sexta-feira, abril 24, 2009

Um mar de piratas.

Na última semana os fundadores do Pirate Bay foram condenados a um ano de prisão e a pagar três milhões e meio de dólares (1). Por um juiz que é membro de várias organizações de defesa de copyright, às quais também pertencem os advogados da acusação (2). A seguir à sentença a IFPI exigiu a vários ISP suecos que bloqueassem o acesso ao Pirate Bay, o que estes recusaram (3), e alguém criou o Pirate Google (4), um site onde se encontra o mesmo que no Pirate Bay mas usando apenas o Google.

Com o julgamento, a sentença e, agora, o imbróglio com o juiz, o número de militantes do Partido Pirata sueco (5) duplicou para mais de 30 mil. Popular entre os jovens num país com uma abstenção típica de 73% nas eleições europeias é possível que consiga os 4% de votos necessários para eleger um deputado ao Parlamento Europeu (6). Não se vai tornar uma grande força política, mas este crescimento certamente chama a atenção dos outros partidos.

No Parlamento Europeu, o Comité para a Indústria, Investigação e Tecnologia adoptou uma emenda à directiva sobre telecomunicações, proibindo privar alguém de acesso à Internet sem o devido processo judicial (7). Rejeitam assim a “solução” francesa de cortar a Internet ao terceiro aviso, pelo alegado crime de copiar números, sem supervisão judicial, presunção de inocência ou direito de defesa. Mas como a quota das que dão no cravo não pode ultrapassar as dadas na ferradura, o Parlamento Europeu aprovou também a extensão do copyright sobre gravações de 50 para 70 anos (8). O raciocínio parece ser que 50 anos é pouco incentivo para gravar discos novos. Os vinte anos seguintes são cruciais para a criatividade dos octogenários.

Mais discreto foi o que aconteceu no Mininova, um tracker e fórum semelhante ao Pirate Bay (e que celebrou recentemente oito mil milhões de dowloads). Um utilizador do fórum criou um torrent duma actuação do cómico Louis CK. Pouco depois, o Louis CK comentou no fórum que não tinha nada contra a partilha de ficheiros mas pedia que retirassem aquele porque era um trabalho em curso que ele não queria distribuir inacabado. O próprio autor do torrent retirou-o e pediu aos administradores que o eliminassem do tracker (9). Um bom exemplo de como o juízo vai substituindo os juízes, apesar dos obstáculos.

Um obstáculo que está a desvanecer é a noção infundada que o autor tem o direito de proibir. Como se eu escrever isto aqui, por me dar na gana e sem me encomendarem o sermão, me desse algum direito moral de vos proibir seja o que for. De ler isto ao telefone ou enviar por email, de copiar à mão ou imprimir. Os direitos que eu tenho como autor são os direitos que tenho como pessoa. O direito de não me atribuírem o que não disse nem que atribuam a outros o que é obra minha. Essas proibições que tanto invocam não são direito nenhum.

A pena é que este obstáculo se desvaneça por pragmatismo e não por compreensão dos valores morais. Muita gente partilha coisas convencido que está a fazer uma maldade. Mas, intuitivamente, muitos também percebem que partilhar o que não custa dar aos outros é uma coisa boa. Em vez de reprimir isto devíamos aproveitar a facilidade com que se copia o digital para ensinar os mais novos a partilhar. Não só ficheiros mas também ideias, inspiração, valores e conhecimento. Não para substituir o capitalismo, que também faz falta, mas como uma demonstração saudável que não é preciso fazer tudo por dinheiro.

E o obstáculo maior ainda é o dinheiro. Tanto pela sua relação promiscua com os legisladores como por tentar legitimar o copyright enquanto protecção necessária à economia. Mas há que ver isto em perspectiva. Em 2008 vendeu-se 18 mil milhões de dólares de música no mundo todo (10). Se toda esta indústria falisse hoje, ao fim de um ano teria 0,5% do impacto que teve o colapso do sistema de crédito (11). É metade do mercado mundial de iogurte (12), que se vende a menos de um euro por pacote apesar de custar mais a fabricar que um CD. E as companhias de lacticínios também têm outros custos. O investimento em biotecnologia, a criação e preservação de estirpes microbianas, o controlo de qualidade, a distribuição, marketing, etc.

Mas copiar iogurte é legal. Põe-se leite morno na iogurteira, uma colherada de iogurte e a bicharada cresce de borla. Por isso quem vende iogurtes tem de vender pacotes práticos, vários sabores, iogurtes cremosos e essas coisas que atraem o comprador. E têm de vender barato. Se põem o iogurte a 10€ o pacote quem ganha dinheiro são os fabricantes de iogurteiras.

Por muito que a Danone chorasse, invocasse a propriedade das estirpes de lactobacilos ou vendesse iogurtes com uma licença proibindo o seu cultivo em leite morno, nunca aceitaríamos a criminalização do iogurte caseiro ou que viesse a ASAE a casa confiscar iogurteiras. É isto que temos de dizer às industrias do copyright. Se precisam de protecção comercial, pode-se pensar no assunto, mas sem afectar a nossa vida pessoal.

Obrigado pelos links ao Mama Eu Quero, ao Mário Miguel, ao Oscar Pereira, a um ou mais leitores anónimos e a também a quem me enviou alguns por email.

1- Gizmodo, Pirate bay found guilty
2- ZeroPaid, Pirate Bay lawyers demand retrial. Também no The Local e WinTech (este último em Português)
3- ZeroPaid, Swedish ISPs ignore request to block the Pirate Bay.. Também na WinTech, em Português.
4- The Pirate Google
5- Piratpartiet
6- Zeropaid, Could Pirate Bay Verdict Affect EU Elections?
7- Computing.co.uk, EU balks at French three-strike internet rules.. Em português no Sol e no Remixtures
8- Miguel Caetano, Remixtures, Parlamento Europeu estende direitos de autor dos artistas para os 70 anos
9- Zeropaid, Comedian Louis CK Asks Mininova Uploader to Remove Content
10- Reuters, Global music sales keep falling, pretty much everywhere, via Remixtures
11- BBC, Meltdown losses of '$4 trillion'
12- O iogurte é 13% (Euromonitor) do mercado global de lacticínios, que vale 275 mil milhões de dólares (Dairy reporter). Foi surpreendentemente difícil encontrar o valor do mercado global de iogurte na net. Só ia parar a sites de venda de relatórios de mercado...

12 comentários:

  1. Que posso dizer senão, excelente post?

    A tua passagem de as pessoas estarem a fazer o bem partilhando com as outras aquilo que nada custa a partilhar (mesmo sabendo que se pensa que é algo tido como imoral) faz-me lembrar a história de como o Huck Finn salva o seu amigo, mesmo sabendo que era um pecado enorme (na altura).

    Talvez as pessoas, mesmo sabendo que algumas coisas que fazem são más, têm já uma certa intuição que lhes dizem que não se trata de realmente algo de mau, mas de bom.

    Diria que esta intuição, o sentido do bom ou do mal, é algo extraordinariamente intuitivo e subjectivo, mas porventura certeiro.

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  2. Concordo inteiramente com seu ponto de vista. O fato é que a indústria do copyright vive na zona de conforto e não há mais inovação.

    O fato é que há uma revolução à caminho, seguindo o modelo wikinomics, onde as pessoas colaboram para gerar valor. E essa indústria, na minha humilde opinião, está condenada.

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  3. Caso grave!!!

    URGENTE

    VOTAÇAO NO PARLAMENTO EUROPEU NO DIA 5 DE MAIO DE 2009

    Não deixe que o parlamento europeu lhe feche a internet... não haverá volta atrás!

    Aja agora!
    O acesso à internet não é condicional

    Todos os que têm um site, blog bem como todos aqueles que usam o Google ou o Skype, todos aqueles que gostam de expressar as suas opiniões livremente, investigarem do modo que entendem seja para questões pessoais, profissionais ou académicas, todos os que fazem compras online, fazem amigos online, ouvem música ou vêm videos...

    Milhões de europeus dependem da internet quer seja directa ou indirectamente no seu estilo de vida. Tirá-la, limitá-la, restringi-la ou condicioná-la, terá um impacto directo naquilo que fazemos. E se um pequeno negócio depender da internet para sobreviver, torná-la inacessível num período de crise como o que vivemos não pode ser bom.

    Pois a internet que conhecemos está em vias de extinção através das novas regras que a União Europeia quer propôr no final de Abril. Segundo estas leis, os provedores de serviço, ou seja as empresas que nos fornecem a internet, PT, Zon, Clix entre muitas outras, vão poder legalmente limitar o número de websites que visitamos, além de nos poderem limitar o uso ou subscrição de quaisquer serviços que queiramos de algum site.

    As pessoas passarão a ter uma espécie pacotes de internet parecidos com os da actual televisão. Será publicitada com muitos "novos serviços" mas estes serão exclusivamente controlados pelo fornecedor de internet, e com opções de acesso a sites altamente restringidas. Isto significa que a internet sera empacotada e a sua capacidade de aceder e colocar conteúdo será severamente restringida. Criará pacotes de acessibilidade na internet, que não se adequam ao uso actual que damos à internet hoje.

    A razão é simples...

    Hoje a internet permite trocas entre pessoas que não são controladas ou promovidas pelo intermediário (o estado ou uma grande empresa), e esta situação melhora de facto a vida das pessoas mas força as grandes corporações a perderem poder, controle e lucros. E é por isso que estas empresas forçam os políticos "amigos" a agirem perante esta situação.

    A desculpa é a pirataria de filmes e música, mas as verdadeiras vítimas seremos todos nós, a democracia e a independência cultural e informativa do cidadão.

    Recentemente, vieram com a ideia que a pirataria de vídeos e música promove o terrorismo (http://diario.iol.pt/tecnologia/mapinet-internet-pirataria-terrorismo-crime-tvi24/1058509-4069.html ) para que seja impensável ao cidadão comum não estar de acordo com as novas regras...

    Pense no modo como usa a internet! Que significaria caso a sua liberdade de escolha lhe fosse retirada?

    Hoje em dia, a internet é sobre a vida e liberdade. É sobre fazer compras online, reservar bilhetes de cinema, férias, aprendermos coisas novas, procurar emprego, acedermos ao nosso banco e fazermos comércio. Mas é também sobre coisas divertidas como namorar, conversar, convidar amigos, ouvir música, ver humor, ou mesmo ter uma segunda vida. Ela ajuda-nos a expressarmo-nos, inovarmos, colaborarmos, partilharmos, ajuda-nos a ter novas ideias e a prosperar... tudo sem a ajuda de intermediários.

    Mas com estas novas regras, os fornecedores de internet escolherão onde faremos tudo isso, se é que nos deixarão fazer. Caso os sites que visitamos, ou que nós criámos não estejam incluídos nesses pacotes oferecidos por estas empresas, ninguém os poderá encontrar.

    Se somos donos de um site ou de um blog e não formos ricos ou tivermos amigos poderosos, teremos de fechar.

    Só os grandes prevalecerão, com a desculpa de que os pequenos não geram tráfego suficiente para justificar serem incluídos no pacote.

    Continuaremos a ter a Amazon, a Fnac ou o site das finanças, mas poucos mais.

    Os telefonemas gratuitos pela internet decerto que acabarão (como já se passa nalguns países da Europa) e os pequenos negócios e grupos de discussão desaparecerão, sobretudo aqueles que mais interessam, os que podem e querem partilhar a sua sabedoria gratuitamente com o mundo.

    Se nada fizermos perderemos quase de certeza a nossa liberdade e uso livre da internet.

    A proposta no Parlamento Europeu arrisca o nosso futuro porque está prestes a tornar-se lei, uma lei quase impossível de reverter.

    Muitas pessoas, incluíndo deputados do Parlamento Europeu que a vão votar positivamente, não fazem a menor ideia do que isto pode querer dizer, nem se apercebem das implicações brutais que estas regras terão na economia, sociedade e liberdade.

    Estas medidas vêm embrulhadas numa coisa chamada "Pacote das Telecom?s" disfarçando estas leis de algo que apenas é relativo à indústria das telecomunicações.

    Mas na verdade, tudo não passa de regras sobre o uso futuro da internet. A liberdade está a ser riscada do mapa.

    Nestas leis propostas, estão incluídas regras que obrigam as Telecoms a informaram os cidadãos das condições em que o acesso à internet é fornecido. Parece ser uma coisa boa, em nome da transparência, mas não passa de uma diversão para poderem afirmar que podem limitar o nosso acesso à liberdade na internet, apenas terão é que informar-nos disso.

    O futuro da internet está em jogo e precisamos de agir já para o salvar.
    Diga ao Parlamento Europeu que não quer que estas alterações sejam votadas.
    Lembre-os que as eleições europeias são em Junho e que a internet ainda nos dá alguma liberdade para que possamos observar e julgar os seus actos no Parlamento.
    Saiba que não está sozinho(a) nesta luta... Enquanto lê isto, centenas e centenas de outras organizações estão a trabalhar para que esta mensagem chegue a quem de direito. Milhares de pessoas estão também a contactar os seus deputados neste sentido. Ajude-se a si mesmo, colabore e faça o que pode por esta causa...

    A internet é tão sua como deles...

    Divulgue esta mensagem o mais que possa...

    Pode também escrever aos seus deputados...



    Estes são os nossos deputados no Parlamento Europeu:
    http://pt.wikipedia.org/wiki/Deputados_de_Portugal_no_Parlamento_Europeu_(2004-2009)
    ou
    http://www.europarl.europa.eu/members/expert/groupAndCountry/search.do;jsessionid=69ADF04943C000194117E9C7032EEC31.node1?country=PT&language=PT

    Para mais informações sobre a lei:
    http://www.laquadrature.net/en/telecoms-package-towards-a-bad-compromise-on-net-discrimination
    http://www.laquadrature.net/wiki/Telecoms_Package
    http://en.wikipedia.org/wiki/Telecoms_Package
    http://www.blackouteurope.eu/

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