quinta-feira, abril 08, 2010

Treta da semana: Para o que vale, é caro...

A facilidade de partilhar e copiar informação digital levou a indústria de cobrança cultural à beira do precipício. E ontem à noite o governo Inglês deu um grande passo em frente, fazendo passar no Parlamento a sua proposta de Lei da Economia Digital, assim praticamente aprovada.

Esta proposta tem sido controversa tanto pelos efeitos, como permitir o corte do acesso à Internet, facilitar a censura e banir redes Wi-Fi abertas, como pelo processo de aprovação. O Parlamento inglês está prestes a ser dissolvido, tendo sido já anunciadas as eleições gerais, e nesta altura há menos escrutínio e participação nas actividades legislativas. Dos 650 membros do Parlamento só 236 votaram ontem, e poucas dezenas participaram no debate que durou apenas duas horas. A fotografia da sessão, publicada no Guardian, mostra bem o interesse dos legisladores (1):

Multidão

Entre outras coisas, esta lei contempla a criação de regulamentos que permitam bloquear «uma localização na Internet que o tribunal julgue ter sido, estar a ser ou poder vir a ser usada para, ou em ligação com, uma actividade que viole direitos de cópia.» Ou seja, tudo. Seria de esperar uma linguagem mais rigorosa e específica dos legisladores. É claro, neste caso têm desculpa, porque foram as discográficas que escreveram a lei (2)...

Este sistema de restrições e monopólios que os distribuidores têm imposto está totalmente desligado da nossa cultura. No quotidiano não vemos a troca de ideias e informação como transacções de propriedade. Contratamos um explicador para explicar e não para licenciar o uso de uma matéria. Não pagamos por uma anedota que nos contam, por uma receita ou por cada jogada de Xadrez. Desde a mais tenra infância que copiamos tudo, da língua à forma de vestir, chamamos-lhe aprender e até dizemos aos nossos filhos que é algo de grande valor.

Porque é. Foi essa vontade de copiar ideias, informação e criações, e a vontade de as partilhar com os outros, que nos fez inventar a linguagem e que nos deu toda a civilização. A proibição da partilha e tratar ideias como propriedade são restrições desumanas, tão estranhas que nem os governos e organizações que empurram esta legislação a respeitam.

Em Espanha, o canal de TV VEO 7 reuniu dados mostrando que em praticamente todos os ministérios e organismos do governo havia computadores a partilhar ficheiros. Incluindo no Ministério da Cultura, que está a preparar a legislação pedida pelas editoras (3). Os dois maiores partidos do Reino Unido, um que propôs e o outro que deixou aprovar a proposta da Lei da Economia Digital, usaram para a campanha eleitoral uma imagem da BBC sem autorização dos detentores dos direitos (4). Sarkozy implementou na França a legislação mais restritiva da Europa (até agora), mas usou nos vídeos da campanha eleitoral uma música de uma banda Canadiana sem a devida autorização. E depois ofereceu 1€ (um euro, está bem escrito) como “recompensa simbólica” para a banda retirar o processo que tinham movido contra o partido (5). A própria HADOPI, a autoridade francesa que fiscaliza as violações de copyright, usou no seu logótipo um tipo de fonte sem autorização do criador (6), e a Sony BMG foi apanhada a usar software pirateado (7).

Em pouco mais de um século passou-se da concessão de um monopólio de 14 anos sobre a venda de material impresso a um copyright de uma vida e várias décadas, que cobre tudo e que acrescenta restrições ao uso, à transformação, à distribuição e ao acesso. Julgo que isto só foi possível porque passou despercebido. E porque nunca votámos isto, nem em programas eleitorais nem em referendos. Foi tudo decidido em acordos internacionais, em salas fechadas, entre representantes de empresas com bolsos cheios e representantes de governos com bolsos para encher. E, ainda hoje, uma grande parte do eleitorado não se rala porque não lhes faz diferença. Na prática, esta avalanche de leis tem tido pouco impacto.

Até agora. Leis como esta já vão fazer diferença a muita gente que, mais cedo ou mais tarde, há de votar em partidos que deixem de criminalizar e punir o que todos fazemos. E que temos o direito de fazer. O direito de usufruir, partilhar e participar na cultura em que vivemos. Por isso, a longo prazo, o pior talvez nem seja o atropelo destes direitos. Talvez o efeito mais nefasto disto seja a imagem que dá do processo legislativo.

Uma geração vai crescer com a ideia que as leis não têm nada que ver com certo e errado, que servem apenas os interesses de quem tem dinheiro e que os legisladores não representam os eleitores. Mais do que o custo de fiscalizar, restringir os nossos direitos e intrometerem-se na nossa vida privada, estas tentativas de salvar pela lei um negócio sem futuro estão a minar a pouca confiança que ainda temos no nosso sistema político. Vai sair caro, este subsidio à venda de Spice Girls e Tonis Carreiras.

Via TorrentFreak, e obrigado ao leitor que me enviou um email com a notícia.

1- Guardian, Digital Economy bill: liveblogging the crucial third reading
2- Cory Doctorow, Guardian, Is the music industry trying to write the digital economy bill?
3- TorrentFreak, Piracy Rampant Among Spanish Government Officials
4- The Russian Photos Blog, UK Digital Economy Bill Turns To Ashes, via ZeroPaid
5- CBC News, MGMT 'insulted' by €1 offer from Sarkozy's party, via ZeroPaid.
6- ZeroPaid, French “Three-Strikes” Agency Logo Violates Copyright
7- ZeroPaid, Sony BMG Sued for Software Piracy – Assets Seized

6 comentários:

  1. Este foi o melhor que ja escreveste sobre este tema. Está claro, nota alguns problemas que eu tambem concordo e não encontro nenhuma inconsistencia na exposição. Existem claramente problemas com o modelo actual. Não sei é se justifica acabar com ele.

    Para mim foi tambem o mais persuasivo sobre este tema, mas só a prova empirica me faria mudar de ideias neste momento.

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  2. João,

    A prova empírica de quê?

    Às vezes parece-me que estamos a discutir se um modelo ou outro vai dar mais ou menos 10% nos rendimentos de cantores e directores de cinema quando o que está em causa é se queremos o direito legal de trocar ficheiros ou se queremos a polícia a ver todos os bits que enviamos uns para os outros...

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  3. Se acabares com o copyright vais ter menos uma maneira de sustentar a criatividade e a produção. De resto fica tudo igual. Hoje há mais escolha. Se deixar de haver grandes retornos duvido que continuem os grandes investimentos.

    Quanto à vigilancia da rede, isso é outro assunto. Os servidores de internet ja fazem isso, os serviços de procura, estamos a viver num mundo em que a pegada digital é um facto. Não há maneira de acabar com isso.

    Devemos no entanto lutar pelo direito a que essa informação seja confidencial dentro de determinados limites e que não nos cortem a internet sem um julgamento decente. Acho que são problema separados tambem.

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  4. Em Itália (quem diria?) a agência reguladora das comunicações concluiu que os alegados prejuízos da pirataria são exagerados (duhhh), e que por isso a repressão e vigilância são inconstitucionais, desnecessárias e danosas. Mais ainda nota que as proibições e castigos foram totalmente ineficazes até agora, e aponta a legalização como melhor caminho (outro grande duhhh).
    http://translate.google.com/translate?hl=en&sl=it&u=http://blog.tntvillage.scambioetico.org/%3Fp%3D5359&prev=/search%3Fq%3DFIMI%2Bmaroni%26hl%3Den%26safe%3Doff&rurl=translate.google.com&twu=1

    Talvez mais surpreendente ainda, o ministro do interior italiano admitiu sacar músicas da net, rejeita a comparação ao roubo e faz um paralelo à cópia de CDs para os amigos.
    http://torrentfreak.com/ifpi-upset-as-italian-minister-admits-hes-a-file-sharer-100413/

    Nos EUA, o Government Accountability Office, encarregado por lei em 2008 de "quantificar os impactos dos bens contrafeitos e pirateados" concluiu também que os prejuízos de biliões alegados pelas diversas industrias são treta, e referiu até os potenciais efeitos benéficos (como a experimentação que leva à compra).
    http://techdirt.com/articles/20100412/2346298988.shtml

    Também recomendo esta resposta do Mike Masnick a um post no blog da RIAA que continua a insistir que sem a venda de música através das editoras os músicos não conseguem ganhar dinheiro. :)
    http://techdirt.com/articles/20100412/0105578962.shtml

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  5. É pá estou fulo e tb dido.
    Então não é que vou à Fnac passeio entre os livros e tento-me à secção de jogos de PC. Escaldado como estava por causa do Fallout 3 que ainda não consegui jogar e desisti de ter esperança de o vir a fazer pelo menos nesta máquina, descubro um empire total war a olhar para mim a um preço mais ou menos aceitável.
    Compro e aproveito o descanso do dia de hoje para o vir experimentar.
    Primeiro vejo dois DVDs o que não me inspirou muita confiança, ou muita imagem ou má programação, seja avancei.
    Pede a sacramental ligação para se activar e mais meia hora de seca a copiar ficheiros para o disco.
    Mas acaba mais 20 minutos de actualizações. Como a minha ligação é de 20Mb presumo que seja o servidor dos meninos que é uma valente merda.

    Continuo, abro e é lento a abrir, torci o nariz , jogo uma batalha e os gráfico são lentos e por padrão mete-me as definições em 1280.
    Mas ainda fui gostando, o pior é que quando abri o modo de campanha o mapa fica todo cheio de artefactos e crasha.

    Comecei a dar coices, então ??? fui ver a foruns, desisti, está aqui está no lixo e vou ver a que posso pedir o dinheiro de volta, resumindo:

    tem problemas com as placas gráfica Nvidia enfim, tem problemas com isto com aquilo , crasha por causa de problemas com o Steam que é a merda que me OBRIGA a usar para activar o programa e tudo isto quando se fosse buscar o pirata ficava com as mesma funcionalidade e 30 euros mais rico.
    Para isto badaberda, vão roubar o cara....
    Irra assim não dá. Quer dizer para evitarem sem sucesso que se copie castigam os desgraçados que compram. Esperem sentados que vou ali e venho já já a seguir comprar o Napoleon Total war, é já mesmo a seguir

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  6. Nuvens,

    É por essas e por outras que é muito raro o jogo que compre sem ter jogado primeiro. :)

    Mas quando gosto... compro mesmo!

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