terça-feira, outubro 05, 2010

Uma má decisão.

Os comentários no Público vão passar a depender de aprovação prévia. Há uns dias, no blog do José Queirós, o provedor dos leitores do jornal, comentei que me parecia melhor fazerem como é prática noutros meios, desde fóruns de discussão à Wikipedia. Em vez de exigir que cada intervenção seja aprovada por uns antes de ser vista por todos, algumas pessoas vão limpando o lixo removendo os comentários que não forem apropriados (1).

A diferença pode parecer pequena, mas é fundamental. A aprovação prévia é o que os jornais já faziam, em menor quantidade mas segundo o mesmo princípio. O jornal recebia cartas dos leitores, decidia quais publicava e só se lia o que os editores aprovassem. Podem chamar-lhe “caixa de comentários” mas, se exigem aprovação prévia, não é mais que um espaço para as cartas dos leitores. O mesmo de sempre.

Permitir comentários é diferente. É agregar na mesma página, para acesso fácil, os textos editados pelo jornal e o que cada leitor escreve à sua responsabilidade. Só assim se cria um espaço de discussão em vez de uma montra com aquilo que o jornal decide mostrar.

É claro que muita gente não sabe usar as liberdades que tem, desperdiçando-as em tentativas infantis de incomodar os outros. Paciência. É um problema que se pode reduzir a níveis aceitáveis apagando regularmente o que não interessa. Basta que o sistema de comentários dê um pouco mais trabalho a quem comenta que a quem apaga. Com verificação de caracteres ou exigência de registo prévio, por exemplo. Nada de oneroso, mas o suficiente para dar alguma vantagem aos moderadores, que assim podem apagar umas dúzias de disparates no tempo que demora alguém a escrever um.

A solução escolhida pelo Público é má por várias razões. Perdem a oportunidade de ter um espaço de discussão, optando por uma mera extensão da política editorial do jornal. Essa perda não passa despercebida aos leitores que, inevitavelmente, ficarão a pensar no que o jornal terá decidido prender no filtro. E porquê. Com esta opção, o jornal assume implicitamente a responsabilidade pelos comentários. Se escolhem o que fica à vista, tudo o que incomodar será culpa dos editores, e não de quem o escreveu. Têm também muito mais trabalho. Estranhamente, em resposta ao meu comentário, o José Queirós escreveu que «face à dimensão que o problema atingiu, temo que não baste a existência de "moderadores que, conforme a sua disponibilidade, vão apagando os comentários que não contribuam para o tópico". Penso que seria uma luta desigual» (1). Penso que o José não pensou bem no problema.

Precisamente por causa do número de comentários disparatados, é preferível dar uma vista de olhos e a apagar os mais imbecis, que até costumam ser fáceis de ver por virem em maiúsculas. O método que o José defende é muito mais oneroso para os moderadores, pois exige que estes se responsabilizem por cada comentário que deixam passar. Ou seja, têm de ler mesmo tudo, linha a linha. O trabalho que isso dá é ordens de grandeza maior, além de incomodar todos os leitores que querem participar de forma produtiva e que têm de esperar para ver o seu comentário aprovado. Castiga-se todos pelas faltas de alguns.

Mas o que mais me incomoda nisto é outra coisa. Que, devo deixar claro, não tem nada que ver com censura, um chavão comum nestes casos. O site é deles, apagam ou põem o que querem, e quem não gosta que escreva noutro lado. O que me incomoda aqui a justificação. Segundo o José Queirós, só publicar o que o jornal aprova «é, sem dúvida, o [caminho] do respeito por quem o lê». Discordo por completo.

Se me querem respeitar como leitor, então assumam que sou um adulto minimamente inteligente e capaz de decidir que comentários têm mérito ou não. Não assumam que sou uma criança impressionável, flor de estufa que nunca leu um palavrão ou um imbecil que julga verdadeira qualquer difamação anónima que leia. Se querem filtrar comentários porque vos incomodam, têm todo o direito de o fazer. Mas não digam que é para o meu bem.

E este paternalismo não é só incómodo. É prejudicial. Muitos começam a usar a Internet sem perceber o que é ouvir toda a gente, mesmo quem diariamente ignoram ou fingem só existir para dar graça ao telejornal. E muitos começam a usar a Internet sem saber o que é ser ouvido por toda a gente. Nunca ninguém lhes ligou, por isso nunca pensaram no que poderiam dizer se lhes dessem atenção. A melhor maneira de aprenderem é deixando-os lidar uns com os outros. Com aquilo que “não se diz”. Com o poder de ser ouvido. Com a liberdade, a sua e a dos outros. E com isto podem amadurecer e ficar mais tolerantes, que não só é a única solução verdadeira para o problema dos comentários – o resto é meramente cosmético – como também ajuda a mitigar outros problemas, dentro e fora da Internet.

O pior que os papás podem fazer é segurar a mão de cada menino e decidir o que ele pode dizer ou ouvir. Assim ninguém aprende. E é irónico que sejam os jornais, que nos deviam mostrar a sociedade como ela é, a tentar pintar tudo de cor-de-rosa. Para o nosso bem...

1- Provedor dos Leitores, José Queirós, Os jornais também escolhem os seus leitores
2- Provedor dos Leitores, José Queirós, Uma decisão útil e corajosa

17 comentários:

  1. Tu não estas é bem a ver os comentários do publico.

    Aqui o ktreta é só cavalheiros e princesas a comparar com aquilo. E do nivel intelectual então nem se fala. Não sei se ha para la gente sensata o suficiente para fazer aquilo funcionar. Até os foruns TSF são melhores. É uma pena ja que é o jornal que eu mais leio. Mas não comento la. Sinto que é uma perda de tempo.

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  2. Quanto à Wikipedia em português, esta melhor mas até à dois anos atrás era um desastre de propaganda e auto-referencia. Alias isso teve um peso grande em começar optar por ir para os blogs. É que se é para propandear a minha posição mais vale faze-lo sem rodeios.

    Em resumo, não creio que uma opção de moderar comentários (desde que seja provisória) não seja mal pensado. A longo prazo o ideal é sempre ser livre, claro.

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  3. João,

    Mas isso é irrelevante. Não vejo que o volume de comentários imbecis torne o sistema da aprovação preferível ao sistema de apagar. A menos que se reprove tudo e pronto... É que para resolver o problema basta eliminar uma parte dos comentários mais obviamente imbecis -- mesmo que escape um ou outro não faz mal.

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  4. Estou absolutamente de acordo, caro Krippahl.

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  5. já que se está falando de comentadores imbecis....

    Quando li o título, pensê

    deve ser sobre a república

    era sobre o público faltou o re....


    sinceramente nunca vi a dita página do jornal

    tenho-o comprado assiduamente porque o Continente o está a dar com desconto de 100%

    pelo que pressuponho que deve estar com queda de vendas

    logo cortar ainda mais nos potenciais leitores/comentadores

    é má política para um jornal que necessita que o comprem

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  6. essa dos 2000 comentadores devia ser em termos globais?

    modernização.
    39 Comentários 127f 1twitter?pressuponho

    parece ter um nível de comentários baixo 82 230f
    só se atinge os 2000 em notícias mais polémicas

    ao que parece cortar os comentários ou não
    também não deve afectar muito as potenciais vendas

    como questão de princípio....se têm moderadores
    não vejo qual seja a vantagem da 2ªbarreira

    pressuponho (muito, hoje) que o jornal tenha um registo obrigatório dos comentadores

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  7. e já agora dizia Agostinho de CAmpos (ultimo reformador monárquico)

    um povo que só sabe ler e escrever asneiras não é ipso facto

    um povo feliz

    a doença nacional não é o analfabetismo intelectual dos governados
    (leia-se leitores) mas sim o analfabetismo moral dos governantes
    (leia-se provedores editores e quejandos)

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  8. o que é preciso é saber, quando ferrarão connosco no paraíso,

    proclamando que existe um superavit de educação e que para nós soou a hora inédita de fechar escolas, ou de as reorganizar por maneira,

    que o povo se matricule para lá ir

    desaprender o que sabe de mais.....

    e essa hora chegou, paternalismos censuratórios sempre houve

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  9. Ludwig

    Discordo apenas porque quem gere preocupa-se com a reputação da marca de que é responsável. E de facto, em termos de imagem pública, a percepção do comum dos mortais em relação a comentários apagados é mais negativa do que a um processo de validação do que se deixa colocar. Concordo com o que dizes em que o processo de validação à priori é mais do mesmo e eventualmente mais censório, mas deixa pior imagem permitir-se que seja publicado e depois seja apagado.

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  10. De todos os sistemas, talvez prefira o de classificação, em que os comentários mais negativos ficam ocultos por um threshold ajustável por cada utilizador, e os mais interessantes são mais visíveis. Como no YouTube. É sempre possível ver tudo, ou ver só o que vale a pena, sem apagar nada.

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  11. João,

    «E de facto, em termos de imagem pública, a percepção do comum dos mortais em relação a comentários apagados é mais negativa do que a um processo de validação do que se deixa colocar.»

    Acho que a percepção de quem comenta e, em vez de ver o seu comentário, vê uma mensagem a dizer que aguarda aprovação, acaba por ser mais negativa que ver umas -alhadas aqui e ali.

    Mas concordo com o Francisco. Um sistema mais soft classicação é ainda melhor que simplesmente apagar.

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  12. "Mas isso é irrelevante. Não vejo que o volume de comentários imbecis torne o sistema da aprovação preferível ao sistema de apagar. A menos que se reprove tudo e pronto... É que para resolver o problema basta eliminar uma parte dos comentários mais obviamente imbecis -- mesmo que escape um ou outro não faz mal."

    talvez possa servir para aumentar a bitola. E depois passar a um sistema de votos, com os cometarios a receber menos votos a passar para o fim da lista. Por exemplo.

    Outra coisa que eu sempre achei que era legitima era censurar, mas dar acesso à pagina dos comentarios censurados, sendo que a censura so servia para aumentar a qualidade dos comentarios e não para enconbrir qualquer tipo de informação.

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  13. Concordo que, para quem comenta, o sistema em que o comentário fica de imediato disponível seja melhor. Mas diria que nem num blog, nem no You Tube está em causa uma identificação com uma Marca e isso é um diferença importante pois o sistema tem que estar pensado não apenas para os que deixam comentários como a generalidade das pessoas que lê. O sistema do You Tube é bom porque permite uma valorização dos comentários, que é útil para distinguir o bom do mau mas funciona com qualquer sistema, moderado ou não.

    Finalmente, se a intenção de permitir comentários for genuína, qualquer intermediação deve ser rápida na disponibilização dos comentários e acima de tudo só deve cortar comentários manifestamente incorrectos em termos de linguagem e não os comentários que manifestem opiniões contrárias. Claro que há sempre algum grau de subjectividade, mas no apagar dos comentários também há e se esta intervenção for além deste factor de higiene mata-se quaisquer intenções de participação genuína.

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  14. Não gosto do sistema do voto contra a imbecilidade. Porque em questões mais polarizantes, os comentários mais votados contra não são necessariamente os imbecis mas os menos representativos.

    Sou a favor da solução Ludwiggiana.

    (Para quando o Ludwig a presidente? ROFL)

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  15. «Para quando o Ludwig a presidente?»

    Isso é que não. Já assim tenho tão pouco tempo para o blog...

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  16. Barba Rija disse...
    Não gosto do sistema....


    (Para quando o Ludwig a presidente? Presidente de quê?
    eis a questão...se for da Liga Ateísta
    ok
    se for presidente das associações beneméritas cristãs....acho que não

    de resto pode-se ser jovem agricultor até aos 40
    mas presidentes potencialmente florescem após os 35
    e só dão fruto a partir dos 42
    idade do eanito o impávido ascendente

    Barba Rija disse...
    Não gosto do sistema do voto contra a imbecilidade. Porque em questões mais polarizantes, os comentários mais votados contra não são necessariamente os imbecis mas os menos representativos.

    se for para a presidência da google portugal
    se calhar resolvia isto
    Over Quota
    This Google App Engine application is temporarily over its serving quota

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  17. João,
    concordo que é um dilema para empresas e instituições, o facto de terem que defender a marca. Por outro lado, se abrem a caixa de comentários é com a esperança de publicidade gratuita e de provar que têm muitos leitores, aderentes e o demais. Mas se começarem a dificultar a publicação de comentários, é muito possível que muita gente perca o interesse de lá ir, o que é mau em termos de projecção. No fundo, penso que é mais do interesse até dessas instituições e emrpesas premitirem a discussão livre. A alternativa honesta é fechar a caixa de comentários (conheço exemplos): you can't have the cake and eat it too.

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