quinta-feira, outubro 14, 2010

DAT.

Digitalizar uma música é criar uma descrição numérica do som. E essa descrição pode ser feita de infinitas maneiras. O formato CDA, dos CD, descreve o som com uma lista de valores de intensidade medidos a 44.1kHz. O MP3 descreve o som como uma combinação de frequências seleccionadas por serem mais salientes ao ouvido. No FLAC os valores de intensidade de som são repartidos em blocos, uma função aproxima o perfil do som em cada bloco e o erro residual é guardado num formato comprimido. E assim por diante. Cada formato cria uma descrição diferente da música.

Ao considerar que tudo isto são cópias, o copyright torna-se em censura. Em vez de regular apenas a reprodução de representações materiais específicas, como cassetes ou discos, restringe todas as descrições. Em vez de proibir a criação de algo semelhante, proíbe a transmissão de tudo o que significar o mesmo.

Há quem justifique esta alteração pela natureza da codificação digital. Como é trivial representar a mesma coisa de formas diferentes, é preciso proibir pelo significado em vez de pela semelhança. No entanto, isto assume implicitamente que se justifica tal sacrifício só para proteger o negócio de cobrar pelo acesso. Tendo em conta o custo da censura e o decrescente valor da distribuição, eu diria que já passámos há muito o ponto em que deixou de valer a pena. Mas essa é uma divergência de valores. Hoje quero apontar um contra-exemplo factual, e propor uma explicação para o triste estado da legislação que temos agora.

No final dos anos 80 surgiu o Digital Audio Tape, uma tecnologia que codificava o som em fita magnética usando uma representação digital semelhante à dos CD modernos (1). Pouco depois, a RIAA começou a pressionar para proibir esta tecnologia, ameaçando mover acções legais contra qualquer empresa que vendesse gravadores DAT nos EUA (2), e conseguindo atrasar vários anos a introdução destes gravadores nesse mercado. Finalmente, em 1992 o Audio Home Recording Act regulou a gravação digital (2).

Em linha com a aplicação tradicional do copyright nas outras “terríveis crises” para a indústria, como o caso da rádio, cassetes ou VHS, os legisladores decidiram que nenhuma empresa poderia ser processada pelo uso dos gravadores áudio e, particularmente relevante, que ninguém poderia ser processado «pelo uso não comercial […] para fazer gravações musicais analógicas ou digitais». Um dos objectivos declarados desta legislação foi mesmo o de «garantir o direito dos consumidores de fazer gravações analógicas ou digitais de música protegida para uso privado não comercial»(2).

A Internet mudou a escala da cópia e da partilha. Agora já não é só uma cassete para o primo ou para a namorada. Mas o princípio fundamental é o mesmo. A representação é digital, e todos nós temos direitos. O editor de discos não tem legitimidade para proibir a todos tudo o que lhe apetecer. Por isso devia-se aplicar o copyright da mesma maneira de sempre, circunscrito à regulação comercial e não interferindo com direitos pessoais. Dessa forma, em vez de censurar as descrições regularia apenas a sua comercialização.

Mas em vez de uma lei como essa de 1992, não só temos milhares de processos contra quem partilha ficheiros sem fins comerciais, como há censura de fóruns onde se partilha ligações e pessoas em tribunal por “facilitar” a troca ou até por terem criado software para partilhar ficheiros (3). A diferença hoje não é por ser digital, porque isso já era. E não é pela escala, porque os direitos das pessoas não desaparecem só porque muitos os podem exercer.

A diferença é que em 1992, a RIAA estava a lutar contra os interesses de empresas como a Phillips e a Sony. Hoje em dia, o lobby das editoras opõe apenas os interesses de pessoas como nós, sem dinheiro para comprar políticos. É por isso que agora, pela primeira vez, este sistema de regulação comercial serve para processar cidadãos por actos sem fins lucrativo.

1- Wikipedia, Digital Audio Tape
2- Wikipedia, Audio Home Recording Act
3- Wikipedia, Winny

Editado a 15-10 para corrigir 10 anos. Obrigado ao sxzoeyjbrhg pelo aviso.

15 comentários:

  1. In appearance it is similar to a compact audio cassette, using 4 mm magnetic tape enclosed in a protective shell, but is roughly half the size at 73 mm × 54 mm × 10.5 mm. As the name suggests, the recording is digital rather than analog. DAT has the ability to record at higher, equal or lower sampling rates than a CD (48, 44.1 or 32 kHz sampling rate respectively) at 16 bits quantization. If a digital source is copied then the DAT will produce an exact clone, unlike other digital media such as Digital Compact Cassette or non-Hi-MD MiniDisc

    isto pra mim é chinês e gravei dados nestas coisas

    mas nunca pensei no princípio subjacente

    é o ó meu deus ó meu deus gravado 24 vezes numa hora

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  2. sxzoeyjbrhg,

    Tens razão. Eu tinha visto que foi no final dos anos 80 na página sobre a legislação, mas depois por alguma razão pus 70 em vez de 80. Espero que seja por ter nascido na década de 70 e não por Alzheimer's :)

    Obrigado pelo aviso.

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  3. "estava a lutar contra os interesses de empresas como a Phillips e a Sony. Hoje em dia, o lobby das editoras opõe apenas os interesses de pessoas como nós, sem dinheiro para comprar políticos"

    É o que nos acontece a todos com o novo OE e portagens nas SCUT (que nunca iam haver). Não há lobby que compre políticos que seja o dos muitos cidadãos anónimos, que podem ser esmagados sem grande resistência.
    Só não vão multar pessoas por cantarolar músicas do mercado porque seria demasiado escandaloso. E por outro lado se calhar... já o que se passa parece tão escandaloso e acontece na mesma.

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  4. DOIS PROBLEMAS DO LUDWIG:


    Como o copyright protege propriedade intelectual e a informação é uma criação intelectual, imaterial, separada do código e du suporte material em que se encontre, compreende-se que a propriedade intelectual proteja não um ou outro código ou suporte material, mas a informação em si mesma.

    Isto é lógico para qualquer pessoa racional.

    O problema do Ludwig, que se reflecte na sua discussão do código genético, é que a sua visão naturalista e materialista do mundo impede-o de compreender correctamente a distinção entre:

    1) uma ideia, conceito ou instrução operacional;

    2) o código em que ela se encontra vertida (v.g. sequências de letras, notas musicais, pontos e linhas, 0 e 1, nucleótidos) e que permite atribuir um signficado a uma determinada sequência;

    3) o suporte físico em que a informação e o código que a armazena e transmite se encontram vertidos (v.g. tinta, papel, fumo, electricidade, espectro electromagnético, células).

    Um outro problema do Ludwig é que nem todos têm a mesma dificuldade racional em compreender essas diferenças e em retirar daí as consequências lógicas, do ponto de vista autoral, relativamente à criação intelectual, seja ela divina, seja ela humana.

    Enfim, problemas de autodenominados macacos tagarelas...

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  5. Perspectiva

    Não se pode usar o direito de autor para o sw, é uma longa discussão mas a conclusão tem de ser essa, o direito de autor protege a obra e a criação, no caso do SW isso simnplesmente não é nada fácil de se identificar.

    qual é a ideia de um windows ?
    qual é a ideia de um word ?

    Ao proteger uma ideia como o word teria morto a possibilidade de outros processadores de texto existirem, isso não faz sentido nenhum.

    No fundo a questão é : que raios se deve proteger quando se fala de SW ?
    è que não pode ser a ideia uma vez que há mil maneiras de fazer a mesma coisa,

    Não pode ser o código fonte porque se for apenas este eu posso fazer o mesmo com outro código qualquer

    não pode ser o suporte físico porque isso é mesmo um disparate

    Pessoalmente é uma macacada de leis mal paridas mas enfim, com as questões musicais é ainda pior, haja paciência.

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  6. Um outro problema do Ludwig é que nem todos têm a mesma dificuldade racional em compreender essas diferenças e em retirar daí as consequências lógicas, do ponto de vista autoral, relativamente à criação intelectual, seja ela divina, seja ela humana.

    Enfim, problemas de autodenominados macacos tagarelas...


    Ahhh a ironia é tão grande...

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  7. Jónatas,

    Tanto eu como a maior parte dos casos em que a legislação é aplicada fazemos essa distinção. Uma coisa é a música como ideia, em abstracto, que não é propriedade de ninguém. Por isso pode cantá-la e pensar nela à vontade. Outra é a materialização, por exemplo na forma de uma pauta. A cópia mecânica da pauta é regulada (as fotocópias) e a sua distribuição, mas é legítimo copiá-la à mão, descrevê-la ou representar a música com outra codificação qualquer. E o papel e a tinta são de quem os comprarem -- esses sim a única propriedade no meio disto tudo.

    O problema é precisamente que, com representações digitais, este princípio de separar a liberdade das ideias, os direitos pessoais e a regulação do comércio está a ser ignorado, misturando-se tudo numa noção promiscua de "propriedade intelectual"

    Quanto à sua fantasia do menino Jesus ter criado todos os bichinhos em 6 dias, descansando depois por uns milhares de anos até nascer para ser crucificado, parece-me que não tem nada que ver com isto. Mas os caminhos da fé são misteriosos, tortuosos e, geralmente, ridículos, por isso até pode ser que haja alguma relação...

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  8. Ludwig

    O problema do copyright é um problema puramente político. A decisão política correcta é aquela que melhor traduza um equilíbrio adequado entre os diferentes valores e interesses em jogo. É esse o dilema. Até agora era possível respeitar mais ou menos o copyright porque o copyright era tecnologicamente defensável. A partir do momento em que a defesa do copyright implica uma defesa tecnológica que ameaça outros valores (como a privacidade) existe uma necessidade de equilibrio. Sucede o mesmo com qualquer direito de propriedade. Se, em resultado de inovações tecnológicas fosse possível roubar carros das fábricas facilmente, em total anonimato, sendo a única possibilidade de defesa matar os assaltantes, a lei conheceria um problema parecido com o do copyright.

    PS. Outro assunto completamente diferente. Como escrevi um post em que apareces mencionado sinto-me no dever de te informar. O post é este http://sofcat2010.blogspot.com/2010/10/possibilidade-de-escolher-o-amor.html

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  9. Sofrologista,

    «O problema do copyright é um problema puramente político. A decisão política correcta é aquela que melhor traduza um equilíbrio adequado entre os diferentes valores e interesses em jogo.»

    De acordo. No entanto, é-nos apresentado por estes lobbies como sendo algo a defender a todo o custo. Como se a venda de CDs fosse mais importante que o acesso à internet e o direito de comunicar sem censura.

    «Sucede o mesmo com qualquer direito de propriedade.»

    O copyright não é, nem nunca foi, um direito de propriedade. É sim um monopólio legal que pode ser transaccionado e, por isso, enquanto direito é propriedade porque é um direito que pode ser comprado ou vendido. Mas não é um direito de propriedade -- é temporário e não torna ninguém dono de coisa nenhuma.

    «Se, em resultado de inovações tecnológicas fosse possível roubar carros das fábricas facilmente, em total anonimato, sendo a única possibilidade de defesa matar os assaltantes, a lei conheceria um problema parecido com o do copyright.»

    Isso seria relevante se o que estava em causa fosse roubar músicas ou software. Esse crime deve ser punido, estou de acordo. No entanto, a característica fundamental do roubo é que priva o proprietário legítimo da coisa que lhe é roubada. Ora, se eu copio um CD, ninguém fica privado de um CD e muito menos da música que lá está contida.

    Pense então que uma inovação tecnológica nos permitia copiar pratos e talheres livremente. Seria justificado prender quem o fizesse só para proteger o comércio de utensílios de cozinha? Eu julgo que não.

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  10. PS: quanto ao post, tentarei lê-lo assim que tiver tempo. Obrigado pelo aviso.

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  11. Caro Ludwig

    O direito de propriedade é uma convenção. Existirá (há quem diga que não) um núcleo fundamental (jusnatural) de direito de propriedade. Depois, o seu conteúdo varia em função dos interesses e valores em presença. O direito a ser proprietário de casas, fábricas, terras, dinheiro, tem limites que por vezes são drásticos (impostos, proibições de direito à propriedade, expropriações e outros limites. Esses limites são puramente políticos.

    PS. Obrigado pela "futura tentativa" :)

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  12. Caro direito de propriedade, cê é uma convenção.

    Existirá (há quem diga que não) um núcleo fundamental (jusnatural) de direito de propriedade, índios brasileiros durante 20 mil anos e depois quem os conseguir matar mais depressa herda o dito direito.

    Depois, o seu conteúdo varia em função dos interesses e valores em presença, sempre subjectivos e territoriais como todos os direitos dos animais


    O direito a ser proprietário de casas, fábricas, terras, dinheiro, tem limites que por vezes são drásticos (impostos, proibições de direito à propriedade, expropriações e outros limites.


    Esses limites são puramente políticos tal como o direito de propriedade
    seu avô comeu o meu...seu avô comeu os direitos de propriedade do meu avô e se alicerçou senhor de gerais minas e mineiros
    de corpos e almas

    PS. Obrigado PSD obrigado CDS obrigado pelos submarinos podiam ter sido amarelos

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  13. Tudo pode ser provado com a Bíblia
    por exemplo que Deus não existe
    por exemplo que o Diabo manda mais
    por exemplo que Deus
    é masculino e feminino ao mesmo tempo
    ou que a Virgem era doidivanas
    basta saber um pouco de hebreu
    para poder lê-la no original
    e interpretá-la como deve ser
    é questão de análise lógica

    têm razão os amigos cépticos
    tudo pode ser provado com a Bíblia
    é questão de saber baralhá-la
    é questão de saber adulterá-la
    é questão de saber esquartejá-la
    como quem esquarteja uma galinha:
    tragam mais uma dúzia de cervejas!

    Nicanor Parra, in Nuevos Sermones Y Prédicas Del Cristo De Elqui

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  14. Site da ACAPOR atacado

    Site da ACAPOR atacado e base de dados de emails violada!
    A Associação do Comércio Audiovisual de Portugal (ACAPOR), tem como finalidade contribuir para o progresso do mercado do Audiovisual, designadamente no que concerne ao mercado do aluguer, promovendo e apoiando a realidade dos seus associados nos domínios económico, social e profissional foi atacada e o seu site desfigurado por solicitar bloqueio ao The Pirate Bay!

    Há umas semanas, esta associação que representa os clubes de vídeo portugueses, deu inicio a um procedimento administrativo com vista ao bloqueio do acesso ao site “The Pirate Bay” através de território português.

    Esta associação reclama que o The Pirate Bay é directamente responsável por 15 milhões de downloads ilegais, por ano, em Portugal, contribuindo para perdas significativas de receita por parte dos seus associados. Assim, requerendo este bloqueio, a associação acredita que os downloads ilegais irão diminuir,contribuindo para um aumento de receita dos clubes de vídeo.

    A algumas horas, a página principal do site foi desfigurada, apresentando esta mensagem, da Operação Payback. Para piorar a situação, após alguns segundos o site é redireccionado para a página do The Pirate Bay.

    Para além da queixa contra o The Pirate Bay, a ACAPOR também anunciou uma queixa separada contra o Piratatuga.net, um site que aponta para vários filmes, jogos e álbuns de mística alojados em sites terceiros. Com cerca de 50.000 visitas portuguesas por dia este site é popular em portugal, tal como o Pirate Bay, revelou a ACAPOR.

    Fonte: Peopleware (http://pplware.sapo.pt/informacao/site-da-acapor-atacad)

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  15. sxzoeyjbrhg,

    Yup. Acho mal, mas desaprovo com um sorriso na cara :)

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