sábado, maio 09, 2009

Condenar por suspeita.

Uma forma prática de multar quem usa telemóvel na autoestrada seria cruzar a informação da Via Verde com as chamadas registadas pelas operadoras. Em alguns casos poderia ter sido outra pessoa a usar o telemóvel ou a chamada ter sido feita numa estação de serviço mas, em média, apanhava-se muitos infractores. Seria prático mas inaceitável. Multar milhares de pessoas sem provas conclusivas perdoando apenas quem provasse a sua inocência em tribunal seria extorsão e não justiça.

É isso que está a fazer a Constantin Film AG, uma empresa alemã de produção e distribuição cinematográfica. Recolheram dez mil endereços IP e obtiveram a identificação das pessoas a quem estavam atribuídos esses endereços no momento em que os associaram a ficheiros em partilha. Agora estão a enviar cartas a pedir 800€ a cada pessoa, ameaçando processar quem não pagar. Já enviaram quinhentas.

Um endereço IP é um número que identifica o destino de um pacote de dados transmitido na Internet. Mas não é uma morada física. Na maioria dos casos é atribuído dinamicamente quando um utilizador se liga ao seu ISP. Quando se desliga, o seu IP fica disponível e é atribuído a outro computador que se ligue mais tarde.

Os problemas são análogos aos daquele processo hipotético para multar condutores. O nome associado a um IP é o nome de quem paga a conta. Não identifica quem partilha o ficheiro, tal como o registo de chamadas não identifica quem usou o telemóvel. E os endereços IP são obtidos das listagens fornecidas pelos trackers, que guardam cada endereço IP de onde recebem pedidos acerca de um ficheiro em partilha. Mas nada garante que o endereço ainda esteja atribuído ao mesmo computador quando o tracker, mais tarde, o fornece a outros.

Além disso não é claro que haja alguma infracção. O endereço é registado pelo tracker assim que o ficheiro é pedido. Não é preciso que o ficheiro seja descarregado, todo ou em parte, e não é preciso que seja transmitido a outrem. E mesmo quando um fica em partilha, muitas vezes não é enviado mais que uma pequena fracção do ficheiro, o que pode não constituir infracção. Até no blog do MAPiNET reconhecem como o IP é uma prova insuficiente.

«A “Constantin Film AG”, uma grande produtora de filmes alemã, que produziu por exemplo a trilogia de “Resident Evil”, tem na sua mão 10 000 nomes de suspeitos que conseguiu obter dos ISPs e já mandou 500 cartas a pedir 800 euros a cada um por compensação por prejuízos causados pela partilha ilegal.»(2)

Como esta empresa pode contratar mais advogados que qualquer uma das suas vítimas, e como é difícil vencer um julgamento por menos de 800 euros, muitos dos visados optarão por pagar em vez de se defenderem em tribunal. Mesmo sendo apenas suspeitos e mesmo sendo as provas meramente circunstanciais. Casos como este, e reacções como as do MAPiNET, demonstram que os distribuidores não estão a defender direitos morais, justiça ou sequer a criatividade artística. Aos olhos desta gente basta uma suspeita para exigir 800€. Porque o que os move é só a ganância. Enquanto lhes dermos leis que possam abusar vão extorquir o máximo que conseguirem.

1- Zeropaid, German Movie Studio Demands $1064 from File-Sharers
2- MAPiNET, Na Alemanha 500 downloaders já foram notificados para pagarem 800 euros

9 comentários:

  1. "Uma forma prática de multar quem usa telemóvel na autoestrada seria cruzar a informação da Via Verde com as chamadas registadas pelas operadoras. Em alguns casos poderia ter sido outra pessoa a usar o telemóvel ou a chamada ter sido feita numa estação de serviço "

    BLIN RATE do LK = 100 LIN/seg.
    Bastante fraco!

    Bastava uma testemunha em tribunal alegando que usava kit de "mãos livres"!

    (Mas, quanto ao absurdo do tema, concordo com o LK. Estamos a passar a fronteira do inaceitável!)

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  2. Mário:

    Por enquanto, diz a noticia:
    "De sublinhar que os dados em questão são dados de tráfego e localização relativos a pessoas singulares ou colectivas e outros dados conexos necessários para identificar o assinante. Não se incluem informações relativas ao conteúdo das comunicações. "


    Ainda há por aí quem ne chame fascista!!!
    Olhem a vossa UE (9 de maio é dia da "europinha")!

    Eu sempre fui anti "europeista"!

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  3. Mário Miguel10/05/09, 03:46

    Zeca,


    «Ainda há por aí quem ne chame fascista!!!»E devias acrescentar: "e com toda a razão".

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  4. Zeca,

    "Eu sempre fui anti "europeista"!"Você tem de facto o perfil de ser anti. Gosta de estar do contra por estar. Ou seja, é anti- qualquer coisa, só para dar nas vistas.

    Aqui, é anti-ateu, mas aposto que escreve em blogs cristãos dizendo-se anti-cristão, certo?

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  5. Mário Miguel,

    «Operadores Preparam-se Para Fornecer Dados de Clientes à Justiça.»Cá em Portugal talvez seja bom isto finalmente ter saído.

    Considera este cenário que apresentarei como meramente hipotético à cautela e para proteger as fontes. O inspector da PJ telefona ao ISP a pedir a identificação de um cliente. O ISP responde que só pode dar essa informação se houver um mandato assinado pelo juíz. O inspector diz que se não dão a informação ele vai arranjar um mandato para isso e mais uma data de coisas, confiscar máquinas, etc. Então o ISP dá a informação mesmo sem mandato.

    Pode ser que com esta regulação a coisa sempre fique menos vulnerável aos caprichos de quem tem de cumprir quotas de apreensões para progredir na carreira...

    O que temos de ter atenção é que isto seja mesmo só usado para crimes sérios (por exemplo, o tal limite de mais de três anos de cadeia) e que copiar mp3 não seja posto ao nível do terrorismo ou contrabando de armas.

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  6. Não sei como se pode produzir prova relativamente ao conteúdo dos pacotes que foram descarregados, porque estes podem conter material de qualquer tipo, legal e ilegal.

    Sem acesso à máquina não me parece razoável determinar-se se o download é ou não é ilegal. Por outro lado um mandato de busca para downloads é o cenário que estou farto de dizer ser uma parvoíce de primeira.

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