sexta-feira, março 20, 2009

Treta da semana: a avaliação das escolas.

Recebi ontem um folheto do Ministério da Educação (ME) a anunciar a avaliação “externa” da escola dos meus filhos (1). Bem, recebi uma fotocopia do folheto. Não devia haver para todos. Na rubrica intitulada “Objectivos” não fica claro se vão avaliar o cumprimento dos objectivos ou se são os objectivos da avaliação. Mas, com os objectivos que apresentam, pouca diferença faz.

O primeiro é «Fomentar nas escolas uma interpelação sistemática sobre a qualidade das suas práticas e dos seus resultados». Admito que valha a pena interpelarem-se acerca disto. Mas a interpelação é um meio de atingir o objectivo: boas práticas e bons resultados. Não faz sentido que o meio seja o objectivo porque, assim, cumprem o objectivo ficando-se pelo interpelanço e sem contribuir nada para os bons resultados. E nem sequer a isso chegam. Pelo que descrevem, satisfaz-lhes o mero fomento à interpelação.

O segundo objectivo é «Articular os contributos da avaliação externa com a cultura e os dispositivos da auto-avaliação da escola.» Ou seja, querem que a avaliação sirva para alguma coisa. É um bom princípio mas preocupa-me que julguem necessário afirmá-lo explicitamente. E com tanto palavredo. Preocupa-me porque assim fico sem saber o que deduzir da ausência de objectivos como “não desperdiçar o dinheiro do contribuinte” ou “deixar-se de tretas e fazer alguma coisa de jeito”.

O terceiro objectivo é demasiado modesto. «Reforçar a capacidade das escolas para desenvolverem a sua autonomia». Percebo a autonomia como um objectivo. Não sei se é bom ou não, mas pelo menos é um objectivo que se sabe quando se atinge. Desenvolver a autonomia é um objectivo mais fraquito mas, pelo menos, sempre exige que a autonomia aumente. Por pouco que seja. Mas a capacidade para desenvolver autonomia não é um objectivo. É mais um subjectivo porque, quer se desenvolva quer fique na mesma, podem sempre dizer que a capacidade está lá. E o que se propõem fazer é apenas reforçar essa capacidade. Parece-me que basta não pegar fogo à escola para cumprir este “objectivo”.

Depois, «Concorrer para a regulação do funcionamento do sistema educativo». É genial. “Contribuir para” é útil, por ser vago, quando não se quer dizer nada de concreto. Mas vago é coisa de amadores. O perito em eduquês é mais exigente. Neste contexto, “concorrer para” consegue ser vago e ambíguo ao mesmo tempo. Além de o podemos interpretar de várias maneiras, nenhuma delas diz ao certo o que se propõem fazer. Querem competir com outros a ver se regulam o funcionamento? Partilham a regulação? Contribuem para que se regule? Mas que raio vão regular e como?

Finalmente, propõem «Contribuir para um melhor conhecimento das escolas e do serviço público de educação, fomentando a participação social na vida das escolas». Mais uma vez, o objectivo fica-se por contribuir e fomentar em vez de visar aquilo que querem fomentar ou para o qual vão contribuir. E ficamos sem saber se vão contribuir para um melhor conhecimento com o objectivo de fomentar a participação social se, pelo contrário, o objectivo é contribuir para o conhecimento e fomentar a participação é uma forma de o conseguir. Mas suspeito que a diferença seja pequena.

Penso que isto mostra bem o que se passa no ME. As ideias, em traços gerais, não são más. Avaliar as escolas é bom, mesmo que chamar-lhe “avaliação externa” quando é o ME a fazê-la não seja muito correcto*. Mas enrolam as coisas em tanta verborreia que nasce tudo mumificado. Isto era treta se fosse de borla. Com o dinheiro que gastam nestas coisas já merecia um termo mais forte.

* Errata, 22-3-09. Informou-me a Maria C. nos comentários que a avaliação é mesmo externa, feita por inspectores e avaliadores independentes do ME. Obrigado pela informação.

1- Avaliação Externa das Escolas 2008-2009, Ministério da Educação, IGE. Folheto em pdf

7 comentários:

  1. Faltou problematizar pá. Problematizar e conceptualizar.

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  2. O problema é que esta cultura minou as escolas durante anos, materializando-se ao nível do ensino no "eduquês" que nada diz, além de uma embalagem bonita de palavras. Os Projectos Educativos, os planos anuais de actividades estão cheios de objectivos deste tipo.
    É dramático, que mesmo um governo que tentou trazer a avaliação para o sistema educativo, de uma forma trapalhona é certo, não consiga ter técnicos no ME, com capacidade de fazer um documento objectivo.
    Uma avaliação deve ser o mais objectiva possível, o que naturalmente é impossível se logo ao nível mais básico, da definição de objectivos e metas, temos uma treta destas.

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  3. Confesso que não fazia ideia que as avaliações nas escolas tinham critérios deste tipo!

    Claro que isto não faz sentido nenhum!

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  4. As avaliações externas são feitas por um avaliador de uma instituição (por exemplo um professor do superior especialista em avaliação) e pelos inspectores. Estes são um corpo independente do ministério. Esses objectivos podem parecer espalhafatosos mas na prática eles vão aos pormenores, onde dói mais. Vêem tudo, e sabem muito bem avaliar a dinâmica das escolas. Este ano estou a sofrer uma na minha escola. Vamos ver como acaba...

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  5. Mas o folheto tem um excelente aspecto gráfico! Bem, não sei se a tua fotocópia tem...

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  6. Maria C.

    «As avaliações externas são feitas por um avaliador de uma instituição (por exemplo um professor do superior especialista em avaliação) e pelos inspectores. Estes são um corpo independente do ministério. »

    Obrigado pela informação. Na verdade, assim já faz sentido chamar-lhes externas.

    E não duvido que haja gente competente a fazer estas coisas. O que me preocupa é que, se os objectivos já são assim tão intragáveis e vagos, como será o relatório final. Porque se for escrito desta forma não vai servir para nada, que ninguém vai poder espremer de lá algum sumo que se aproveite...

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  7. Tendo em conta as perguntas que fizeram parece-me que o relatório final será bem objectivo. mas ainda não sei. vou esperar pelo fim do ano para saber.

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