sexta-feira, outubro 16, 2009

Incentivar a inovação.

A função das patentes é compensar e incentivar o investimento em investigação e desenvolvimento concedendo um monopólio sobre a exploração. É uma boa ideia quando o negócio compensa à sociedade. Ou seja, quando é mesmo preciso que a sociedade financie a inovação e o custo de conceder o monopólio é inferior ao de outras formas de financiamento. Se não for esse o caso a patente é um mau negócio para a sociedade. Inibe a inovação e a concorrência e paga caro algo que custa, ou vale, pouco. Por isso não se devia conceder patentes a qualquer inovação, mas apenas àquelas que justifiquem este investimento da sociedade, que compensem o custo de oportunidade de monopólios que inibem outras inovações e que não possam ser financiadas de outra forma.

Um exemplo de uma patente que não devia ter sido concedida é esta da Google, para «Um sistema incluindo um data-center montado numa plataforma flutuante, consistindo numa pluralidade de unidades de computação, um gerador baseado no mar em ligação eléctrica com a pluralidade de unidades de computação, e uma ou mais unidades de arrefecimento com água do mar para refrigeração da pluralidade de unidades de computação»(1). Ou seja, ter computadores em algo que flutue ou perto do mar. Se alguém usar um barco, plataforma petrolífera, ou mesmo uma casa à beira mar para ter um data-center tem de pagar à Google. Isto é um mau negócio para a sociedade porque em vez de pagar o esforço de inovar serve apenas para obstruir a concorrência. Este tipo de concessões está a tornar-se cada vez mais comum, grave e absurdo por causa da popularidade crescente de duas ideias erradas.

Uma é a propriedade intelectual, a ideia que ideias têm dono. A justificação principal para a propriedade é proteger cada um de ser privado daquilo que tem. Da camisa, do carro, da casa onde vive. Algo que deixe de ter se outro passar a tê-lo. Por isso é que não precisamos de leis de propriedade para palavras, números, costumes, tipos de nós e combinações de cores na roupa que vestimos. Todo o sistema de ensino, toda a nossa cultura e civilização funcionam por ser desnecessário tratar ideias como propriedade. Na verdade, tratar as ideias como propriedade é a única maneira de deixarmos de ser donos do que pensamos, dando o poder legal a outros de nos vedar o acesso a informação pública.

A outra ideia errada é que a obrigação de pagar vem do usufruto em vez de ser consequência dos custos que impomos aos outros ou daquilo que prometemos dar em troca. É como se me sentar no meu quintal à sombra da árvore do vizinho me obrigasse a pagar-lhe o mesmo que se o tivesse contratado para plantar a árvore. A remuneração pelo usufruto, por si só, não faz sentido. E estas ideias transformam o comércio em extorsão. Aquilo que devia ser uma interacção voluntária na qual ambas as partes dão algo torna-se um acto coagido em que uma das partes é forçada a pagar e a outra não dá nada em troca.

As patentes e o copyright não devem ser vistas como um direito de propriedade ou um dever de quem usufrui. São um incentivo e uma forma de pagar o investimento na inovação. Por isso deve ser concedidos apenas quando estes monopólios forem uma forma necessária de financiamento e quando a inovação resultante justificar o custo, que inclui não só o que o consumidor paga mas também o sistema legal e os obstáculos à criatividade, divulgação cultural e livre concorrência. Anedotas, receitas, canções, histórias, filmes ou lembrar-se de pôr os computadores num barco ficam muito abaixo dessa fasquia.

Obrigado pelo email com a ligação para a patente.

1- US Patent and Trademark Office, United States Patent Application 20080209234, Water-Based Data Center

11 comentários:

  1. Posso ter dúvidas quanto à última frase (não quer dizer que discorde, só não estou certo que concorde), mas subscrevo inteiramente o resto do texto.

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  2. Por causa dos filmes, sim. Mas nota que, para os filmes, se o estado comparticipar os bilhetes de cinema temos um investimento muito mais eficiente e com muito melhor resultado do que pagar a ASAE para andar a vigiar a partilha de ficheiros, proibir a cópia dos DVD e assim por diante.

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  3. Está um pouco fora de tópico, embora esteja dentro do tema tecnologia e protecção. Inclui ligação para o artigo fonte.

    Kaspersky defende passaporte para Internet - Exame Informática.

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  4. O passaporte de internet é uma treta. Na prática, só se consegue autenticar com fiabilidade aquilo que está presente. Um passaporte funciona porque a pessoa que identifica está lá, e é presa se detectarem alguma falha. Um passaporte electrónico é treta, visto que para o falsificar basta fingir que se é a pessoa (usar a mesma password, copiar os dados biométricos, etc).

    O que se pode autenticar na net são as transacções. Numa comunicação encriptada sabemos que aquele que está do outro lado tem os certificados certos. Agora, se é a pessoa que diz ser ou não é outra coisa...

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  5. Ludwig:

    Estou de acordo com o exemplo do texto. Acho que ha praticas abusivas. Outro exemplo que poderias ter juntado aqui é o da patente de sequencias de genes. Algumas que existem livres na natureza pelo que sei, nem foram criadas do zero.

    Não mudei de opinião mas acho que tens razão no ponto em que da maneira actual o detentor dos direitos esta em privilegio em relação à sociedade, e a coisa devia beneficiar ambos da melhor maneira possivel.

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  6. Ludwig,

    «O passaporte de internet é uma treta. Na prática, só se consegue autenticar com fiabilidade aquilo que está presente.»

    Não sei se é ou não, mas se for uma treta, pelo menos é um degrau a mais na segurança da internet, o que concretamente restringe o grupo de pessoas a furar o sistema de segurança, e, estatisticamente, se reduzo o número de pessoas que é capas de furar a coisa, mesmo que ela seja furada, pelo menos tenho menos probabilidade de ser afectado, por isso essa coisa de dizer que é treta por poder ser furado é uma perspectiva que a ser proferida sem contexto leva a uma conclusão errada. E tanga no ponto de vista da invulnerabilidade do sistema mas não o é nos efeitos práticos a nível do terreno. Parecendo-me aqui que há algum enviesamento na tua analise neste ponto em específico, até que o passaporte usado de forma presencial há muito que não é garante de infalibilidade, mas esse facto restringe as burlas, sendo mais difícil a burla e assim sumindo a escala da dificuldade para se aldrabar, mas não vou dizer que de nada serve só por que é aldrabável.

    Por exemplo: se não houvesse protecção à copia em CDS/DVDS ou o Software só necessitasse de passwords sem mais validações, a pirataria seria muito maior, e acho que não estou no campo do Wishful thinking...


    Mas nem era isso que eu queria focar, mas sim o facto da rede Web não estar de base feita para ser utilizada da forma que é, algo que sempre me ocorreu e que poucas vezes vi expresso pelos responsáveis de segurança (provavelmente não lhes interessa), uma estratégia global e profunda seria necessária para que esta tanga de termos mil e um sistemas a chupar recursos dos nosso computadores e andarmos em pezinhos de lã de cada vez que queremos fazer uma transacção na Internet é uma estopada que já enjoa, além de termos que estar minimamente actualizados sobre estas matérias. Sendo o que eu queria focar no artigo é que às custa da nossa privacidade se quer dar mais segurança. Mas também não sei que formas alternativas eficazes poderiam ser implementadas. Policiamento na Internet? Se há no mundo real, constatando-se a sua inegável utilidade, porque não no mundo virtual de forma mais institucionalizada? Aplicado concretamente às burlas, ameaças electrónicas e afins, não ao controle de blogues genéricos mas por exemplo: ao controle de como fazer armas químicas ou de outro tipo.

    Um facto é que a infraestrutura parece não estar adequada ao uso que lhe é dada, e tudo não tem passado de remendos, não tendo havido medidas que segurança que se possam considerar espectaculares.

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  7. Ludwig,

    «Numa comunicação encriptada sabemos que aquele que está do outro lado tem os certificados certos»

    Mesmo há pouco tempo vi na TV, ainda esta semana, uma notícia que referia que tinham parecido documentos assinados digitalmente por altos cargos da justiça sem que eles efectivamente tenham sido assinados por eles.

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  8. Ludwig, penso que lhe interessará ouvir o que Joseph Stiglitz pensa sobre este tema: http://portudo-e-pornada.blogspot.com/2009/10/premios-nobel-alguem-os-ouve.html

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  9. ASSOFT diz que – Magalhães são uma “fábrica de piratinhas”

    Os portáteis Magalhães, que estão à venda nas lojas e a ser distribuídos nas escolas do ensino básico, são “uma fábrica de piratinhas”. A crítica é de Manuel Cerqueira, presidente da Associação Portuguesa de Software (ASSOFT), um grupo que reúne as subsidiárias em Portugal de grandes multinacionais como a Microsoft e a Adobe, e do qual faz parte a própria JP Sá Couto, empresa responsável pelos Magalhães.

    Ler o resto aqui: http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1405539

    ASSOFT => Bando de "assholes". Nem os putos escapam à sanha persecutória desta cambada de grunhos!

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  10. "É uma boa ideia quando o negócio compensa à sociedade. (...) Se não for esse o caso a patente é um mau negócio para a sociedade. Inibe a inovação e a concorrência e paga caro algo que custa, ou vale, pouco."

    Parece-me que existe uma falácia nesta última frase. Como é que a sociedade paga caro por se ver privada de algo que vale pouco? A sociedade paga o valor daquilo de que se vê privada. Se vale pouco, paga pouco! Porque é que te chateia o Google patentear uma coisa tão ridícula como um "Water-Based Data Center"? Será que é assim tão ridículo? Se é porque é que alguém se deu ao trabalho de patentear?

    É muito difícil "a sociedade" saber à priori qual o custo e qual o valor de uma inovação. Uma patente é uma garantia de que quem vai implementar a inovação consegue recuperar o investimento. Não havendo essa garantia corre-se o risco de não termos inovação; que tem um custo maior que o da existência de um monopólio temporário.

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  11. rbelo,

    «Parece-me que existe uma falácia nesta última frase. Como é que a sociedade paga caro por se ver privada de algo que vale pouco? A sociedade paga o valor daquilo de que se vê privada.»

    Para privar as pessoas de partilhar música de graça não se paga apenas o valor da música que as pessoas deixam de ter de graça. Paga-se também o policiamento das ligações de internet, as investigações e julgamentos, os juízes e a maior morosidade da justiça sobrecarregada com processos que só servem para privar as pessoas de partilhas música de graça.

    Isso é um preço grande demais só para impedir que as pessoas tenham um mp3 do "nós pimba" ou algo do género.

    O que está em causa aqui é o preço de proibir.

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