terça-feira, maio 18, 2010

UMAR contra a maré.

No passado dia 10 a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) distribuiu gratuitamente em Lisboa um boletim de protesto intitulado “i diário”. Representava um jornal com notícias obviamente falsas (as mulheres agora podem ser padres e até chegar ao papado, o fim das propinas, o perdão da dívida externa do Haiti e assim por diante) e pretendia chamar a atenção para vários problemas, entre os quais a discriminação sexual na Igreja Católica.

No dia 11 receberam um email da Sojormedia Capital SA, proprietária do jornal i, ameaçando uma queixa crime e alegando que «conceberam e distribuem um jornal intitulado "i diário". Jornal que toma várias posições contrarias à igreja católica em geral e de Sua Santidade o Papa Bento XVI.» A UMAR emitiu imediatamente um comunicado à imprensa esclarecendo que o seu boletim de protesto nada tinha que ver com o jornal i (2).

Mas no dia 12 dois inspectores da ASAE apreenderam todos os boletins da UMAR por crimes de contrafacção e uso ilegal de marca, impedindo a distribuição dos boletins no Porto como a associação tinha planeado.

Além da surpreendente rapidez com que esta nossa força policial correu ao auxílio da pobre empresa milionária e da indefesa Igreja, protegendo-as dos terríveis panfletos desta associação feminista, este caso aponta outro problema preocupante. A ASAE lida com a segurança das actividades económicas e alimentares. E ainda bem. Mas deve restringir-se a problemas de segurança e a actividades económicas e alimentares. Que intervenha quando nos vendem peixe estragado. Ou electrodomésticos contrafeitos que possam electrocutar alguém. Que actue em litígios entre agentes económicos e em casos de segurança económica e alimentar.

Mas a UMAR não estava a vender nada. Não é um agente económico nem pôs em perigo a segurança ou alimentação de ninguém. Os seus boletins eram um protesto político, um exercício de liberdade de expressão. Esses agentes da ASAE decidiram, ou foi decidido por eles, que a liberdade de expressão devia ceder perante o suposto perigo de se confundir um boletim fictício de protesto com um jornal que vende anúncios embrulhados em notícias. E isto só porque os nomes partilham uma vogal que, em princípio, é de todos. Não só me parece uma decisão errada mas, acima de tudo, é uma decisão que só deve ser tomada por um juiz num tribunal competente e nunca pelos fiscais das bolas de Berlim.

Este problema estrutural é difícil de resolver. Infelizmente, por cá só se luta pela “dignidade” quando “dignidade” quer dizer “mais dinheiro”. Há grandes manifestações contra o congelamento dos salários mas poucos se preocupam quando a polícia atropela os nossos direitos. Não só os da liberdade de expressão mas até da propriedade privada (3). Por isso duvido que seja desta vez que uma grande pressão popular mostra às forças policiais que deve proteger os direitos de todos e não os interesses dos mais ricos. Ou sequer dos mais pios.

Mas há outra possibilidade, mais ao meu alcance. E, quem sabe, talvez funcione. Hoje comprei o i para ver quais são as empresas que lá anunciam e que vendem alguma coisa. Gastei um euro, a ver se vale a pena. As três maiores parecem ser a Samsung mobile, o BES e a TMN. Procurei os contactos de imprensa ou relações públicas destas empresas e agora vou mandar-lhes uns emails para tentar sensibilizá-las e para comunicar que não vou ser cliente de quem anuncie no i enquanto a Sojormedia não se corrigir. Sei que estas empresas não têm culpa, nem o jornal i, mas é a única forma de persuadir os donos. E pode ser que mais gente alinhe nisto. Nem deve ser preciso muita gente. Basta um anunciante de peso se mudar para outro lado que a Sojormedia perceberá como atropelar os nossos direitos lhe sai do bolso. Empresas como estas não ligam aos nossos direitos, mas o bolso é sagrado.

Já agora, não faço isto por simpatizar em particular com a UMAR. Concordo com a luta pelos direitos das mulheres mas não conheço a UMAR e não sei se defendem o mesmo que eu. Mas isso não importa porque a liberdade de expressão não é só a liberdade de concordarem comigo. O que importa aqui é não deixar que quem tem dinheiro faça da ASAE outra PIDE.

E é uma experiência social importante. Se um dia estas coisas funcionarem, se quem abusar do poder económico levar um pontapé nos bolsos, pode ser que a nossa democracia passe finalmente a reger-se pelos votos de todos em vez de pelos euros e cunhas de alguns...

Deixo abaixo os contactos que encontrei (para pouparem um euro) e um exemplo de um email que enviei.

Samsung Mobile, relações públicas a cargo da Lift Consulting
TMN, Departamento de comunicação institucional: press@tmn.pt
Banco Espírito Santo, Contactos

«Exmos Senhores,

Escrevo-vos a propósito da publicidade à [...empresa...] publicada no jornal i, porque a Sojormedia, proprietária dessa publicação, recentemente tomou medidas repressivas e injustas contra a associação UMAR censurando um protesto político com a alegação que um boletim satírico gratuito de título “i diário” seria uma contrafacção do seu jornal. Reconheço que a [...empresa...] não é responsável por esta decisão da Sojormedia mas, como clientes dos serviços publicitários do jornal i, queria por este meio sensibilizar-vos para esta situação. Queria também comunicar a minha decisão de não adquirir produtos ou serviços anunciados no jornal i até que a Sojormedia decida respeitar a liberdade de expressão que a todos deve ser reconhecida numa sociedade democrática.

Grato pela vossa atenção e pelo reencaminhamento desta mensagem a quem julgarem apropriado.

Com os meus melhores cumprimentos [...]»


1- Público, UMAR “chocada” com queixa crime da Sojormédia depois de distribuição de boletim “i diário”
2- UMAR, Comunicado da UMAR - Exemplares do “i diário” apreendidos pela ASAE
3- Arrastão, Liberdade de expressão? Claro. Mas só depois de Sua Santidade ir embora.

12 comentários:

  1. muito justo já agora a BBC -que desde 4 November 2008 não publica mais destes
    http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/7708169.stm

    A Young Woman Recently Stoned to Death in Somalia First Pleaded for Her Life, a Witness has told the BBC.

    "Don't kill me, don't kill me," she said, according to the man who wanted to remain anonymous. A few minutes later, more than 50 men threw stones.geralmente dizem parvoices destas...

    Human rights group Amnesty International says the victim was a 13-year-old girl who had been raped....é um bom ponto a vitima tem mais simpatia se se disser teve sexo com um vizinho. neste caso era interessante para justificar intervenções dos abexins
    ahora nem por isso concordo
    E é uma experiência social importante. Se um dia estas coisas funcionarem, se quem abusar do poder económico religioso social
    ou do poder qualquer

    isto com a net podemos tudo

    infelizmente nem todos têm mail,enviam-se pedras para dar a mensagem

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  2. o que quis dizer é que quer venha a PIDE ou a gestapo desde que se mantenham os valores hedonistas da sociedade
    ninguém se mexe
    pode-se voar nas asas das palavras,mas são voos curtinhos
    para mau entendedor.1/2pal bas.

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  3. E se a ASAE começasse a verificar a hóstias antes de serem distribuídas na missa para ver se a farinha ainda estava dentro do prazo e já agora de caminho também se certificavam de que tinham sido "devidamente consagradas", sob pena de algum paroquiano estar a cometer algum "pecado" sem o saber. E que não se esqueçam de verificar também se a água é mesmo benta e não da outra!

    Esta malta não tem mais que fazer? Se fossem mas é pentear macacos ou dar banho ao cão. Ando eu pagar impostos para estas fantochadas.

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  4. Isto é tipo o "Inimigo Público". Se fecham o Inimigo, aí eu vou chatear-me a sério!

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  5. Ludwig,

    Desta vez tenho de discordar contigo. "i diário" foi uma escolha infeliz quando há um "jornal i". E a desculpa que não estavam a pensar no "Jornal i" quando inventaram o nome, não pega. É um nome pouco usual. Até achei o nome idiota quando lançaram o jornal.

    Concordo perfeitamente que a UMAR tem o direito de se expressar, e até posso concordar com as suas causas, mas se vão fazer um "jornal" com notícias falsas, o minimo que devem fazer é assegurar-se que ninguém o identificará com um jornal real.

    De modo que compreendo a queixa da empresa dona do jornal i, embora possa concordar que terão exagerado ao chamar a ASAE. E sem dúvida que concordo que a ASAE não devia ter agido sem ordem de um juiz. Não se trata de apreender peças de vestuário claramente contrafeito numa feira. Era uma associação sem fins lucrativos que fez um panfleto como parte de um protesto. E, segundo alega a UMAR, era um panfleto com formato e grafismo bastante diferente do "jornal i".

    Não conheço bem a legislação de marcas registadas em Portugal, pelo que não sei se haverá excepções para paródia, critica e actividades afins, como existe nos direitos de autor. Mas por tudo o que foi dito em cima esta questão merecia ser apreciada por um juiz que pesasse os interesses e direitos em jogo de forma mais ponderada. Sei que era uma situação urgente, mas para isso servem as providências cautelares.

    "i diário" foi uma escolha infeliz. Mesmo que não tenha sido intencional, arrastaram terceiros para o seu protesto.

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  6. Abobrinha,

    Sendo o Inimigo Público do próprio jornal Público, duvido muito que alguma vez o jornal se queixe. :)

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  7. Nelson,

    Eu estou de acordo com o teu comentário. Uma coisa que me preocupou nisto foi a rapidez (muito suspeita) com que a ASAE interviu. Se me venderem um frigorifico que dê choques elétricos e eu fizer queixa duvido que a ASAE vá logo no dia seguinte apreender tudo antes de alguém morrer electrocutado. A outra foi a decisão de pôr a marca registada à frente do direito de expressão ter sido tomada por um polícia em vez de um juiz.

    Quanto à questão de neste caso particular deverem ter escolhido outro nome ou grafismo, só poderia dar uma opinião subjectiva e teria de ver o boletim primeiro. Mas o importante para mim é que a liberdade de expressão é um direito muito mais fundamental que o da marca registada, e nenhuma empresa deveria poder censurar críticas invocando "contrafacção" sem uma análise mais responsável da situação.

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  8. A sequela costumeira: A UMAR queixa-se ao tribunal europeu dos direitos do homem, este condena Portugal a pagar uma multa, Portugal recorre porque não quer pagar, volta a ser condenado, tem que pagar mesmo, e os contribuintes portugueses têm nova conta à frente do nariz. Gostava que alguém alguma vez somasse os que os portugueses já tiveram que pagar em multas «europeias» só por causa violação dos (seus próprios) direitos fundamentais pelas autoridades.

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  9. O ATEÍSMO E O DEVER DE RACIONALIDADE

    A certa altura, nos seus posts, o Ludwig referiu-se a um dever de racionalidade a que, alegadamente, todos devemos estar subordinados.

    O problema do Ludwig é que, por causa da sua visão ateísta e naturalista do mundo, não consegue justificar racionalmente a existência desse dever de racionalidade.

    Em primeiro lugar, se o nosso cérebro é o resultado acidental de coincidências físicas e químicas torna-se difícil ter certezas sobre a nossa própria racionalidade.

    Não é por acaso que o Ludwig se autodescreveu como “macaco tagarela” quando é certo que o próprio Charles Darwin punha em causa a fiabilidade das convicções que os seres humanos teriam se fossem na verdade descendentes dos macacos.

    Em segundo lugar, se Universo, a vida e o homem são fruto de processos cegos, aleatórios e irracionais, não se vê como é que de uma sucessão naturalista de acasos cósmicos pode surgir qualquer dever, e muito menos um dever de racionalidade.

    Já David Hume notava o que há de falacioso em deduzir valores e deveres (que são entidades imateriais) a partir de processos físicos.

    O Ludwig é o primeiro a dizer que não existem deveres objectivos e que toda a moralidade é o resultado, em última análise, de preferências subjectivas arbitrárias.

    Na verdade, se a visão ateísta do mundo estiver correcta, quando afirma que o Universo, a vida e o homem forem o resultado de processos irracionais, a ideia de que existe um dever de racionalidade é, em si mesma, totalmente arbitrária, porque destituída de qualquer fundamento racional.

    O dever de racionalidade existe apenas se for verdade que o Universo e a vida foram criados de forma racional por um Deus racional que nos criou à sua imagem e semelhança e nos dotou de racionalidade.

    Apesar da corrupção moral e racional do ser humano, por causa do pecado, continuamos vinculados por deveres morais e racionais porque eles reflectem a natureza do Criador.

    Daí o dever de racionalidade.

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  10. Agora a Apple vai ter de processar o "jornal i" e o "i diario". É melhor a asae ir ja buscar todas as copias do jornal i para poupar tempo como da outra vez.

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  11. Perspectiva,

    Eu acho que couves de bruxelas vão muito bem com costeletas. Também vão bem com um peixe grelhado. Têm é de ser regadas com bom azeite.

    Por isso estás errado porque o guarda redes ainda tocou na bola antes desta sair.

    Mas a roupa da vizinha ainda não secou.

    O que prova que os ácaros não gostam de geleia.

    Que é o que o neo-ateismo diz.

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  12. Já seguiram os três e-mails e acrescentei um parágrafo, que transcrevo a seguir:

    Faço notar que o meu objectivo não é a defesa da associação UMAR, com a qual não tenho qualquer laço; é sim uma tentativa de alertar a [...empresa...] para o atropelamento dos nossos direitos e, especificamente, da liberdade de expressão. Como escreveu Evelyn Beatrice Hall, "posso não concordar com o que dizes mas defenderei até à morte o teu direito de o dizeres."

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