancy search afecta uma imensidão de coisas, porque a ideia de procurar soluções para um problema afastando-se gradualmente de uma solução conhecida para um problema parecido, ou uma estimativa inicial, é tão genérica que atropela quase toda a gente.

    Podes dizer que então está mal dar uma patente dessas, que sendo demasiado genérica o tribunal deve invalidá-la, etc. Mas aí tens outros problema. Uma disputa acerca da patente de um motor de locomotiva será sempre entre empresas com muito dinheiro e possibilidade de esmiuçar tudo em tribunal. Esse sistema, nesse caso, pode funcionar. Mas no software não é assim. Tens uns tipos numa universidade a implementar uma toolbox para outros investigadores, recebem uma carta a dizer que ou tiram esse algoritmo ou vão para tribunal e não têm outro remédio senão acatar a ordem, por muito pouco mérito que a patente tenha, simplesmente porque não há recursos para lutar por isso em tribunal.

    Patentear conceitos abstractos, operações mentais, álgebra ou expressões matemáticas é uma péssima ideia. A patente é um tradeoff entre o custo que todos pagam por aceitar a proibição e o valor de ter essa informação divulgada, mais eventualmente o incentivo à criatividade, se bem que esse acaba por ser menor porque o que dá mesmo trabalho normalmente não vem na patente (a optimização toda do processo, em contraste com o alinhavar da ideia). Em alguns casos esse custo é aceitável porque afecta pouca gente e não é um entrave à inovação. Mas com algo como algoritmos é precisamente o contrário.

    «Isto é um pressuposto. Não sabes o que aconteceria»

    Eu trabalho em investigação e desenvolvimento de software há cerca de dez anos. Tenho uma ideia bastante clara dos efeitos de conceder monopólios sobre algo tão abstracto como algoritmos. Seria o mesmo que conceder monopólios sobre teoremas matemáticos, métodos estatísticos ou teorias científicas.

    «Todas as patentes são algoritmos, sem aspas.»

    “algoritmo s. m. Processo de cálculo.”

    Uma torneira não é um algoritmo. Se te concedem o monopólio sobre um tipo de torneira não te dão um monopólio sobre um algoritmo. E um processo de cálculo é algo que até se faz mentalmente.

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  14. Eu trabalho em investigação e desenvolvimento de software há cerca de dez anos. Tenho uma ideia bastante clara dos efeitos de conceder monopólios sobre algo tão abstracto como algoritmos. Seria o mesmo que conceder monopólios sobre teoremas matemáticos, métodos estatísticos ou teorias científicas.

    O que eu quero dizer é que não podes saber o que aconteceria se o sistema de patentes fosse eliminado. Ou o que é que aconteceria se o sistema de patentes não existisse.

    Uma torneira não é um algoritmo

    Uma torneira não é patenteada. O processo de a construir ou o seu design, etc., é que são patenteados. Esses são algoritmos.

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  15. Barba,

    «O que eu quero dizer é que não podes saber o que aconteceria se o sistema de patentes fosse eliminado. »

    Não. Mas posso ter uma boa ideia acerca do que acontecerá se cada vez houver mais patentes de software ou o que acontecerá se deixarem de conceder patentes de software. E isto é fácil porque temos um processo histórico onde a inovação precedeu a concessão de patentes e a concessão de patentes resultou em dificuldades acrescidas de inovar. Por exemplo, a Apple já disse que era impossível criar algoritmos de compressão de vídeo sem violar as patentes deles. Ou seja, eles podem pôr em tribunal qualquer pessoa que queira inovar nessa área.

    «Uma torneira não é patenteada. O processo de a construir ou o seu design, etc., é que são patenteados. Esses são algoritmos.»

    Perdíamos menos tempo se te informasses melhor. Mas, por outro lado, dava menos gozo. Por isso podes continuar assim.

    A patente 5842617 dos EUA, por exemplo, é para :


    «An apparatus for dispensing beverages including a fluid conduit terminating in a conduit exit, the conduit exit being oriented upwardly when the apparatus is in an operative position, and a dispenser head defining an enclosure surrounding the conduit exit, the dispenser head having a pouring aperture opening onto the enclosure.»

    Não é sobre o método de construir a torneira. É a torneira em si.

    Além disso, um algoritmo é um processo de cálculo. O processo para calcular a velocidade à qual a cerveja sai da torneira, ou para calcular como o metal se dobra quando se exerce uma certa força numa certa parte, esses são algoritmos. Mas isso chama-se física, e não está nesta patente, pelo menos. Se queres patentear o método de produção da torneira não vais patentear o método de cálculo, mas sim o método de dobrar mesmo o metal. Pega-se numa chapa, dá-se-lhe uma pancada assim, aquece-se, etc. E isso, feito com uma chapa, um martelo e afins, não é um processo de cálculo. É o processo de fazer uma torneira.

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  16. Perdíamos menos tempo se te informasses melhor. Mas, por outro lado, dava menos gozo. Por isso podes continuar assim.

    Garanto-te que perderíamos todos menos tempo se tu lesses melhor. Mas por outro lado dava menos gozo. Por isso também tu podes continuar assim.

    «Uma torneira não é patenteada. O processo de a construir ou o seu design, etc., é que são patenteados. Esses são algoritmos.»

    Se queres patentear o método de produção da torneira não vais patentear o método de cálculo, mas sim o método de dobrar mesmo o metal. Pega-se numa chapa, dá-se-lhe uma pancada assim, aquece-se, etc.

    Do mesmo modo, o método de fazer um aparelho multi-touch por exemplo é também definido por pegar numa tecnologia X, usar operador Y desta e daquela maneira, com um design Z, etc. O método do page rank consiste em pegar em páginas web e fazer uma lista complexa de quantos sites estão ligados a esta página, etc. Lá porque numa se aparenta usar palavreado de merceeiro e na outra de matemático, não deixa de ser "a mesma coisa".

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  17. Barba Rija disse...
    Eu trabalho

    até arquitecto cuétara trabalha isto vai mesmo mal

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  18. se o krippahlismo criasse uns algoritmos de contacto com o algoritmo divino

    tinhamos a crise resolvida

    ou isso ou o juízo final...que como anda a justiça ficavamos no purgatório ai uns 20 milhões de ânus

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  19. ó pazinhos quando tiverem tempo expliquem isto ó info-es cluedo?

    o scroll é automático?

    Diário de Poemas
    SOLIDÃO
    Há 1 hora passos da ilha
    NÃO MINTA SR. MINISTRO!
    Há 1 hora Ludugero desde que me entendo por Ludugero
    DesesPeRadamente!
    Há 1 hora As minhas pequenas coisas
    Fico parva com estas coisas que eu leio.

    pensei que isto era o que vocês liam

    afinal parece que tem a ver com o momento em que é feita a postagem

    é uma daquelas coisadas em ciclo de retroalimentação vulgo feedback?

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  20. Barba,

    No link que referiste, o Patel dá esses dois exemplos de patentes de software. O pagerank é software, porque é um método de cálculo (i.e. um algoritmo). O multitouch não é, porque inclui o hardware e não é só o método de cálculo, pelo que o Patel tem de forçar um pouco e referir apenas o cálculo. Mas enquanto um método para calcular um valor é um método de cálculo, um método para fazer um aparelho, mesmo que exija fazer alguns cálculos, não é um método de cálculo e pode-se regular o fabrico do aparelho sem proibir quaisquer cálculos a ninguém.

    Eu defendo que o Estado não deve regular algoritmos (i.e. métodos de cálculo) nem mesmo se for para incentivar a criatividade ou a economia, porque os cálculos são, no fundo, processos mentais e não quero ter o Estado a intrometer-se nas contas que fazemos só por motivos económicos.

    Mas nem todas as patentes são só sobre cálculos, e nem só é esta a minha objecção às patentes. Como o Patel salienta, e bem, a patente serve principalmente para incentivar a divulgação da invenção. Se tu inventas algo porreiro e queres manter segredo o máximo de tempo para explorar economicamente o que inventaste, não te dá jeito se daqui a um ano descobrirem o teu segredo e o copiarem. Por outro lado, para o resto das pessoas, o melhor seria descobrir já o teu segredo para que todos aproveitassem, mas não dá jeito se demorar quarenta ou cinquenta anos a conseguir perceber o que tu fazes. A patente é uma solução de compromisso que partilha estes riscos e beneficia ambas as partes. Dás os detalhes todos e recebes vinte anos de monopólio em troca.

    Mas isto só faz sentido se houver um risco para partilhar. Se vires que, sem patente, toda a gente facilmente copiava o pagerank e o multitouch, percebes que é um mau negócio conceder 20 anos de monopólio em troca disso.

    Quanto a incentivar a inovação e progresso, as patentes são más para isso porque as restrições que impõem a todos têm o efeito contrário. Em vez de comparares os EUA com a Rússia, com os problemas óbvios que isso tem, podes comparar os EUA com os EUA. O que Hollywood fez para se escapar das patentes do Edison, ou o que os EUA tinham feito antes para se industrializar ignorando as patentes britânicas, por exemplo. E o que é evidente é que, em geral, as patentes não servem quem quer inovar mas quem quer impedir que a concorrência inove.

    E se achas que ninguém inventaria algoritmos sem o incentivo da patente basta considerares os milhentos algoritmos que foram inventados nessas condições. Quanto ao resto, também o rato, o teclado ou o joystick não tiveram “protecção” significativa de patentes.

    Eu não sou contra todas as patentes. Sou contra todas as patentes sobre métodos de cálculo, tal como seria contra patentes sobre posições sexuais, opiniões ou ideologias políticas, mas admito que há situações em que pode ser benéfico para ambas as partes chegar a um acordo pelo qual se concede um monopólio em troca do inventor divulgar a sua invenção.

    No entanto, o sistema não pode ser qualquer badameco registar o que inventou e o Estado carimbar “patenteado”. Tem de haver um benefício claro para ambas as partes em conceder essa patente. Por isso, uma ideia seria que o pedido de registo teria de partir da concorrência, que pedia ao Estado para negociar com o inventor de algo para que esse divulgasse o que tinha feito, mesmo que a concorrência tivesse de esperar uns anos até poder fazer igual. Depois negociavam todos, e daí resultava a patente. Assim escusava-se conceder 20 anos de monopólio para o inventor explicar o ovo de Colombo.

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  21. Roskoff,

    «ó pazinhos quando tiverem tempo expliquem isto ó info-es cluedo?

    o scroll é automático?»


    Se explicares a pergunta, posso tentar. Mas os teus comentários são demasiado confusos para perceber sequer que tipo de ajuda precisas (se bem que levantem algumas suspeitas ;)

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