segunda-feira, outubro 27, 2008

Ainda o conhecimento a priori...

Kant definiu o conhecimento a priori como sendo totalmente independente da experiência. Uma definição clara que, infelizmente, excluía todo o conhecimento. Por isso tem-se tentado resgatar o conceito aludindo de forma vaga a uma intuição racional à parte da experiência. O sucesso da empreitada é, até agora, duvidoso. Alguns filósofos até propõem que algo como “todo o acontecimento tem uma causa” é justificável a priori (1), quando esta intuição resulta da nossa experiência com acontecimentos macroscópicos. Se pudéssemos ver acontecimentos subatómicos teríamos a intuição inversa. Mas o Desidério explicou assim o termo:

«O a priori nada tem a ver com anterioridade, mas apenas com isto: depois de eu aprender os conceitos relevantes, depois de o meu cérebro se ter formado, depois de tudo isso, não posso saber se há água em Marte pensando apenas, por exemplo. Por isso, diz-se em filosofia que esse conhecimento é a posteriori. Mas estando na mesma situação, tudo o que tenho de fazer é raciocinar para saber o resultado de uma operação aritmética.»(2)

Se o «tudo isso» incluir a verdade de proposições como “há gelo em Marte” eu poderia, pensando apenas, concluir que há água em Marte. Mas isto o Desidério dirá que não conta porque não se pode saber a verdade de “há gelo em Marte” sabendo apenas o que a frase significa, e o conhecimento a priori é aquele que se deriva apenas do conhecimento (empírico) do significado das proposições. E, sendo assim, concordo com o Desidério que saber que há água em Marte será conhecimento a posteriori, pois precisamos saber mais que o significado dos termos. O problema é que na matemática também.

Nós conseguimos calcular o resultado de uma operação aritmética porque aprendemos por experiência como isso se faz. Mas imaginemos um génio que fazia tudo do início, «pensando apenas» e partindo somente do significado dos termos. Não ia a lado nenhum. A matemática e a lógica precisam de axiomas e os axiomas não são verdade apenas pelo significado dos termos. Se fossem bastava o significado dos termos e não era preciso axiomas.

Por exemplo, para a geometria euclideana precisamos assumir que “dada uma recta e um ponto fora desta só há uma recta que contém o ponto e é paralela à primeira”. Mas isto não segue do significado de “ponto” e “recta”, tanto que geometrias não-euclideanas usam axiomas diferentes. Por isso não se pode fazer matemática «pensando apenas». Temos que partir de premissas que não se pode justificar a priori. E se afrouxarmos este critério permitindo um ponto de partida empírico, alegando que o resto é a priori, então também se pode saber a priori que há água em Marte. Basta permitir uma premissa como “há gelo em Marte”.

Por isso discordo do Desidério quando ele afirma que o conhecimento a priori «parece óbvio — fazemos matemática e lógica sem termos de recorrer à experiência: limitamo-nos a pensar.» Tanto numa como noutra, sem a experiência não tínhamos sequer como começar a pensar. Felizmente, parece que o Desidério também discorda pois adiante escreve «Outra posição muitíssimo radical, e que eu favoreço, é que sem o concurso da experiência e do a priori nada poderia ser conhecido.»

O que me parece é que a tentativa de dividir o conhecimento em a priori e a posteriori foi uma ideia engraçada de Kant que não deu em nada. Os termos foram ficando cada vez mais vagos, a distinção cada vez mais ténue e confusa e a utilidade de os distinguir cada vez mais questionável. Como o Desidério ilustrou: «um computador desligado da internet pode responder-nos à pergunta sobre uma operação aritmética, mas não pode dizer-nos se há água em Marte». O computador pode dizer o que quer que tenha sido programado para dizer, seja sobre Marte seja sobre a álgebra. Se tiver as premissas correctas e a programação adequada dará a resposta certa. Caso contrário sai asneira. E mesmo que o a priori seja igual para ambos, enquanto que eu sei fazer contas o computador apenas as faz sem saber. Sem acesso à experiência o computador nunca vai saber nada porque é esse aspecto empírico que distingue conhecimento da execução cega de procedimentos.

1- Ver mais detalhes nesta entrada da SEP, que o Desidério também referiu.
2- Desidério Murcho, 18-10-08, A priori.

131 comentários:

  1. Estou de acordo contigo de um modo geral.

    Ha ainda no entanto, tal qual pequena aldeia gauleza, um reduto para a expressão à priori ter significado.

    Aparentemente, quando o cerebro formula hipoteses sobre algo, o faz em muito menor quantidade que por exemplo uma maquina. As hipoteses que o cerebro humano coloca são menos mas são as melhores. Existe, dentro do cerebro, provavelmente, um filtro previo, à priori, de onde se vão gerar os dados. Isto é, o aumento de sinapses após estimulo, é aleatorio, mas não acontece por todo o cerebro. O cerebro parece ter uma ideia de onde é preciso criar essas sinapses. Analogamente, o cerebro parece ter uma ideia do tipo de hipoteses necessaria antes de as começar a gerar.

    Isto não quer dizer que esse mecanismo não seja ele proprio assente numa extrutura que tem origem empirica. Só estou a falar do ultimo reduto do "à priori" enquanto questão com significado.

    Senão não é muito mais que memoria.

    Estarás de acordo?

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  2. João,

    «Existe, dentro do cerebro, provavelmente, um filtro previo, à priori, de onde se vão gerar os dados.»

    Mas não será esse filtro o resultado do treino e experiência? Nesse caso não é a priori no sentido de algo que não é empírico.

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  3. Sim, na minha opinião não ha fuga à origem empirica em termos absolutos. Estou a tentar encontrar um significado para a expressão.

    ...No sentido de considerar à priori mecanismos que dêem origem a conhecimento mas que não se apoiem directamente na experiencia, mas sim indirectamente...

    Algo como a emulação da experiencia em modelos mentais.

    É claro que esses modelos teriam de ter base empirica, na raiz, mas penso que o cerebro tem capacidade de gerar esses modelos a partir de outros ja pré existentes.

    Como quando cria um novo circuito neuronal, é capaz de o por à prova usando circuitos neuronais pré-existentes.

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  4. O pensamento na minha visão segue uma teoria evolutiva:

    O cerebro gera hipoteses (para explicar um dado fenomeno, tomar determinada decisão) - o equivalemte ás mutações -e depois estas são submetidas a um "reality check" - o equivalente à selecção natural.

    Não há aqui muito espaço para o à priori absoluto, mas em termos relativos sim. Porque, por emulação da realidade é possivel que muitas hipoteses sejam confirmadas antes da experiencia. (com um determinado grau de erro).

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  5. “A matemática e a lógica precisam de axiomas e os axiomas não são verdade apenas pelo significado dos termos.” Concordo. Mas qual é o argumento para mostrar que só porque o que faz um axioma ser verdadeiro não é apenas o significado dos termos se segue que o nosso conhecimento desses axiomas tem de ser empírico? Não pode ser um argumento baseado na ideia de que nada podemos saber a priori excepto o que sabemos com base no conhecimento das palavras, porque isso é precisamente o que está em causa. Qual é então o argumento?


    O que faz duas rectas paralelas num espaço plano nunca se encontrarem é a realidade do espaço plano. Mas para saber isso não precisamos de o verificar empiricamente. Isto é óbvio.

    Por outro lado, a consequência igualmente óbvia de aceitar que todo o conhecimento é empírico, é deitar no lixo da pseudociência toda a matemática, dado que ninguém em matemática segue metodologias empíricas para demonstrar teoremas.

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  6. Só uma nota histórica: Kant popularizou o termo "a priori", aplicado ao conhecimento, mas o termo não é dele.

    E Hume não usava o termo mas usava o mesmo conceito, a que se referia usando a expressão "relação de ideias".

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  7. Bem aparecido sejas Desiderio.

    Não vou discutir este assunto contigo outra vez, até porque acho que nos acabamos por entender. Mas eu acho que a redução do à priori, não implica a redução nem da Filosofia, nem da Matematica, nem da Logica.

    Acho que pode significar até um grande impulso para a filosofia.

    Se se aceitar o empirismo, ha um mundo incrivel de coisas novas constantemente a chegar para se poder filosofar. Não concordas?

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  8. A ideia do joão - aceitar o empirismo na filosofia - é genial. Se quisermos ver se um gajo pensa, abrimos-lhe a cabeça. Poupa-se montes de saliva e chega-se rapidamente a conclusões. E um filósofo sempre pode dar uma mãozinha no talho da esquina.

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  9. Desidério,

    «Mas qual é o argumento para mostrar que só porque o que faz um axioma ser verdadeiro não é apenas o significado dos termos se segue que o nosso conhecimento desses axiomas tem de ser empírico?»

    Não é bem esse o argumento. Aliás, o conhecimento do significado dos termos também tem que ser empírico, por isso nem no caso de proposições analíticas nos safamos do empírico para as compreender.

    O argumento é que se torna cada vez mais vago o que se quer dizer com a priori. Por exemplo:

    «O que faz duas rectas paralelas num espaço plano nunca se encontrarem é a realidade do espaço plano. Mas para saber isso não precisamos de o verificar empiricamente. Isto é óbvio.»

    Não é nada óbvio que um agente sem qualquer experiência do espaço plano saiba isto acerca de rectas paralelas. Pode-te parecer que sim, mas neste caso estás a distinguir aquilo que precisa e não precisa de conhecimento empírico com base apenas num pressentimento que tu tens que seria possível justificar os teoremas da geometria sem qualquer experiência.

    Não estou satisfeito que tenhas aí uma distinção minimamente rigorosa ou útil. Ou sequer consensual.

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  10. António Parente,

    «Se quisermos ver se um gajo pensa, abrimos-lhe a cabeça.»

    Ou perguntamos. Quer um quer outro são empíricos. Não podemos saber o que outro pensa a priori.

    Na verdade, se for a priori, nem sabemos o que nós pensamos. Sem a experiência de pensar seríamos como o computador, que "pensa" sem saber que o faz.

    Acho má ideia tentar identificar um conhecimento independente da experiência porque a experiência é essencial para que seja conhecimento.

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  11. Antonio Parente:

    O que se passa actualmente é que existe uma velocidade de produção de artigos cientificos que permite que haja formação de conhecimento só no estudo do que ja esta publicado. Aliás, Einstein, ja ha algumas luas, demonstrou isso mesmo.

    E que dizer de Dennet por exemplo, nos dias que correm, um dos apologistas do Neuro-Darwinismo ?

    Compreendes?

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  12. "Acho má ideia tentar identificar um conhecimento independente da experiência porque a experiência é essencial para que seja conhecimento."

    Não ha conhecimento independente da experiencia. Até o Desidério concorda com isto. Mas que ha uma fase "escura"(longe da luz do sol, haha ) na formação do conhecimento parece-me provavel.

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  13. Ludwig

    Como é que justificas empiricamente que 1 é 1?

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  14. João

    Não percebi nada.

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  15. "Por outro lado, a consequência igualmente óbvia de aceitar que todo o conhecimento é empírico, é deitar no lixo da pseudociência toda a matemática, dado que ninguém em matemática segue metodologias empíricas para demonstrar teoremas."

    Caro Desidério, não quero assumir que não conhece Feyerabend, por isso vou assumir que simplesmente não lhe está a dar importância.Então pergunto, porquê?!

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  16. João,

    «Não ha conhecimento independente da experiencia. Até o Desidério concorda com isto. Mas que ha uma fase "escura"(longe da luz do sol, haha ) na formação do conhecimento parece-me provavel.»

    Então é preciso ter o cuidado de não lhe chamar "conhecimento a priori", porque isso dá a sensação que há tal coisa e corremos o risco de cometer erros como o de julgar que se pode fazer matemática e lógica sem qualquer contributo empírico.

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  17. António Parente,

    «Como é que justificas empiricamente que 1 é 1?»

    Justificar que 1 é 1 é justificar que "1 é 1" exprime uma proposição verdadeira. Para isso temos que saber o que é "1" e o que é "é". O significado destes termos só pode ser obtido empiricamente. Não é só a pensar que lá chegamos.

    Uma vez descoberto esse significado já temos a justificação, pois a verdade da proposição é consequência directa do significado dos termos. Mas para chegar lá precisámos de recorrer à experiência.

    O problema é dizer que isto é conhecimento que não depende da experiência no sentido em que temos primeiro a experiência que é preciso para lá chegar mas depois não precisamos de mais. É uma categoria estranha e pouco útil.

    Se definirmos o a priori como algo que não depende da experiência já temos uma categoria mais jeitosa, mas não tem nada a ver com conhecimento. Tem a ver com computadores, robots, comportamento de insectos e coisas assim, coisas que fazem sem saber o que fazem.

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  18. As ideias que o Ludwig promove em nome da ciência são as de que o Universo explodiu do nada por acaso, a vida surgiu por acaso, todos nós viemos de um ancestral comum e as espécies evoluem das menos complexas para as mais complexas.

    O Desidério Murcho também parte desta premissa indemonstrada e constroi sobre ela o castelo de cartas que é o seu pensamento.

    A verdade é que nenhuma dessas afirmações pode ser validada empiricamente, por mais intensamente que se pretenda usar o método científico.

    Sobre esses alegados factos não existe nenhuma observação directa ou reprodução laboratorial.

    Sobre elas o método científico nada pode, em última análise, dizer.

    Daí a nossa dependência do Criador, que nos fornece as premissas racionais do conhecimento científico e o critério de verdade (não provisório nem falível) para a avaliação das teorias científicas.

    Nunca ninguém explicou como é que surgiu a singularidade primordial que deu origem a todo o Universo.

    Trata-se aí de um modelo matemático empiricamente indemonstrado e indemonstrável.

    Também nunca ninguém demonstrou que a vida surgiu por acaso.

    Isso nunca foi observado por ninguém ou reproduzido em laboratório.

    A vida necessita de quantidades inabarcáveis de informação, codificada dentro dos próprios seres vivos, sendo a probabilidade de ela surgir por acaso virtualmente zero.

    O ancestral comum também nunca foi visto por ninguém, nunca foi encontrado qualquer vestígio fóssil da existência.

    Na verdade, toda a evidência observável é inteiramente compatível com a noção de um Criador Comum.

    Também nunca ninguém viu uma espécie mais complexa a evoluir de uma menos complexa.

    O que nós observamos é mutações e selecção natural dentro da mesma espécie, podendo resultar em doenças, morte ou na criação de sub-espécies com redução do “pool genético” original.

    As ideias defendidas pelo Ludwig e o Desidério não são científicas.

    As mesmas são corolários da ideologia naturalista que já existia no tempo e Epicuro ou do seu discípulo romano Lucrécio.

    Por aqui se vê que o naturalismo não tem qualquer fundamento.

    Para defender tais teorias é inútil apelar aos métodos e aos desenvolvimentos científicos e tecnológicos modernos.

    Os mesmos só são possíveis com inteligência e informação, nada tendo a dizer sobre a indemonstrada origem acidental do Universo e a evolução aleatória de partículas para pessoas.

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  19. Alguns, como o Ludwig, falam da evolução cósmica do Universo a partir de um hipotético Big Bang.

    Mas basta mostrar as insuficiências desse modelo para ver que todo o conhecimento que nele se apoia é precário.

    Uma pesquisa sobre a literatura científica sobre o Big Bang permite ver que:

    a) Não explica a origem da singularidade inicial

    b) Não explica a sua explosão, inflação e paragem da inflação

    c) Não explica a origem e a localização das galáxias

    d) Não explica a origem das estrelas

    e) Não explica a origem do sistema solar
    f) Não explica a origem da Lua

    g) Não explica a singularidade da Terra

    h) Pressupõe realidades não observadas (v.g. matéria negra e energia negra)

    Foi por essas e por outras que, nos dias 7 a 11 de Setembro de 2008, no Estado de Washington, se reuniram 50 astrofísicos de todo o mundo para tentar apresentar alternativas consistentes à teoria Big Bang, assistindo-se hoje a uma verdadeira proliferação de cosmologias, sendo que nenhuma delas consegue explicar todas as observações.

    Nessa reunião, o Físico David Dilworth disse:

    “a teoria do big bang é uma casa de cartão prestes a entrar em
    colapso sob o seu peso”

    “a teoria do big bang apoia-se em ideias não provadas”

    Toda a filosofia do Ludwig e do Desidério, ao apoiar-se em modelos naturalisticos como o Big Bang, é também ela uma casa de cartão prestes a entrar em colapso sobre o seu próprio peso.

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  20. Antonio Parente.

    O que eu quero dizer é o seguinte:

    Não é preciso ser a mesma pessoa que passa os dias no laboratorio, a interpretar os resultados da experiencia.

    A quantidade de artigos cientificos produzida por unidade de tempo é elevada. E está a aumentar. Provavelmente, existe imensa informação por processar em todos esses artigos. Não me refiro apenas a estudos metodologicos e meta-analises. Refiro-me mesmo a interpretar e articular o conhecimento.

    Dei o exemplo de Einstein e Dennet porque são excelentes.

    Uma citação de Dennett a ilustrar o que eu digo (fonte wikipedia):

    Dennett describes himself as "an autodidact — or, more properly, the beneficiary of hundreds of hours of informal tutorials on all the fields that interest me, from some of the world's leading scientists."[3]

    consegui explicar-me?

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  21. Já que se fala aqui de Immanuel Kant, convém recordar que ele, juntamente com outros como Laplace, foi um dos primeiros a apresentar a hipótese nebular como modelo naturalístico para a origem do sistema solar.

    Hoje sabe-se que a hipótese nebular tem, entre muitos outros, os seguintes problemas:

    1) As nebulosas tendem a expandir-se

    2) O mecanismo físico para colapso gravitacional não está esclarecido

    3) O Sol tem 99,9% da massa, mas a sua rotação é extremamente lenta

    4) a Fase T.Tauri do Sol impediria a formação de Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno

    5) Vénus tem uma rotação retrógrada e uma superfície muito nova (pouca erosão e craterização)

    6) O campo magnético de Mercúrio é recente

    7) Planetas extra-solares demasiado próximos das suas estrelas, desmentindo os modelos de evolução cósmica

    8) A composição química da Terra é diferente dos supostos meteoritos condritos “primitivos”

    9) A composição química da Lua é diferente da de Marte

    10) A composição química de Vénus é diferente da da Terra

    Não admira, pois, que no último número da revista Science et Vie, de Outubro de 2008, os cientistas reconhecam a singularidade da Terra e do sistema solar, tal como a Bíblia sempre sugeriu, e falem da necessidade de se proceder a uma nova revolução coperniciana, mas agora de sentido contrário.

    Também neste domínio a evidência científica corrobora o ensino bíblico acerca da singularidade da Terra e desmente o modelo naturalista kantiano sobre a origem do sistema solar a partir do colapso gravitacional de uma nebulosa.

    Daí que seja melhor confiar em Deus, o único que realmente está em condições de fazer juizos sintéticos a priori em todos os domínios, na medida em que ele é omnisciente e eterno.

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  22. Não sei porquê lembrei-me agora deste flagrante, registado com câmara oculta pelos Laboratórios Bruce®.

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  23. Ludwig:

    Uma vez que os comentários do Perspectiva são desenquadrados e fora de contexto será que podias fazer copy paste deles todos para um lado qualquer do blogue onde não atrapalhassem?

    Isso ja não era censura, porque eles estariam disponiveis a quem os procurasse, era organisação!

    Ha, é verdade. Então preferes "fase escura" ou "interempirica"? (just kidding).

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  24. João,

    «Uma vez que os comentários do Perspectiva são desenquadrados e fora de contexto será que podias fazer copy paste deles todos para um lado qualquer do blogue onde não atrapalhassem?»

    Podia, mas qualquer coisa que eu faça será a tal "vitória" que ele quer. Isto é obviamente uma tentativa de chatear até se poder fazer de vítima. Lamento o incómodo, mas não lhe quero dar essa satisfação. Acho a atitude execrável mas em vez de a reprimir vou esperar que passe e deixar aqui o registo para quem quiser conhecer os métodos do Jónatas.

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  25. "Se definirmos o a priori como algo que não depende da experiência já temos uma categoria mais jeitosa, mas não tem nada a ver com conhecimento. Tem a ver com computadores, robots, comportamento de insectos e coisas assim, coisas que fazem sem saber o que fazem"

    Para te dizer a verdade sempre me incomodou que a minha calculadora "texas Instruments" com que fiz secundario tivesse mais conhecimento à priori que eu. Só tolerei isso porque ela não se gabava do assunto.

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  26. Não sei se o joão e o Ludwig me responderam. Rodei um pouco a caixa de baixo para cima e só encontrei o meu colega perspectiva. Desisti.

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  27. Antonio Parente:

    Tanto eu como o Ludwig te respondemos.

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  28. O meu pai é professor de Matemática, por isso tive a felicidade de ter algumas obras sobre a História da Matemática. Geralmente começam por mostrar que outros animais têm um sentido de número, e apresentam a história do corvo assassinado.
    1

    Então é dito que existem tribos - como os aborígenes australianos - onde não existe o poder abstracção, sendo incapazes de separar os números das coisas, por isso existe um termo para "um homem", outro para "dois homens", outro para "muitos homens", outro para "uma vaca", outro para "duas vacas", outro para "muitas vacas", etc. E só sabem contar até três.

    É apresentado o conceito de correspondência biunívoca, mostrando pedaços de madeira talhada e o uso dos dedos para contar (se tiver imagens). Só com isso é possível contar. Por exemplo, se corresponder pedras (cálculos) a ovelhas, posso saber se falta alguma ovelha mesmo sem saber o número exacto de ovelhas, do mesmo modo que no jogo da cadeira não preciso de saber o número exacto de jogadores para saber que há um a mais em relação ao número de cadeiras.
    2 ; 3

    Com a escrita, símbolos puderam representar as pedrinhas e talhas em madeira, abstraindo o que era feito. Mas os problemas matemáticos no Egipto eram resolvidos apenas com receitas - os gregos é que mudaram isso.

    Isso quer dizer que pelo menos o cálculo e a aritmética têm origem na experiência. Já agora recomendo um livro com o título "A Experiência da Matemática", de Philip J. Davis e Reuben Hersh 1.

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  29. Quanto às frases analíticas, há uma grande diferença entre “Nenhum solteiro é casado” e “Nenhum solteiro é feliz”. Em ambos os casos, para compreender o que querem dizer, tive de aprender português e aprendi português empiricamente. Mas depois dessa aprendizagem, nada mais preciso para saber que a primeira frase é verdadeira; contudo, a única maneira de saber que a segunda é verdadeira, ou falsa, é levantar o rabo da cadeira e ver como o mundo é — estatísticas, consultar dados já disponíveis, inquéritos etc. Se a matemática não fosse a priori seria precisamente isso que os matemáticos teriam de fazer: estatísticas, observações empíricas, experimentações, etc., tal e qual como um biólogo.

    A suposta origem empírica do nosso conhecimento a priori é irrelevante. O que é relevante é que não precisamos hoje de mais do que raciocinar para fazer matemática. Se fosse necessária a experiência empírica, os matemáticos seriam todos aldrabões intelectuais. Pois não levantam o rabo da cadeira para provar os seus teoremas; limitam-se a demonstrá-los no papel.

    O empirismo é auto-refutante porque a argumentação a seu favor se baseia unicamente na argumentação a priori. Se fosse possível provar empiricamente o empirismo como provamos que há água em Marte, já há muito que tal teria sido feito.

    O empirismo radical segundo o qual mesmo a matemática e a lógica são empíricas foi defendido por John Stuart Mill. E refutado por Russell e Frege, os pais da lógica contemporânea. Mill defendia uma versão radical de empirismo, que nem Locke nem Hume defendiam, pois tanto um como o outro aceitavam o conhecimento a priori — apenas não aceitavam que algo de substancial se pudesse saber a priori. Uma versão intermédia é defender que se pode conhecer algo de substancial a priori, mas não sobre a realidade empírica — apenas sobre objectos abstractos. Uma posição radicalmente anti-empirista defenderá que podemos saber a priori coisas substanciais sobre a realidade empírica, precisamente porque a matemática e a lógica são sobre a realidade empírica, mas podem ser conhecidas a priori.

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  30. “Não é nada óbvio que um agente sem qualquer experiência do espaço plano saiba isto acerca de rectas paralelas. Pode-te parecer que sim, mas neste caso estás a distinguir aquilo que precisa e não precisa de conhecimento empírico com base apenas num pressentimento que tu tens que seria possível justificar os teoremas da geometria sem qualquer experiência.”

    A falácia aqui é sempre a mesma, e já a expliquei acima, pela enésima vez. Depois de teres aprendido os conceitos fundamentais que te permitem pensar, conceitos que podes ter aprendido empiricamente, há coisas que descobres por mera reflexão e outras que não podes descobrir por mera reflexão. Por mera reflexão, descobres verdades lógicas e matemáticas. Por mera reflexão não descobres verdades físicas, biológicas ou sociológicas. Isto significa que o a priori / a posteriori marca uma distinção epistémica crucial. Tal como criança / adulto marca uma distinção crucial, ainda que tenhamos vários casos cinzentos de fronteira, em que não sabemos se é uma criança ou um adulto. Uma ausência de fronteira clara não é uma clara ausência de fronteira.

    Se é preciso justificar empiricamente os teoremas da geometria, dado que ninguém fez tal coisa, toda a geometria é uma treta. Nunca ninguém justificou o Modus Ponens empiricamente, nem tal é possível. A nossa crença no Modus Ponens não é indutiva porque se o fosse seria apenas a crença de que o Modus Ponens é provavelmente válido, e a nossa crença é que é mesmo válido, e não apenas provavelmente válido. Ninguém pensa que até hoje, sempre vimos Modus Ponens válidos e por isso é provável que todos sejam válidos. O que se pensa é que o Modus Ponens é válido. E não precisamos de fazer um levantamento estatístico de vários Modus Ponens para provar a sua validade; na verdade, nem conseguimos provar a sua validade desse modo.

    Diferentes objectos de estudo exigem diferentes métodos. Devemos adaptar os métodos ao que estudamos e não definir previamente o método e depois forçar as coisas a obedecer ao método. É tão tolo querer descobrir com base na Bíblia e em Aristóteles se há água em Marte como é tolo querer descobrir empiricamente se o Modus Ponens é válido ou se o último Teorema de Fermat é verdadeiro.

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  31. Desidério,

    «O que é relevante é que não precisamos hoje de mais do que raciocinar para fazer matemática.»

    Não é bem isso que é relevante. O relevante é se é possível derivar a matemática que fazemos de proposições justificáveis puramente a priori.

    Tu, ao que parece, dizes que sim, que podemos justificar a priori a verdade dos axiomas da geometria euclideana e, curiosamente, também os axiomas das geometrias não euclideanas que contradizem os primeiros.

    Eu digo que não. Que para justificar escolher uns axiomas em vez dos outros temos que recorrer a uma justificação empírica.

    Se aceitas que a escolha de axiomas não são justificáveis a priori estás a defender que o conhecimento a priori assenta em justificações empíricas.

    Mas nesse caso, a partir das justificações necessárias para hipóteses acerca da composição de Marte eu poderei inferir a priori que há água em Marte, e não podes excluir isto do conhecimento a priori só porque parte de algo com justificação empírica.

    Bottom line: se permites justificação empírica algures no processo então tudo é conhecimento a priori e lá se vai a capacidade deste termo de distinguir coisas. Se não permites nenhuma justificação empírica da verdade de alguma proposição então tens que dispensar a matemática e a lógica e limitares-te aos triviais solteiros que não são casados.

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  32. Desidério,

    «A nossa crença no Modus Ponens não é indutiva porque se o fosse seria apenas a crença de que o Modus Ponens é provavelmente válido, e a nossa crença é que é mesmo válido, e não apenas provavelmente válido.»

    O modus ponens não é, por si, mais válido que, por exemplo, afirmar o antecedente. Simplesmente que em muitas situações vemos que inferir o consequente da verdade do antecedente dá melhores modelos na nossa experiência do que fazer o contrário.

    Excepto, por exemplo, quando queremos uma explicação. Nesse caso de A -> B, sabendo que B podemos inferir tentativamente A. Esta regra de inferência é inválida na lógica de primeira ordem mas muito útil na ciência.

    O que demonstra que as próprias regras de inferência lógica são definidas a posteriori, com base no que a nossa experiência demonstra melhor servir os nossos objectivos em cada situação.

    Nota que, a priori, não há razão nenhuma para escolhermos apenas regras de inferência que preservem o valor de verdade das expressões. Isso é uma restrição que impomos à lógica para que nos sirva adequadamente -- pela nossa experiência. E sem essa restrição o modus ponens é tão válido como o ovo estrelado ou o que for.

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  33. Concordo com o Desidério. Tem argumentos mais estrurados, coerentes e convincentes do que o Ludwig.

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  34. Por mera reflexão não descobres verdades físicas, biológicas ou sociológicas

    Não concordo mesmo nada! Acho até que a questão é bastante semelhante, embora aceite que uma disciplina é bem mais abstracta (e portanto da parte de quem observa um matemático até parece que ele nem precisa de observar o mundo) do que outra (como um sociólogo que gasta mais tempo em entrevistas do que em analisar o conhecimento adquirido), no entanto não vejo fronteira alguma na qual possa definitivamente dizer que uma cadeira é totalmente abstracta (a priori) e outra totalmente "concreta", pois se tal fosse possível, deixava de ser conhecimento.

    Para exemplificar, foi através do raciocínio que Darwin induziu que a evolução acontecia através da Selecção Natural. Foi através da reflexão que Einstein percebeu como a velocidade da luz influenciava a gravidade, a energia, o tempo e a massa.

    Se é preciso justificar empiricamente os teoremas da geometria, dado que ninguém fez tal coisa

    2 coisas.
    1º, gostaria de te dizer que se a evidência empírica estivesse contra determinado teorema, então nunca se teriam materializado, ou ganho qualquer sucesso. Apenas por aqui se vê a importância do empírico. É como Popper ou Feynman dizem, quer dizer, podes ter a teoria mais bonita do mundo, se ela não bate certo com a realidade, é lixo. O resultado naturalmente é que todas as teorias que temos são lógicas, mas nem todos os argumentos lógicos foram validados.

    2º, repara no que Godel diz. Se todos os teoremas dependem uns dos outros, e não há possibilidade de "fechar" o sistema, isso significa que de alguma maneira subentendemos que existe uma referência exterior algures no sistema lógico da geometria. Não é por acaso que o teu querido Russell ficou devastado pelo que Godel disse sobre esta matéria, esta tua teoria de que existe um método puramente abstracto de atingir a realidade foi mostrado pela própria matemática que era falso. Dito de outra forma, o Modus Ponens não é uma verdade última em si, não é verdadeiro só porque sim, mas porque cremos que seja. Funciona. E até não funcionar, usamo-lo. Tal como a teoria de Newton funcionava para explicar a gravidade.

    Repara BEM no que dizes:

    A nossa crença no Modus Ponens não é indutiva porque se o fosse seria apenas a crença de que o Modus Ponens é provavelmente válido, e a nossa crença é que é mesmo válido, e não apenas provavelmente válido.

    És mesmo filósofo? E nem te apercebes da "tolice" (back at ya!) que é dizer que uma crença é diferente de uma probabilidade? Meu caro, se cremos em algo é porque não sabemos a 100% da sua existência. E é nestes casos que a probabilidade é útil, para determinarmos a probabilidade da sua existência. Por definição a probabilidade é uma medida (subjectiva ou objectiva) daquilo que não sabemos.

    Ora, se tu estás a "propor" que sabemos realmente que o Modus Ponens é totalmente válido, sempre, a 100%, sem qualquer correcção a fazer, deves ter uma prova a teu favor. Mostra.

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  35. barba rija:

    É diferente acreditar que A tem 50% de probabilidade de ganhar, ou acreditar que A tem 100% de probabilidade de ganhar. Ambas são crenças, e podem estar erradas, mas são crenças diferentes, e acho que era esta a diferença que o desidério estava a salientar.

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  36. Sinceramente, Desidério, acho que aquilo que te faz mesmo falta é visitares um matemático na crispa da onda, daqueles que estão mesmo a alterar/adicionar a matemática corrente (fazer história), para veres se ele faz as coisas "sozinho", ou se as faz tendo em conta questões exteriores, confusões derivadas de disciplinas empíricas.

    Verás que nenhum avanço de matemática não foi devido a estas necessidades, e questões levantadas. A questão da probabilidade e da estatística está em alvoroço completo entre os bayesianistas e os frequentistas, questões puramente matemáticas, puramente abstractas, e no entanto os argumentos levantados são altamente empíricos.

    Acho que o Desidério é que gosta da vidinha dentro do laboratório de livros em casa, e gosta desta ideia do a priori porque lhe convém e não gosta de sujar os sapatos, que convenhamos, é para "tolos".

    Foi precisamente este tipo de pensamento, à la Aristóteles, que mergulhou todo o conhecimento numa enorme idade negra.

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  37. Meu caro João Vasco, se são crenças, têm a possibilidade de estarem erradas, como tu próprio admites, logo a probabilidade de o Modus Ponens não ser válido é admitido a priori, se me permites a piada.

    Ou seja, é um paradoxo. E é isto que eu quero dizer, se estiveres um pouco mais atento.

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  38. Esta conversa está muito interessante, mas às vezes fico com a sensação que o Desidério e o Ludwig estão a falar de coisas diferentes.

    O Desidério afirma que os matemáticos não precisam de fazer experiências. Isto dificilmente convencerá o Ludwig, pois ele sabe que qualquer matemático terá tido interacção com o mundo exterior antes de ser um matemático. Alega portanto que sem essa interacção seria impossível fazer matemática. Não são experiências científicas no sentido usual do termo (feitas no laboratório e tal), mas são experiências "empíricas" ainda assim.

    De qualquer forma, se não percebi mal, isto não contraria necessariamente a existência de conhecimento "a priori": simplesmente "a priori" quer dizer outra coisa. Acho que a ideia é qualquer coisa do tipo: houve experiência, raciocínio, tudo isso, e hoje temos vários ramos do conhecimento. E agora, é possível responder a novas perguntas matemáticas sem fazer experiências empíricas adicionais? Diria que sim. E novas perguntas sobre Física? Psicologia? Economia? História? Para algumas perguntas, sim. Para outras não. Muito do conhecimento criado nestas áreas vai depender de experiências empíricas adicionais. E alegadamente isso não aconteceria na matemática (se bem que comece a acontecer em alguns ramos...).

    Percebi mal?

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  39. barba rija:

    Então acreditares que a probabilidade de algo acontecer é 100% é contradição?

    Mas isso não deixa de acontecer. E esse é o ponto.

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  40. Barba Rija:

    «Para exemplificar, foi através do raciocínio que Darwin induziu que a evolução acontecia através da Selecção Natural. Foi através da reflexão que Einstein percebeu como a velocidade da luz influenciava a gravidade, a energia, o tempo e a massa.»

    No que diz respeito à selecção natural, a ideia poderia ser consequência de um conjunto de axiomas (os animais reproduzem-se; o número esperado de descendentes depende das características do ser e do meio; e os descendentes têm as características dos progenitores mais pequenas variações aleatórias) mas Darwin andou mesmo a fazer muitas observações para chegar lá.
    Mas mesmo que fosse só por raciocínio, a ciência só poderia aceitar essa ideia confirmando esse facto, não fosse o caso dos axiomas da ideia não se aplicarem.

    Algo semelhante acontece em relação a Einstein: ele chegou à relatividade restrita (que é a única das relatividades que conheço decentemente) apenas por raciocínio. Mas isso só passou a ser novo conhecimento científico uma vez confirmado pela experiência. Einstein podia ter postulado axiomas errados ou inaplicáveis nos casos em questão.

    Na matemática não existe este problema. Eu digo "seja o axioma A B e C, concluo D", e ninguém faz experiências "empíricas" (passo o pleonasmo) para confirmar. Apenas verificam o meu raciocínio.
    Claro que se A, B e C não tiverem nada a ver com o mundo real, aquilo que concluí é inútil. Mas continua a ser matemática, e não deixa de estar certo (tanto quanto sabemos).

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  41. João Vasco:

    "é possível responder a novas perguntas matemáticas sem fazer experiências empíricas adicionais? Diria que sim. E novas perguntas sobre Física? Psicologia? Economia? História? Para algumas perguntas, sim. Para outras não"

    Estou de acordo contigo, foi esta posição que ja defendi. O problema do Desidério vs Ludwig na minha opinião resume-se ao seguinte: O Desidério considera fulcral cimentar o conceito de "á priori" como sendo um conceito relevante na abordagem do conhecimento humano e o Ludwig por seu lado acha que como não existe "à priori" de facto, so indirectamente, que o conceito nem importancia tem. (certo Ludwig? certo Desidério?)

    Tu fazes o mesmo com esta frase que te citei (espero que não abusivamente), e para mais mostras empiricamente porque é que talvez o Ludwig tenha razão.

    Um dos problemas do Desidério é que ele considera que a viabilidade da filosofia depende da legitimação do "à priori", mas eu penso, humildemente, que isso é um erro. A filosofia vai continuar a existir para alem da vida util do conceito "à priori". Penso que talvez fosse essa a verdadeira questão a discutir.

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  42. O Ludwig, na sua "profunda sabedoria" diz que no DNA não existe qualquer código!

    É só uma molécula!!!

    Para ele, a existência de um código no DNA é só produto da imaginação de ums criacionistas que querem fazer evangelização (provavelmente Francis Crick e James Watson são criacionistas disfarçados!!).

    No entanto, já demonstrámos abundamente quão errado está o Ludwig.

    Mas podemos fazê-lo outra vez.

    Veja-se o artigo intitulado:

    "The genetic code is nearly optimal for allowing additional information within protein-coding sequences" dos autores Shalev Itzkovitz e Uri Alon, ambos de Israel.

    No seu abstract, os mesmos dizem que na verdade não existe apenas um código no DNA, mas múltiplos códigos paralelos altamente eficientes.

    No seu profundo autismo intelectual, o Ludwig diz que não existe nenhum!!!

    O seu problema é que esta posição é simplesmente insustentável do ponto de vista científico.

    Ela é pura cegueira, de quem já percebeu que a existência de informação e código é uma evidência incontornável de inteligência.

    Daí que o Ludwig se tenha encurralado num beco sem saída. Vejamos como é que ele consegue saír de lá.


    Mas vejamos algumas palavras dos referidos autores que falam de múltiplos códigos paralelos. Sem quererem, eles dão fortes munições aos criacionistas, que não têm que negar a ciência como o Ludwig.

    Eis as suas palavras:

    "DNA sequences that code for proteins need to convey, in addition to the protein-coding information, several different signals at the same time.

    These "parallel codes" include binding sequences for regulatory and structural proteins, signals for splicing, and RNA secondary structure.

    Here, we show that the universal genetic code can efficiently carry arbitrary parallel codes much better than the vast majority of other possible genetic codes.

    This property is related to the identity of the stop codons.

    We find that the ability to support parallel codes is strongly tied to another useful property of the genetic code—minimization of the effects of frame-shift translation errors.

    Whereas many of the known regulatory codes reside in nontranslated regions of the genome, the present findings suggest that protein-coding regions can readily carry abundant additional information."

    Published online before print February 9, 2007, 10.1101/gr.5987307
    Genome Res. 17:405-412, 2007
    ©2007 by Cold Spring Harbor Laboratory Press; ISSN 1088-9051

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  43. João Vasco:

    ...mas Darwin andou mesmo a fazer muitas observações para chegar lá.

    Claro, mas esse é o ponto. Se Desidério chama a este tipo de conhecimento um conhecimento diferente do "a priori" dele, só o pode fazer porque alguém fez as observações empíricas necessárias muito antes dos actuais matemáticos ou filósofos. A pergunta importante é: importa quem fez as observações? Será possível dizer que determinado conhecimento é "a priori" só porque a última pessoa que tocou na matéria e fez o último passo não teve de fazer nada de empírico?

    É que se for esse o caso, então a coisa desmancha-se. A rir.

    Claro que se A, B e C não tiverem nada a ver com o mundo real, aquilo que concluí é inútil.

    E no entanto, como o distinguir totalmente do que Einstein postulou? Do processo, digamos? E se é inútil, estará mesmo "dentro" da matemática, ou dentro de alguma caixa de horrores esquecidos, aquele lugar para onde se enterram esqueletos desnecessários?

    Dê-me um caso de matemática ou geometria desnecessário.

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  44. Barba rija:

    "Foi precisamente este tipo de pensamento, à la Aristóteles, que mergulhou todo o conhecimento numa enorme idade negra."

    Não estou de acordo contigo. Existe cada vez mais trabalho decente feito "sem sair de casa". Com produção de conhecimento. ( que tem contudo base empirica)

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  45. Concordo com o Ludwig.

    Penso que "a priori" foi uma infeliz classificação do Kant. Quem faz matemática sabe bem a quantidade de experimentação que é necessária para produzir um teorema. O facto de uns utilizarem mais resmas de folhas, outros mais o mMthematica e outros quase exclusivamente os neurónios significa simplesmente que utilizam laboratórios diferentes para fazer as suas experiências. O pergaminho do teorema de pitágoras ou as centenas de páginas da demonstração de Andrew Wiles são a "fotografia" dessas experiências. As repetidas crises na matemática com os infinitos mostraram que não se podia confiar nas "intuições à priori". Einstein mostrou, raciocinando sobre resultados experimentais que a geometria euclidiana não corresponde à realidade. Gödel deu a machadada final : há proposições que não se demonstram no sistema.
    Não existe conhecimento à priori nem há posteriori - essa é uma idéia falhada; o que existe são aspectos da realidade cuja validade é mais global/universal (caso da lógica e matemática) e outros cuja validade é mais local/contextual (fisica, quimica, biologia, ...). Coorrespondentemente existem aspectos da realidade cuja informação é mais fácil de representar (e por isso mais acessivel ao tratamento simbólico e formal) e outros que são mais complexos.

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  46. ...que tem contudo base empirica...

    Bem, nada tenho contra isso, mas dê-me só um exemplo.

    - com -, bingo. Bom comentário.

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  47. barba rija:

    Não importa quem fez as observações. Devo-me ter feito entender mal.

    Imagina que em vez do Darwin era um matemético qualquer. Ele estipulava os axiomas da selecção natural e deduzia a evolução. Isto não chegava. Porque é necessário saber se os axiomas se aplicam ou não. É necessário que outros confirmem empiricamente a validade da teoria do nosso matemático. Só aí haverá novo conhecimento de biologia.

    Mas em matemática - em teoria, e nas situações "tradicionais" - não é assim. O matemático estipula os axiomas, e deduz teoremas. E depois não importa se os axiomas são verdadeiros ou não. Se o raciocínio estiver certo, o teorema é aceite como decorrente daqueles axiomas. Nenhuma experimentação é necessária.

    Aqui há uma diferença importante.


    Conhecimento matemático inútil não é fácil, porque aquele que nos é transmitido é o mais útil de toda a gigantesca quantidade de conhecimento matemático que é produzido. Sei que alguns matemáticos ingenuamente se orgulhavam de desenvolver conhecimento que nunca teria aplicação prática - e acabou por ter. Se eu pegar em axiomas ridículos e deduzir teoremas inúteis isso é matemática? Imagino que sim, mas sou ingorante nestas matérias.

    Por isso não estou a defender um lado ou outro. Estou a tentar entender melhor a discussão, e a tentar despistar algumas confusões.

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  48. Este comentário foi removido pelo autor.

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  49. Há quem diga que negar o axioma da escolha é inútil. Justamente porque a matemática que se faz a partir daí é muito menos útil.

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  50. Mas em matemática - em teoria, e nas situações "tradicionais" - não é assim. O matemático estipula os axiomas, e deduz teoremas. E depois não importa se os axiomas são verdadeiros ou não.

    Pois bem. Mas não passam de especulações matemáticas. Lembra-te que praticamente todos os avanços matemáticos se deveram a necessidades (ou curiosidades) reais de cientistas como físicos, sociólogos, biólogos, técnicos de informática, etc. Estatística, teoria do caos, etc., etc. Claro, nem sempre é assim, mas raramente uma teoria matemática não encontra a sua aplicação concreta (por aplicação concreta, refiro-me a ser útil por representação de determinado fenómeno real). E quando não a encontra, provavelmente deixa-se morrer. Ou então fica como um hobby, até ser útil (como o teorema de Fermat).

    Se a matemática não fosse útil, nunca teria nascido e nunca se teria desenvolvido. Esta assumpção de a matemática poder existir "fora" desta coisa empírica respira de um ar muito ingénuo, e devo dizer, ingrato para com os nossos antepassados que tanto se esforçaram por retirar da natureza uma lógica de compreensão da mesma.

    Faz-me lembrar os religiosos que tontamente repetem que as morais "vêm de Deus", e que é uma "tolice" que tenham nascido da experiência, pois o mundo sem "morais" seria impossível, seria a lei do mais "forte", amoral, etc., ou seja, argumentam que a moral existe numa esfera à parte da experiência humana. O argumento é extraordinariamente parecido. E igualmente tonto.

    Se eu pegar em axiomas ridículos e deduzir teoremas inúteis isso é matemática? Imagino que sim, mas sou ingorante nestas matérias.

    Boa pergunta. Gostaria também que alguém me respondesse a essa ;).

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  51. Barba Rija:

    "...que tem contudo base empirica...

    Bem, nada tenho contra isso, mas dê-me só um exemplo."

    Um exemplo recente e muito util é o trabalho de revisão de artigos apresentado no livro "Treat or treatment" do Prof Edzard Ernst. Como o departamento dele não tinha guito para por as mãos na massa, foi "só" selecionar os trabalhos publicados por um critério de rigor, e apresentar os resultados.

    Mas ja tinha aqui dado os exemplos de Einstein (que eu saiba mal pos os pes num laboratorio), e do Daniel Dennett (filosofo)

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  52. Perdão

    O livro é "Trick or Treatment"

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  53. Barba rija:

    De resto estou de acordo contigo. Não considero que isso seja à priori. Seja o que for que essa coisa signifique porque o que concluo depois de isto tudo é que significa tanto como o que eu e tu argumentamos nos comentarios do "Especulação".

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  54. Se eu pegar em axiomas ridículos e deduzir teoremas inúteis isso é matemática? Imagino que sim, mas sou ingorante nestas matérias

    Certamente que é. Foi o que fez o Jonathan Schaeffer

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  55. Mesmo esse trabalho partiu de determinados conceitos empíricos (o próprio jogo é uma metáfora da realidade, so...), e depois temos o que o próprio diz:


    Schaeffer believes the techniques he has developed could be applied to many real-world problems. He gives the example of scheduling the time and work required to build a complex machine such as the space shuttle. "With these techniques, you could optimise the use of your resources to build the shuttle for the least time or cost," he says.

    Por isso, vemos já que não é inútil. Não me tomem por confucionista, no entanto. Acho que se deve dar a máxima liberdade criativa aos cientistas.

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  56. Barba,
    a questão que me coloco é: o que é que é um teorema inutil?

    Parece-me que pelo menos há sempre a possibilidade de uma aplicação lúdica.

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  57. Exacto - precisamente o meu ponto: não há fronteira entre o mundo abstracto e o concreto. Tudo é pensamento e tudo é empírico.

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  58. Um conhecimento não pode vir directamente do empírico, mas ser (pelo menos aparentemente) inútil? Para Sarah Palin estudar moscas é inútil. Vamos supor que sim: deixaria de ser conhecimento à posteriori? Se souberem que coelhos comem as suas próprias fezes por não conseguirem digerir os vegetais, extraem daí alguma utilidade prática? Neste caso digo que continua a ser conhecimento, mas estou com a mesma sensação que João tem quando usam os termos a priori e a posteriori («às vezes fico com a sensação que o Desidério e o Ludwig estão a falar de coisas diferentes»).

    Se eu estiver a jogar xadrez, e estiver a prever os resultados de jogadas, o conhecimento obtido do raciocínio - que pode dar origens a estratégias - é a priori ou à posteriori? Porquê?

    Se imagino sólidos a deformarem-se - mesmo de um modo que nunca vi na prática, ou até mesmo se for em princípio impossível de fazer na prática -, o faço-o por algum conhecimento a priori ou a posteriori? Porquê?

    Ao assumir que o mundo não é uma ilusão, vivendo como se fosse real, faço-o a priori ou a posteriori? Porquê? A lógica é lógica por algum pragmatismo na comunicação, ou porque funciona, ou por ser óbvia, ... e é a priori ou a posteriori?

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  59. "Sem acesso à experiência o computador nunca vai saber nada porque é esse aspecto empírico que distingue conhecimento da execução cega de procedimentos."

    Propoes que a consciencia é o input constante do meio ambiente?

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  60. João Vasco,

    Parte do problema entre mim e o Desidério é percebermos exactamente no que é que discordamos. Mas isso, por si, já é um problema interessante, e pode até ser mais interessante que qualquer resolução (que podemos nem encontrar).

    «De qualquer forma, se não percebi mal, isto não contraria necessariamente a existência de conhecimento "a priori": simplesmente "a priori" quer dizer outra coisa.»

    Eu não tenho grande problema com o a priori por si. A noção de independente de qualquer fundamento empírico é fácil de perceber.

    O meu problema é com o que se torce e retorce deste conceito para poder fazer do a priori um tipo de conhecimento. Ao contrário do que me parece defender o Desidério, eu não acho que a lógica, a matemática e a física sejam fundamentalmente diferentes. Em todas estas há infinitos sistemas que podemos formalizar. E em todas escolhemos apenas aqueles que, na nossa experiência, têm alguma utilidade.

    E se partes deste processo fazem referência a algo na nossa experiência e outras apenas recorrem a relações entre ideias isso é verdade em todas.

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  61. João,

    « o Ludwig por seu lado acha que como não existe "à priori" de facto, so indirectamente, que o conceito nem importancia tem. (certo Ludwig? certo Desidério?)»

    Eu acho que não existe *conhecimento* a priori. Pode existir muita coisa a priori -- tudo o que o meu PC faz, por exemplo. Só que não é conhecimento.

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  62. João Vasco,

    «Mas em matemática - em teoria, e nas situações "tradicionais" - não é assim. O matemático estipula os axiomas, e deduz teoremas. E depois não importa se os axiomas são verdadeiros ou não.»

    Não concordo.

    Imagina que eu só tinha o a priori, mas conhecia magicamente todo o significado destas palavras, o que são proposições, etc. E, de alguma forma (não me parece possível), concluia a priori que a verdade é uma coisa boa. Então punha-me a criar uma lógica que me desse verdade.

    Seja então V uma constante representando a verdade. Seja o um operador sobre um conjunto se proposições que devolve V. Qualquer inferência na minha lógica é a aplicação de o a um conjunto de proposições de partida. A minha lógica é óptima porque, sejam quais forem as proposições de partida, a conclusão é sempre verdadeira (V).

    Eu proponho que isto é um disparate precisamente porque nós avaliamos os axiomas e o sistema empiricamente, e este, empiricamente, é uma bosta :)

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  63. Ludwig:

    Eu estava a falar de conhecimento humano.

    Não me referia em à priori na cebola, certo? :)

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  64. João,

    «Propoes que a consciencia é o input constante do meio ambiente?»

    Não... proponho que para que algo seja conhecimento temos que ter consciência de que o sabemos, e que ter consciência implica necessariamente alguma forma de informação obtida empiricamente. Nem que seja "sei que penso porque sinto que estou a pensar". Ninguém pode saber que pensa sem saber empiricamente que pensa...

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  65. "ter consciência implica necessariamente alguma forma de informação obtida empiricamente"

    Não estou a dizer que discordo, mas reparo que és consistente com a frase original que eu citei. Acho que pode ser interessante desenvolveres. Se ja o fizeste ainda não li.

    Se bem me lembro, a primeira sensação autoconsciente que tive foi o "estar aqui e agora". Sem duvida que tem uma base empirica.

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  66. O raciocínio, operando sobre o abstracto ou sobre dados concretos, trata de tornar óbvias afirmações que à partida não o são.

    Tornar óbvio é um processo cognitivo. Tal como ver ou ouvir. Nós "saboreamos" os nossos argumentos com a capacidade de raciocinar sobre as coisas.

    A única maneira de dizer que um teorema está demonstrado é lendo-o atentamente e ponderar todos os passos. A única régua da verdade acaba por ser uma sensação.

    (Talvez por se recusarem a aceitar o facto de avaliarmos a verdade com processos químicos é que muitos pensadores caíram em solipsismos pós-modernistas.)

    Posto isso não posso senão dar razão à tese de que a noção de verdade ou de falsidade é uma experiência cognitiva. Pode ser inata mas não é por acaso.

    Mas quando me pergunto se a verdade existe por si só, fico sempre com a impressão de que há tantos abusos de linguagem pelo caminho que responder à pergunta pode não ser satisfatório.

    A verdade do modus ponens ou do tollens é sempre ensinada com exemplos. Não sei como de outra forma seja possível. Isto corresponde ao que o Ludwig defende.

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  67. Francisco,

    «Mas quando me pergunto se a verdade existe por si só, fico sempre com a impressão de que há tantos abusos de linguagem pelo caminho que responder à pergunta pode não ser satisfatório.»

    Penso que é mais ou menos isso (o teu comentário deixa alguma margem para interpretação...)

    É possível programarmos um computador para determinar a verdade de proposições. Por exemplo, validar a demonstração de um teorema ou comparar um modelo teórico com dados experimentais e testar se corresponde. Penso que é possível definir o que entendemos por verdade de forma que não dependa de algo empírico.

    O que não podemos é justificar a priori que nos interesse mais a verdade do que a falsidade ou as batatas fritas. Por isso a preferência por regras de inferência que preservem a verdade das proposições ou por axiomas matemáticos que façam sentido tem que ser justificada pela nossa experiência.

    A priori não havia razão nenhuma para se evitar axiomas contraditórios. Até são bons, porque permitem derivar tudo sem esforço. Que mais podemos querer de uma teoria? :)

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  68. Julgo existir nesta discussão, já recorrente, acerca do conhecimento a priori, defendido pelo Murcho, e a sua negação, defendida pelo Krippahl, uma certa confusão de base. Essa confusão parece-me residir no facto de não ter sido definido o que é considerado conhecimento.

    Para o Krippahl, o conhecimento é o conhecido, o resultado do processo de apropriação cognitiva da realidade, do processo de conhecer. Neste sentido, conhecer algo, seja que tipo de objecto real for, empírico ou não empírico, exige a justificação, a experimentação do modelo conceptual com que representamos o objecto, para aquilatar da sua representatividade. A experimentação segue regras, metodologias, adequadas ao tipo de objecto. Um objecto não empírico, em que o modelo é o próprio objecto, por exemplo, um qualquer objecto matemático ou relacional, exige as suas regras próprias de experimentação para aquilatar da sua coerência.

    A confusão do Krippahl parece-me resultar de que ele concebe a realidade apenas como realidade empírica, sem se aperceber que o próprio pensado, o conhecimento, faz parte da realidade e não é objecto empírico. Conhecimento seja sobre o que for não existe na realidade empírica. O conhecimento sobre qualquer objecto real é ele próprio um objecto real não empírico. Sem modelos conceptuais, objectos reais não empíricos, não é possível produzir conhecimento, seja sobre objectos empíricos ou não empíricos. E o conhecimento, um modelo conceptual representativo de um qualquer objecto, é um objecto não empírico.

    Para o Murcho, o conhecimento parece não resultar de qualquer processo de apropriação cognitiva da realidade. Existiria, no seu entender, e no de alguns outros filósofos, um chamado conhecimento a priori, não se sabe se intuitivo, se inspirado por qualquer divindade, que não exigiria justificação experimental. Parece-me que ele confunde o processo de produção de conhecimento com o seu resultado. O que designa por conhecimento a priori são regras do processo de produção de conhecimento, regras do pensar correcto e os axiomas em que tais regras se baseiam. Os axiomas são referentes fundamentais, que não necessitam de justificação, e por isso são arbitrários. Mas essa sua condição não faz deles conhecimento sobre algo, nem tão pouco sobre o pensar correcto. Constituem apenas regras para pensar, definições que admitimos como inquestionáveis. Da sua aplicação a um qualquer objecto resulta conhecimento sobre esse objecto.

    A confusão do Murcho está bem ilustrada no exemplo de conhecimento a priori que apresentou: todos os solteiros não são casados. Este facto não constitui conhecimento a priori, mas conhecimento a posteriori sobre o estado dos objectos empíricos “sujeitos” (casados ou solteiros), resultante da definição fundamental A não é B. Ora, um instrumento da produção de conhecimento não é o próprio conhecimento. Poderia, quanto muito, ser metaconhecimento, o que está para além do conhecimento e que permite produzi-lo. Se é este o sentido que ele pretende dar a conhecimento a priori, convenhamos que é um tanto inadequado. Além do mais, as próprias definições fundamentais poderão ser elas próprias objecto de estudo para aquilatar da sua utilidade para produzir conhecimento.

    Uma questão lateral é como produzimos os axiomas referentes fundamentais. Eles não são certamente um produto original do pensamento, desligado da existência do ser pensante no mundo empírico que o rodeia. O ser pensante só existe neste mundo e não me parece possível afirmar que algo pensado não sofra de qualquer influência da sua existência no mundo. É impossível conceber o ser pensante fora duma existência relacional com os outros e com as coisas e os objectos.

    Cordeiro Lobo.

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  69. "faz parte da realidade e não é objecto empírico"

    dualismo?

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  70. Caro Cordeiro Lobo,

    Muito obrigado pelo seu comentário. Não concordo com alguns pontos importantes, mas ajudou-me a compreender melhor não só a discordância com o Desidério mas também a minha própria posição.

    Um ponto em que discordo é:

    « E o conhecimento, um modelo conceptual representativo de um qualquer objecto, é um objecto não empírico.»

    O conhecimento implica a experiência desse modelo representativo. Um computador pode ter armazenado um modelo conceptual do sistema solar mas não tem conhecimento precisamente porque, para o computador, esse modelo não é objecto da sua experiência.

    É claro que se usarmos "conhecimento" num sentido que abranja o que o computador faz, então concordo. Nesse sentido há conhecimento a priori. Por exemplo, o meu PC neste momento conhece este texto que estou a escrever. Mas parece-me que esse sentido é demasiado abrangente, e prefiro dizer que o meu PC tem um modelo conceptual deste meu texto mas não o conhece porque para o meu PC isto não é objecto de experiência.

    Há outras questões que o seu comentário esclarece, mas penso que o seu comentário merece um post mais pensado, por isso tenho que deixar para depois.

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  71. Gregory Chaitin em entrevista por Nuno Crato (1998):

    ... Julgo que a matemática tem de ser feita um pouco como a física - é preciso avançar novos axiomas. Gödel disse isso várias vezes, tal como o próprio Russell. Einstein, um físico, e Gödel, um matemático, que eram grandes amigos em Princeton, acabavam por ter uma visão parecida. Einstein dizia que toda a matemática, começando pelos próprios números naturais, tem origens empíricas e que nós inventamos os números tal como inventamos os conceitos da física; o importante é que a construção teórica funcione. É uma visão muito empírica de um físico. A posição de partida de Gödel é oposta. Tal como a maioria dos matemáticos, ele não se questiona sobre onde existem os números, onde existem os conceitos matemáticos. E eu também faço matemática da mesma maneira. Gödel tem a visão tradicional. Mas o que diz é que, se os números são tão reais como as mesas e as cadeiras e os electrões e os protões, então para descobrir as propriedades do mundo matemático podem-se utilizar os mesmos métodos que os cientistas usam para descobrir as propriedades do mundo físico. Acabam ambos por afirmar que se pode trabalhar empiricamente em matemática e avançar novos postulados à medida que isso se torna necessário. Essa é a minha conclusão, pois o meu trabalho mostra que para ir mais longe é necessário assumir mais ...

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  72. Krippahl.

    “O conhecimento implica a experiência desse modelo representativo. Um computador pode ter armazenado um modelo conceptual do sistema solar mas não tem conhecimento precisamente porque, para o computador, esse modelo não é objecto da sua experiência”.

    Sim, tem razão, o computador não tem conhecimento e não produz conhecimento. O modelo conceptual de que dispõe não foi de sua autoria e, portanto, não foi objecto da sua experiência. Nem da sua experiência para concebê-lo, nem da sua experiência para experimentá-lo. O computador dispõe apenas de informação que lhe foi transmitida, a forma empírica que o conhecimento assume e via pela qual pode ser transmitido para outros produzirem o seu próprio conhecimento sobre um objecto.

    Quando escreve no seu computador está a transmitir-lhe informação, e é isso que ele processa apresentando-lhe o texto escrito. O computador dispõe de outros modelos conceptuais, sob a forma de programas (informação sobre ordens e a sua sequência, que deve executar sob a forma de diversas operações), que lhe permitem processar informações (dados) e apresentar os resultados da aplicação dos modelos. Quando usado para testar modelos conceptuais, o computador apenas executa mais rápida e facilmente o que nos demoraria mais tempo e custaria mais esforço. Mas não o faz por recurso a qualquer conhecimento próprio. Tudo lhe é fornecido sob a forma de informação (mesmo quando capta essa informação através de transdutores adequados). Chegarão um dia os computadores a aprenderem por experiência própria e a produzirem conhecimento? Quem sabe?

    Para além da redução da realidade à realidade empírica, que me parece errada, a sua tese de que a experimentação é o único modo de aquilatar a representatividade dos modelos conceptuais em relação aos objectos que pretendem representar, e com isso transformar hipóteses em conhecimento, parece-me correcta. Em função disso, a posição defendida pelo Murcho de que existiria conhecimento a priori, verdades conhecidas sobre um qualquer objecto produzidas só pelo acto de produzi-las, sem qualquer prova de veracidade, parece-me insustentável.

    Cordeiro Lobo.

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  73. Cordeiro Lobo:

    Sera que pode exclarecer alguns pontos dos seus comentários?

    Nomeadamente:

    "O conhecimento sobre qualquer objecto real é ele próprio um objecto real não empírico": Isto diz que todo o conhecimento não é empirico. É uma assertação. Então e se esse conhecimento assentar sobre propriedades fisicas como o ritmo de despolarização de neuronios?

    "Para além da redução da realidade à realidade empírica, que me parece errada": Sem querer dizer que todo o mundo real é já passivel de ser testado a frase parece sugerir haver uma realidade que por natureza não é empirica, portanto não testavel por essencia. Posso estar enganado mas parece-me que dizer que existe uma realidade não empirica é o que esta explicito.

    Por isso repito a pergunta a que peço o favor de responder:

    É dualismo?

    Por favor note também que eu aceito que posso estar errado, mas agredecia uma resposta.

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  74. Ludwig:

    E se como o Cordeiro Lobo diz as maquinas ganharem consciencia? O conhecimento por elas produzido e retido deixa por essa causa de ser a priori?

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  75. Ludwig:

    Esse sistema lógico que descreves seria provavelmente bastante inútil.

    Mas um sistema lógico tem de ter uma utilidade possível para poder ser estudado pela matemática?
    Se calhar sim.

    Mas eu imagino um matemático a inventar axiomas sem fundamento, - tais que alguém com experiência "empírica" (passo o pleonasmo) possa até considerar falsos - e fazer deduções desses teoremas sem fundamento, e chegar a teoremas inúteis.
    Seria impossível que isso fosse matemática?

    Vou esclarecer melhor.
    Da primeira vez que expuseste o teu argumento a este respeito - que considerei muito interessante - deste o exemplo de uns axiomas ridículos que poderiam ser manipulados para originar outros tantos axiomas inúteis. Se a situação fosse mais complexa, se as regras de dedução fossem tão complicadas que fosse muito difícil programar um computador para o fazer automaticamente, será que poderíamos garantir que quem derivasse teoremas nesse sistema NÃO estaria a fazer matemática?

    Será?

    O exemplo que deste parecia tornar óbvio que não, mas esta discussão fez-me pensar que isso talvez não fosse tão óbvio.

    Essas deduções seriam "conhecimento"? O que seria verdadeiro não seria a verdade dos teoremas, mas a verdade da afirmação de que estes decorrem daqueles axiomas. Isso seria uma afirmação verdadeira, e justificável.

    Por isso, sobre este assunto continuam as dúvidas. Ou então está a escapar-me qualquer coisa. Às tantas nem percebi bem o teu comentário.

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  76. João,

    «E se como o Cordeiro Lobo diz as maquinas ganharem consciencia? O conhecimento por elas produzido e retido deixa por essa causa de ser a priori?»

    Esse parece-me um ponto importante. Se as máquinas se tornarem conscientes da informação que têm essa informação passa a ser conhecimento. E passa a ser conhecimento em virtude precisamente de passar a fazer parte da sua experiência subjectiva.

    É por esse carácter empírico ser essencial ao conhecimento que me parece disparatada a noção de conhecimento a priori. A menos que o a priori seja definido de forma a incluir o empírico, dando depois uma grande confusão como a ideia que se faz matemática sem experiência...

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  77. Obrigado pelo esclarecimento.

    Estou de acordo contigo.

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  78. Não vejo como definir um conceito de a priori de modo que tenha um significado util sem que se lhe incorpore uma certa dose de origem experimental.

    Para dizer a verdade estou em desacordo contigo num ponto. As maquinas não tem nada a priori, tudo foi introduzido do exterior, por um mecanismo analogo à experiencia.

    Acho a questão do a priori nas maquinas interessante para mostrar porque é que o conceito tem pouca força.

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  79. João Vasco,

    «Essas deduções seriam "conhecimento"? O que seria verdadeiro não seria a verdade dos teoremas, mas a verdade da afirmação de que estes decorrem daqueles axiomas. Isso seria uma afirmação verdadeira, e justificável.»

    Sim, mas de onde vem essa noção de verdade ou, mais relevante ainda, de onde vem a noção que nos devemos importar se é verdade ou não?

    Imagina que tenho este sistema:

    A
    X
    Y

    Y o X // A

    Isto é verdade? É mentira? É alguma coisa que seja? Importa que seja alguma coisa?

    Estas perguntas, proponho, não podem ser respondidas a priori. E o sistema podes fazer, a priori, aquele que quiseres. A priori qualquer sequência de símbolos é igualmente válida.

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  80. João,

    «Não vejo como definir um conceito de a priori de modo que tenha um significado util sem que se lhe incorpore uma certa dose de origem experimental.»

    Pode ser útil se desistirmos da ideia do a priori como conhecimento e usarmos o termo para designar uma parte do processo de obter conhecimento que pode ser feita sem conhecimento. Por exemplo, o cálculo que podes fazer tu com conhecimento (dependendo da tua experiência) ou que podes deixar a cargo da máquina de calcular, que o faz a priori (e sem saber que o faz).

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  81. Tomem-se um conjunto de regras de derivação 1, 2, 3, ... (podem ser a implicação, conjunção, equivalência, etc...)

    Se a aplicação dessas regras permite desses axiomas chegar a essa sequência, então é verdade que a sequência decorre dos axiomas.

    Se a aplicação dessas regras permite chegar à negação dessa sequência - e não à sequência - então não é verdade que a sequência decorra dos axiomas.

    E isso será matemática? Hum...
    Será conhecimento? Hum...

    Mesmo que seja, podes sempre argumentar que terás de ter uma meta-lógica para argumentar que da lógica estabelecida (operações 1 2, 3 ...) e dos axiomas se pode chegar à sequência. E essa meta-lógica de uma outra meta-lógica e por aí em diante (no excelente livro "Godel, Escher e Bach" argumentavam algo semelhante) - nesse caso podes dizer que a experiência subjectiva estará sempre na ponta dessa cadeia para dizer "a minha experiência diz-me que isto é lógico". Não sei se me estou a fazer entender.

    Mas pode ser que não.

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  82. Ludwig,

    So uma coisa... Onde fica o Instinto no meio disto tudo? Topas?!

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  83. João Vasco,

    «Se a aplicação dessas regras permite desses axiomas chegar a essa sequência, então é verdade que a sequência decorre dos axiomas.»

    Mas como é que a priori tu decides o que é que são regras, verdades, axiomas, etc? Mais, como é que a priori justificas o interesse nessas coisas?

    «E isso será matemática?»

    O problema é que matemática e lógica pode ser qualquer coisa. As que temos são um subconjunto pequeno de todas as possibilidades, escolhido a dedo com base na experiência que temos acerca da sua utilidade.

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  84. Mário Miguel,

    «Onde fica o Instinto no meio disto tudo? »

    No lado da experiência mais longa deste planeta. A evolução.

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  85. Ludwig,

    És um brincalhão... Fugiste com o rabo a seringa?

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  86. Ludwig, dois pontos:

    Eu entendo que a matemática "útil" é uma proporção muito pequena de todas as derivações lógicas que podem ser feitas.
    A única coisa que questiono é como é que se garante que estas outras derivações lógicas que supostamente se poderiam fazer sem que exista nada empírico no processo (a existirem) - as derivações "inúteis" - não são elas também conhecimento.

    Nesse caso terias um conhecimento "a priori" potencial de "derivações lógicas possíveis", e a matemática "usual" seria um sub-conjunto desse conheciemnto "a priori". A única coisa que dependeria da experiência seria o reconhecimento da muito maior utilidade da matemática "usual" face ao conjunto mais geral de derivações lógicas possíveis.

    O problema é que as derivações lógicas exigem regras de lógica e depois podes argumentar que estas têm fundamento empírico. Então poderíamos englobar todas as regras lógicas possíveis, mas aí precisaríamos de ter uma "meta-lógica" para confirmar que da lógica inventada e dos axiomas inventados decorrem os teoremas que assumo serem conhecimento não empírico. E agora podes dizer que esta meta-lógica tem origem empírica, ou se eu disser que é inventada vamos precisar de uma meta-meta-lógica e por aí fora.
    Contra mim argumento, portanto. Mas isto tem uma saída, que foi referida no comentário a que respondeste: o instinto.
    Se existissem regras lógicas "intuitivas" - cuja intuição não dependesse da experiência - então poderíamos sempre usar essas como ponto de partida, para derivar conhecimento de axiomas inventados (mesmo que os axiomas fossem a formulação de outras regras lógicas).

    Tu acabaste de responder que mesmo que nascessemos com intuições lógicas independentes da experiência, isso seria resultado de uma "grande experiência" - a selecção natural.
    Mas aí creio que foges do assunto - a selecção natural, tanto quanto se saiba, não é uma observação científica feita pelos seres humanos. Há experiências, há tentativa e erro, etc... Mas não no sentido que aqui nos referimos na epistemologia.

    Se o Adão (eh!eh!) ainda estivesse vivo para ver os seus descendentes 6000 anos depois a terem a intuição da regra lógica da implicação, seria complicado dizer que o Adão chegou à intuição pela "experiência empírica". E ainda por cima as mutações só fazem perder informação, portanto ninguém nenhum dos seus descendentes ia chegar lá...

    Mas brincadeiras à parte, as regras lógicas intuitivas inatas -se é que existem - não são conhecimento empírico por causa da selecção natural. O agente tem-nas de partida, a sua experiência pessoal é desnecessária para chegar lá. E suponho que quem traçou a delimitação do "conhecimento a priori" era a esta experiência que se referia. Não à "experiência acumulada" embuida no nosso código genético.

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  87. Ludwig,

    Isto de não ter tempo para comentar, é o diabo. Desculpa ser telegráfico.

    Mas o Vasco fez o favor (em parte) de estender a coisa.

    Ainda há as redes neuronais e todo o """algoritmo""" que as faz bombar: por baixo do conhecimento, como matriz, massa cinzenta, o que há?

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  88. Este meu comentário estava escrito, aguardando a possibilidade de aceder à rede e de ser colocado, mas, entretanto, apareceram outros comentários e até um texto novo do Krippahl sobre o assunto, pelo que perdeu oportunidade. De qualquer modo, gostaria de responder à questão que me foi colocada.

    Julgo que não se possa reduzir esta minha concepção ao que em filosofia é designado por dualismo. O pensamento não existe sem o cérebro vivo; só o cérebro vivo é capaz de produzir pensamentos. Neste sentido, o pensado, enquanto produto da organização da matéria viva, é único, não existe fora desta realidade. São os estados funcionais do cérebro vivo, susceptíveis de regulação por retro-acção e de auto-organização, no qual o efeito regula a causa e origina uma nova causa, a energia regula a organização da própria matéria que lhe deu origem, que designo por realidade não empírica. Esses estados organizacionais da matéria viva (as ligações neuronais) produzem estados energéticos, os pensamentos, os quais só existem nessa dualidade da interacção da matéria com a sua própria energia. E isto não é produto de qualquer programação inata (ainda que maior ou menor aptidão possa ser inata, adquirida por utilidade evolutiva), nem do teste sistemático das ideias. No processo de produção de conhecimento, a imaginação formula hipóteses que podem não decorrer de resultados obtidos em determinada fase do processo cognitivo, constituindo rumos novos, totalmente inventados, e que vêm a revelar-se profícuos. Isto quanto à questão da realidade.

    Quanto à questão da justificação, da experimentação ou teste. Discordo que objectos não empíricos, como os produzidos pelo pensamento não possam ser experimentados. Se assim fosse não seria possível a produção de conhecimento. Ficaríamos prisioneiros da representação sensorial da realidade empírica ou da construção de objectos não empíricos fantasiosos, artísticos, etc. Os objectos não empíricos a que me refiro são objectos produzidos intencionalmente, com o objectivo de produzir conhecimento, modelos coerentes; e podem ser construções de objectos não empíricos, como alguns modelos matemáticos, ou podem ser reconstituições, modelos de objectos empíricos. Quer uns, quer outros, para poderem ultrapassar o estádio de meras construções fantasiosas ou de meras hipóteses de representatividade, deverão ser testados, experimentados, para aferir da sua coerência ou da sua representatividade. Tratando-se de modelos conceptuais de objectos não empíricos, deverão ser testados por métodos não empíricos (recorrendo a auxiliares empíricos para a sua simulação, como a computação, por exemplo, se necessário, útil ou oportuno); tratando-se de modelos conceptuais de objectos empíricos, através da construção de modelos empíricos do objecto empírico e por métodos empíricos (sem impedir o recurso a auxiliares empíricos para a sua simulação, sempre que necessário, útil ou oportuno).

    É claro que qualquer objecto pensado, só por esse facto, não é conhecimento. O conhecimento, ainda que existindo sob a forma de objecto pensado, é um objecto distinto de outros objectos pensados; é construído intencionalmente, em muitos caso com extrema dificuldade, com muito trabalho, e recorrendo a muitos testes e experimentações. Dizer-se que o conhecimento existe só porque é um objecto pensado, como parece inferir-se do designado conhecimento a priori, julgo ser insuficiente. Daí que alguns axiomas tidos por referentes fundamentais tenham sido eles próprios produtos de processos de produção de conhecimento; eventualmente, sofrendo a influência de analogias existentes na realidade empírica, obtendo confirmação nessa realidade ou representando essa realidade de forma cómoda e útil; e muitos outros modelos conceptuais foram inventados, criados como objectos pensados, como objectos não empíricos, mas também isso não eliminou a necessidade do teste ou experimentação.

    O facto de a maioria dos modelos conceptuais serem reconstituições cognitivas de objectos da realidade empírica não implica que outros, certamente em grande minoria, sejam modelos construídos de objectos não empíricos. A utilidade comanda a vida e, por esse simples facto, a produção de conhecimento está orientada para os objectos da realidade empírica. Mas não se pode negar a existência de modelos conceptuais de objectos meramente conceptuais. Se alguns deles vierem a ter aplicação na simulação ou na reconstituição cognitiva da realidade empírica isso não passa a fazer deles objectos empíricos ou sequer construídos por analogia com a realidade empírica. Neste caso, simplesmente, a imaginação criou objectos não empíricos cujo tipo de relações também existe na realidade empírica, mesmo sem saber ou suspeitar da existência na realidade empírica de tal tipo de relações; deste modo, a imaginação antecipou-se à própria realidade empírica. A aparente inutilidade de uma tal actividade, afinal, acaba por revelar-se útil.

    Cordeiro Lobo.

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  89. João Vasco e Mário Miguel,

    Só uma rapidinha que se faz tarde :)

    Só pode ser conhecimento, no sentido que normalmente damos ao termo, aquele modelo que vier acompanhado da experiência subjectiva de que o modelo se refere a algo. Por isso o computador que tem no disco um jpg de um cavalo não tem conhecimento do aspecto do cavalo.

    Num sentido mais estrito, só pode ser conhecimento aquele modelo que para além de dar essa sensação de corresponder a algo também vem acompanhado de algum indício que corresponde. Assim, que os mafaguinhos são calafráticos não é conhecimento só porque temos a impressão que isto diz algo. Era preciso algum indicio que ligasse isto a algo.

    É por estes dois que eu digo que brincar com símbolos, se bem que possa ser legítimo numa lógica ou matemática puramente a priori, não será conhecimento. É brincar com símbolos e mais nada.

    Quanto á evolução, concordo que o processo em si não é conhecimento. Falta-lhe a tal compreensão subjectiva. Mas também não é a priori. É empirico, se bem que inconsciente. Eu não digo que tudo o que é empírico é consciente ou que tudo o que é empirico é conhecivel. O que digo é que todo o conhecimento exige consciência e que a consciência não se obtém a priori, requer experiência de algo (porque é intencional).

    Se isto está confuso é porque tive a experiência de estar a dar aulas e a tirar dúvidas a manhã toda e já são 11 da noite... :)

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  90. Para além de gralhas, falta neste parágrafo uma negativa, pelo que o cirrijo:
    "O facto de a maioria dos modelos conceptuais serem reconstituições cognitivas de objectos da realidade empírica não implica que outros, certamente em grande minoria, não sejam modelos construídos de objectos não empíricos".

    Cordeiro Lobo.

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  91. «Assim, que os mafaguinhos são calafráticos não é conhecimento só porque temos a impressão que isto diz algo. Era preciso algum indicio que ligasse isto a algo.»

    A afirmação «De acordo com os axiomas "Todos mafaguinhos são Blus", e "Todos os Blus são calafráticos" deduz-se que os "mafaguinhos são calafráticos" é verdadeira, certo? E é justificável, certo?

    Não nos diz nada de útil sobre a realidade. Será conhecimento?
    Se for, então é possível argumentar que existe conhecimento "a priori". E que, contra intuitivamente, essas porcarias sobre os mafaguinhos podem ser conhecimento genuino.

    Nota que eu entendi essa argumentação quando a fizeste da primeira vez. Pareceu-me óbvio que isso sobre os mafaguinhos NÃO era conhecimento. Agora questiono o óbvio.

    E a resposta, não a tenho. Parece-me que depende da definição de conhecimento. Por isso fui à wikipedia ver se encontrava algo de útil, que nestas coisas sou bastante ignorante.

    http://en.wikipedia.org/wiki/Knowledge

    Mas não sou só eu. Aparentemente é um debate em aberto. E agora eis o mais curioso: tu encontrar uma relação entre a crença na existência de conheciemnto "a priori" com o platonismo. Pois precisamente se adoptares a definição de Platão (justified true belief) aquela afirmação sobre os Mafaguinhos É conhecimento. Ou seja: se aceitares a definição de Platão de conhecimento, então decorre que é bem possível que exista conhecimento "a priori".

    Concordas?

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  92. Por acaso alguém leu o capítulo 8 do livro "Problemas de Filosofia" de Bertrand Russell? É que o título desse capítulo é precisamente "Como o conhecimento à priori è possível".

    Depois vem um capítulo 9 e o capítulo 10, ambos muito interessantes e que complementam o capítulo 8.

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  93. Eu não li, mas gostaria de ter lido. Fiquei muito bem impressionado com os poucos livros que li de Bertrand Russel, por isso imagino que tenha muito interesse aquilo que ele terá aí escrito.

    Isto é tanto mais curioso quanto supostamente isso se trata de uma refutação de Humme - pelo que o Desidério escreveu - cujos escritos também me agradam bastante.

    Se o António Parente resumir o argumento exposto nesse capítulo pode enriquecer este debate.

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  94. João Vasco

    Como estamos próximo do Natal, faço muito mais. Ofereço-lhe o livro na totalidade. Aqui vai:

    http://www.cfh.ufsc.br/~conte/
    russell.html

    Não espalhe por aí que o livro está online ou o tradutor ainda fecha o site...

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  95. João Vasco

    Como estamos próximo do Natal, faço muito mais. Ofereço-lhe o livro na totalidade. Aqui vai:

    http://www.cfh.ufsc.br/~conte/russell.html

    Não espalhe por aí que o livro está online ou o tradutor ainda fecha o site...

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  96. João Vasco,

    «A afirmação «De acordo com os axiomas "Todos mafaguinhos são Blus", e "Todos os Blus são calafráticos" deduz-se que os "mafaguinhos são calafráticos" é verdadeira, certo? E é justificável, certo?»

    Vamos supor que sim, que é verdadeira e justificável nessa forma. Para ser conhecimento só falta ser uma crença. Alguém tem que pensar acerca dessa afirmação que ela é verdadeira. E isto parece-me impossível sem recorrermos à nossa experiência. Esse é um problema do conhecimento a priori: não pode ser independente da experiência para ser conhecimento.

    O outro problema é a justificação. Como é que tu podes justificar a alguém a verdade dessa proposição? Parece-me que isso também terá de depender de experiências partilhadas.

    Finalmente, é de notar que com estas coisas estamos a levar o termo "conhecimento" além do que seria razoável. Se no meio da conversa dos mafaguinhos alguém perguntar "mas do que é que estão a falar?" tornar-se há embaraçosamente evidente a vacuidade do a priori, mesmo este a priori adulterado :)

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  97. António Parente,

    «Por acaso alguém leu o capítulo 8 do livro "Problemas de Filosofia" de Bertrand Russell?»

    E o 9 também, que talvez até seja mais importante, porque mostra o problema de lidar com os universais antes de se saber como o cérebro funciona. Quando percebemos a forma como redes neuronais generalizam (criam universais) a partir de conjuntos de exemplos percebe-se que esse dominio do tradicional do a priori é uma extrapolação do empírico.

    Eu gosto imenso de Russel, mas escrever em 1912 tem desvantagens difíceis de ultrapassar, mesmo para um tipo esperto como ele.

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  98. Lê, Russell, Ludwig. Lê Russell.

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  99. Ah, já leste. Desculpa-

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  100. Se Russell é de 1912, então tens o filósofo português Murcho com a sua tese de mestrado "Essencialismo Naturalizado". É de 1999, século passado, já com algum pó, mas comparando com 1912 é uma novidade. E parece que foi aprovado por Muito Bom. Vê lá como criticas porque senão ainda retiram o mestrado ao rapaz.

    Podes obter a tese em pdf na seguinte página:

    http://fildalinguagem.no.sapo.pt/murcho.html

    Clikas em "puxar" e rapidamente porque quando o Murcho descobrir acaba logo com aquilo pois o livro está à venda nas livrarias (custa 10 euros) e tem direitos de autor.

    Vais ver que gostas. Dou-te só um cheirinho com um exemplo da página 30 onde se foca um tema já aflorado na caixa de comentários:

    2+2 =4.

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  101. António Parente,

    Obrigado pelo link. Mas o problema essencial, que é a base desta discussão, mantém-se. O Desidério define que uma proposição é a priori se, e só se, pode ser conhecida sem o concurso da experiência.

    O problema é que não existe tal coisa. Ou é conhecida ou é sem o concurso da experiência. E nisto já concordámos. O próprio Desidério admitiu que é preciso experiência para compreender os termos, a relação expressa, etc.

    Então se admitimos experiência para que seja conhecimento, a categoria do a priori não é aquela que é independente da experiência mas sim aquela que depende de umas experiências e não de outras.

    O que nos leva ao problema de distinguir quais as experiências que admitimos no a priori e quais as que excluimos, coisa que não me parece ter sido feita adequadamente. E o problema adicional de justificar a relevência disso.

    Assim, admitimos que é por experiência que se pode saber o que quer dizer "2", como somar, e que a igualdade se refere à quantidade expressa pelos símbolos quando dizemos "2+2=4". Mas não admitimos a experiência que nos dá, por exemplo, uma risca de absorção no espectro de outro planeta que nos permite inferir que lá existe água. Só assim distinguimos um como conhecimento a priori e outro como conhecimento empírico. E isto parece-me uma distinção arbitrária, inútil e confusa.

    Tão confusa que leva depois ao erro de dizer que se pode fazer matemática só a pensar, sem recurso à experiência, algo que é contrário às evidências e nem sequer segue da definição de a priori que admite o recurso à experiência...

    Por mim, usa-se a priori para designar o que o computador faz, esquece-se a noção que isso por si seja conhecimento, e sempre ficamos com uma categoria útil.

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  102. Ludwig

    Bertrand Russell (penso que tenha sido ele, leio tanta coisa que posso confundir as referências) colocou uma vez esta questão:

    "Como saberemos que daqui a cem anos, se somarmos dois mais dois cidadãos de Londres obteremos quatro cidadãos?"

    Se a pergunta fosse referente a hoje, a resposta era simples. Juntávamos os cidadãos e tinhamos o resultado. Mas em relação ao futuro? Empiricamente, não podemos trabalhar com cidadãos que ainda não nasceram.

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  103. Ludwig

    de repente os primos desapareceram da caixa de comentários. parece-me que a discussão sobre o criacionismo seguida de um debate sobre o conhecimento à priori os esgotou mentalmente.

    é tempo de amendoins para retemperar forças. não recomedo a publicações de fotos de nús artísticos (sugiro para um post deste tipo as tags amendoins e gozo), não se vá dar o caso de ao esgotamento cerebral se acrescentar um esgotamento físico. seria uma perda muito grave. nem com uma dose dupla de amendoins recuperariam.

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  104. António Parente,

    «Como saberemos que daqui a cem anos, se somarmos dois mais dois cidadãos de Londres obteremos quatro cidadãos?»

    Extrapolando da nossa experiência, tal como sabemos que daqui a cem anos o Sol ainda vai existir.

    Parece que essa soma de cidadãos é mais fiável que a existência do Sol, mas apenas porque a nossa experiência sugere que sejam quais forem os cidadãos de Londres poderemos massajar esses conceitos de forma a considerar verdadeira a afirmação. Assim, se Londres for entretanto invadida por extraterrestres líquidos, e mesmo que juntando dois pares deles se fique com um maior, podemos adaptar a noção de soma para excluir a junção física e resolver esse problema. Ou dizer que o que entendemos como sendo somado é o volume ou o número de moléculas de cidadãos. Com essa flexibilidade, a nossa experiência sugere que vamos sempre poder adaptar a afirmação à situação.

    Mais ainda. Mesmo que a Terra fosse vaporizada entretanto poderiamos dizer que a afirmação continuava verdadeira no sentido em que, se houvesse cidadãos em Londres, a soma de dois pares daria quatro cidadãos.

    Mas a mesma permissibilidade deste tipo de afirmações que faz parecer serem independentes da experiência fá-las também ser menos conhecimento. No limite, se as tornarmos totalmente independentes da experiência desligando-as de qualquer significado deixam de ser conhecimento.

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  105. A noção de soma é conhecimento á priori, Ludwig. Aplicaste-a na experiência mas tiveste de a adquirir antes. O resultado da soma é conhecimento à posteriori. Mas o conceito de soma é conhecimento à priori. Sem o conceito de soma no teu pensamento não consegues somar. Se somas, já tens um conhecimento formado no teu cérebro. O resto do que dizes é a tua imaginação prodigiosa, não é filosofia.

    Presumo que consideres que a teoria das cordas não é conhecimento já que não é empiricamente vericávek, tanto quanto sei.

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  106. Este deve ser um dos artigos mais comentados. LOL

    António Parente:
    «Bertrand Russell (penso que tenha sido ele, leio tanta coisa que posso confundir as referências) colocou uma vez esta questão:

    "Como saberemos que daqui a cem anos, se somarmos dois mais dois cidadãos de Londres obteremos quatro cidadãos?"»
    Foi ele que o disse.

    O Ludwig escreveu:
    «Quando percebemos a forma como redes neuronais generalizam (criam universais) a partir de conjuntos de exemplos percebe-se que esse dominio do tradicional do a priori é uma extrapolação do empírico.»

    A redes neuronais permitem, por exemplo, o reconhecimento óptico de caracteres, o reconhecimento facial, análise de voz, traduções de uma língua para outra (sem ser por mera substituição), para diagnósticos, detecção de fraudes, ... através da abstracção - ie: ignorando pormenores de modo a poder generalizar. Se eu vejo a cara de alguém, não tenho a sua representação registada como uma foto - se fosse assim tinha de ver exactamente a mesma imagem para relacioná-la com alguém (há uma zona do cérebro que funciona como uma base-de-dados relacionais, e se for afectada o afectado deixa de reconhecer pessoas).

    Tenho dois dedos levantados. Agora levanto outros dois. Abstraio - ie: ignoro pormenores de modo a poder generalizar - e em vez de dedos passam a ser ingleses. Se sempre funcionou, na nossa mente assume-se que sempre funcionará. Além disso 4=1+1+1+1, 2=1+1, 2+2=(1+1)+(1+1)=1+1+1+1. Os 1s são como os dedos. "4" e "2" são símbolos para não ter de escrever montes de 1s. 2+2=5 é juntar || a || e ter |||||. Ou 12 a 34 e ter 12345.

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  107. Mas para levantar os dedos tens de ter o conhecimento á priori do que é uma soma. Sem isso, ficas com os dedos em baixo. Um dedo só se levanta com uma motivação, Pedro. Um ou dez, tanto faz.

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  108. Ludwig,

    Um recém-nascido, ou mesmo antes de nascer, terá num dado momento que adquirir conhecimento com experiência zero. Se assim não fosse, como tu defendes, nunca sairia da cepa torta, e não é isso que se verifica.

    Esse primeiro arranque, parece-me, ser algo como o PC faz até ao ponto que é integrado como conhecimento e donde a partir daí, como uma bola de neve, tudo se desenrola. O que me parece inviabilizar certos pontos que afirmas.

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  109. No post mais recente do Ludwig alertei para o trabalho de J. Piaget. Este senhor fez trabalho de campo com centenas de crianças. As conclusões não são de desprezar. O raciociono lógico e aritmético não são inatos!!! A criança passa por vários estágios (pré-lógicos) antes de atingir, por volta dos 7 anos, o estágio Operatório concreto em que começa a fazer algumas análises lógicas e lidar com os números.
    Não compreendo esta insistência em conceitos miticos (será misticos?) como o apriori quando existem resultados experimentais que demonstram que não é assim.

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  110. Cordeiro Lobo:

    Obrigado pela sua resposta. Vejo que vê o processo de criação de conhecimento do mesmo modo que eu, mas que tiramos conclusões ligeiramente diferentes. Vou cita-lo para explicar melhor:

    "No processo de produção de conhecimento, a imaginação formula hipóteses que podem não decorrer de resultados obtidos em determinada fase do processo cognitivo, constituindo rumos novos, totalmente inventados, e que vêm a revelar-se profícuos"

    Ok, Isto para mim é um parafraseamento do NeuroDarwinismo. Até prova em contrario ( baseada em factos novos) penso que é um modelo bom.
    Mas por essa razão, aqui ha uns dias pressionei tanto o Ludwig, porque para mim a questão esta no "então quando é que o conhecimento é adquirido"? A minha resposta é "quando a selecção empirica dá a hipotese como boa". Ha de facto um aumento de informação enorme (que eu so compreendi após explicação do Ludwig) no momento da formulação das hipoteses. Agora vejo que isso é obvio, só lidar com tantas hipoteses requer esforço. O que eu acho é que essa informação só se transforma em conhecimento quando o modelo ou padrão cerebral é validado pela experiencia.

    E daqui faço a ponte para a segunda parte da sua explicação. Com ela só concordo parcialmente. Eu percebo que o que me explica é que a imagem mental de um objecto real não se pode dizer que constitua uma entidade empirica. Discordo. No entanto se retirarmos este pequeno problema e as suas repercursões na sua exposição estou de acordo com quase tudo. O que pode dizer que temos apenas conceitos diferentes de empirico, e aí admito que possa estar errado (mas acho pouco provavel). Para mim as imagens mentais são de origem empirica e são depois por sua vez empiricamente tratadas pelo acto consciente de se pensar sobre elas. Não sei se me fiz entender. Mas o Ludwig explica isso melhor que eu.

    Ja percebi que não defende explicitamente a dualidade. Mas a distinção, entre o que propoe e a ideia cartesiana não é assim tão obvia. Temo mesmo que para aumentar o sentido da sua argumentação precise de usar um certo dualismo. Talvez esteja enganado. Vou pensar sobre o assunto.

    De qualquer modo obrigado por uma resposta tão elaborada.

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  111. Ludwig:

    Nota que o que está em jogo não é acreditar que os «mafaguinhos são califráticos». Isso não é conhecimento pela definição de Platão sem experiência. Sem mais, ninguém acredita nisso (nem nisso, nem no contrário).

    A afirmação que eu alego que é conhecimento por essa definição - verdadeira, justificada e acreditada - é a seguinte: «De acordo com os axiomas "Todos mafaguinhos são Blus", e "Todos os Blus são calafráticos" deduz-se que os "mafaguinhos são calafráticos». A afirmação é que a verdade de B decorre da verdade de A, e não que B é verdadeiro.

    Neste caso, concordas que por esta definição isto é conhecimento?

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  112. Aliás, no caso do Bertrand Russel , eu não acho que se possa dizer "a priori" que 2+2=4. Nem pensar!! Isso pode ser falso.

    O que é discutível é se se pode ou não dizer "a priori" «de acordo com os axiomas e definições de base usuais, decorre que 2+2=4»

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  113. João Vasco,

    «A afirmação que eu alego que é conhecimento por essa definição - verdadeira, justificada e acreditada - é a seguinte: «De acordo com os axiomas "Todos mafaguinhos são Blus", e "Todos os Blus são calafráticos" deduz-se que os "mafaguinhos são calafráticos». A afirmação é que a verdade de B decorre da verdade de A, e não que B é verdadeiro.

    Neste caso, concordas que por esta definição isto é conhecimento?»


    Sim, se é acreditada. Mas não é esse o problema.

    Supõe que implementas isso em prolog no teu PC. O teu PC não tem conhecimento disso. Falta-lhe saber a verdade de proposições como "eu tenho isto em mente", "eu acredito que isto é verdade" e assim.

    E essas, eu proponho, nunca se podem justificar a priori. Não há um conjunto de factos que possas dar ao teu PC no programa em prolog que lhe permita inferir que pensa e crê nessa coisa. Essas coisas só se descobre empiricamente.

    Portanto todo o conhecimento tem que admitir uma base empirica, e é aí que surge o problema do conhecimento a priori. Para esse tens que definir a priori de forma a permitir uma base empírica, e não vejo nenhuma maneira razoável de o fazer sem tornar todo o conhecimento a priori, nem a utilidade da divisão que surgir caso seja possível dividir o conheciemento pelos tipos de empiricismo de que depende.

    Por isso é que acho que se deve eliminar os termos "conhecimento a priori", "realidade empírica" e os demais que lançam confusão neste assunto, e usar "a priori" para especificar aqueles passos de inferência que são dados sem conhecimento. O que o computador faz, por exemplo. Isso captura a ideia original, tem utilidade e divide as coisas de uma forma razoável. Só precisamos de prescindir da ideia que o a priori é conhecimento (ou de alargar a definição de conhecimento para incluir o que o computador faz, mas isso só me parece justificar-se em contextos muito limitados).

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  114. Mário Miguel,

    «Um recém-nascido, ou mesmo antes de nascer, terá num dado momento que adquirir conhecimento com experiência zero. Se assim não fosse, como tu defendes, nunca sairia da cepa torta, e não é isso que se verifica.»

    Estás a assumir que o primeiro passo tem que ser "a priori" (outro problema com o termo, que faz parecer que é antes do resto). Mas isso não tem que ser assim. Se assumires que o recém nascido começa por interagir com o que o rodeia, e por essa interacção (e pela interacção dos seus antepassados) começa a adquirir consciência, o princípio será empírico e experiêncial. Só mais tarde é que vai perceber que nenhum solteiro é casado, que 2+2=4 e essas coisas.

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  115. Mário Miguel,

    Só agora reparei que o - com - já tinha respondido o mesmo que eu... Isto de responder por amostragem tem os seus defeitos :)

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  116. Cordeiro Lobo,

    «São os estados funcionais do cérebro vivo, susceptíveis de regulação por retro-acção e de auto-organização, no qual o efeito regula a causa e origina uma nova causa, a energia regula a organização da própria matéria que lhe deu origem, que designo por realidade não empírica.»

    Isto parece-me estranho. Porque é que considera os meus pensamentos uma "realidade não empírica" se a única justificação que eu tenho para crer que penso é empírica?

    O meu conhecimento dos meus estados mentais é, parece-me, aquele conhecimento mais empírico que eu tenho. Mesmo o sabor da laranja ou o peso dos talheres são coisas que eu conheço em parte por experiência e em parte por inferência. Mas o meu conhecimento do meu estado mental não me parece ser nada inferêncial.

    E se é isto que entendemos por a priori então temos o problema de o a priori ser o empírico...

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  117. António Parente,

    «Sem o conceito de soma no teu pensamento não consegues somar.»

    E sem conhecer o gosto das coisas não consigo cozinhar.

    E daí? Afirmas que isto é a priori e que aquilo não é mas não ajudas a resolver o problema de como distinguir entre essas categorias...

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  118. Ludwig,

    Não estou a fazer confusão com o "a priori" ser antes, mas no caso do recém-nascido simplesmente coincide.

    Parece-me que com a primeira iteração (a primeira de todas) terá que ser "à priori", mesmo que esse conhecimento fique lá de forma atabalhoada e embrionária. Com isto parece-me fazer crer que se for possível nessa caso, poderá ser possível noutros.

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  119. Mario Miguel:

    Permita-me que lhe responda.

    Parece querer afirmar que pelo menos o recem nascido tem de saber receber informação do meio. Eu estou de acordo. Mas esse saber, que começa nos orgãos dos sentidos e termina com redes neuronais prontas a "serem moldadas", foi adquirida pela experiencia milenar que é a evolução. Ha mesmo mais coisas que um recem nascido saber fazer como por exemplo mamar. (reflexo de sucção). Mas pelas razões acima não creio que possa ser considerado a priori

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  120. Ludwig

    Vamos ver se me consigo explicar com o auxílio do grande filósofo Murcho:

    http://www.esas.pt/dfa/conhecimento_a_priori_e_a_posteriori_murcho.htm

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  121. http://www.esas.pt/dfa/
    conhecimento_a_priori_e_a_posterior
    i_murcho.htm

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  122. João,


    «Mas pelas razões acima não creio que possa ser considerado a priori»

    Porquê? Podes ser mais explícito?


    Não vejo boas razões para concordar...

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  123. João,

    Eis a prova para descomprimir:) Espero no entanto que sejas mais explícito.

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  124. Ops! A prova não era essa, enganei-me na ligação: era esta. Isto quando se tem pouco tempo para escrever é o diabo.

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  125. Miguel:

    A razão é que o que nos sabemos à nascença é fruto da experiencia dos nossos antepassados. Não é distinta de um processo empirico.

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  126. «Um ou dez, tanto faz.»
    Exacto. Isso é abstracção: não interessa se é um, dois, três, quatro, cinco, etc. Funciona na mesma. Eu não estou a dizer que há conhecimento à priori ou não - nem entendo exactamente o que é (admito a ignorância). Pode ser que refere-se ao próprio processo que abstrai o que experimentamos.

    «Um dedo só se levanta com uma motivação, Pedro.»
    Existem uns que fazem porque não gostam de ouvir bocas no trânsito. Ou se tiver espasmos. (LOL)
    A contagem e a aritmética surge da necessidade, como saber se perdeu uma coisa entre muitas, quantos dias faltam para algo acontecer, para saber se recebe o que pensa merecer, etc.
    (...)

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  127. (...)
    «Sem isso, ficas com os dedos em baixo.»

    Eu sou o Conde de Contar! Tenho uma, duas, três bolas numa caixa. Tenho uma, duas, três, quatro, cinco bolas noutra caixa. Junto todas as bolas e fico com uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito bolas. É assim que aprendemos a contar. Os humanos não conseguem contar se não aprenderem a fazê-lo. Os índio Yuki usam os espaços dos dedos para contar - por isso usam a base de 4. Existem povos que usam a base de 20 - usam os dedos dos pés e das mãos. Nós usamos a base de 10 (sistema decimal). Os povos que davam muita importância à astronomia (ou astrologia) usavam a base de 60. Os símbolos substituem os dedos, as talhas na madeira e as pedrinhas (cálculos). Quase todos os povos usaram tracinhos para representar o número um, outros usavam letras do seu alfabeto (como os gergos e romanos) - os hebreus usavam as letras do alfabeto todo. Mas os egípcios faziam tabelas para as somas (não sabiam somar como nós fazemos), e depois usou-se o ábaco para isso. A nossa aritmética é uma abstracção do ábaco. O à priori é o mecanismo que permitiu isso?

    «Mas para levantar os dedos tens de ter o conhecimento á priori do que é uma soma.»

    O conceito de soma não é inapto, como - com - diz. Além disso até ao Renascimento a soma era feita por especialistas que usavam o ábaco. A representação dos números entre os povos muçulmanos possibilitou a álgebra, que é ilustrada com balanças: tens uns pesos na balança, tens outros pesos noutra balança, e tens de substituir os pesos sem mudar a posição de ambos os pratos. O modo que fazemos é a separação dos objectos concretos na nossa mente, mantendo apenas o comum do concreto permitindo a generalização.

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  128. «possibilitou a álgebra, que é ilustrada com balanças: tens uns pesos na balança, tens outros pesos noutra balança»
    Aí "balança" é prato de uma balança... :-p Os dois pratos são da mesma balança. É uma equação se os pratos estiverem ao mesmo nível (os pesos são iguais).

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  129. João,

    «
    A razão é que o que nos sabemos à nascença é fruto da experiencia dos nossos antepassados. Não é distinta de um processo empirico.»


    Sim, mas são deles (dos antepassados) não do recém-nascido, da mesma forma que pode ser conhecimento (meu) empírico o que eu ponho no computador, mas para o computador, não o é. Estas a fazer batota.

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  130. Krippahl.

    Julgo existir qualquer confusão em relação ao que disse (ou pretendi dizer). Não sou defensor do conhecimento a priori (conhecimento que seja produzido sem influência das experiências do produtor do conhecimento e sem justificação ou experimentação dos modelos sob que é apresentado, que é o que me tem parecido pretender-se significar com o termo). Para adquirir a qualidade de modelo coerente, suficientemente plausível em relação aos seus referentes, tem de ser justificado por experimentação. Tudo isto, independentemente da relação do novo conhecimento com o anterior, dos métodos da sua produção e experimentação, da sua utilidade e da sua validação social pela comunidade dos interessados. Passando a existir sob a forma de informação, acessível à comunidade dos interessados, enquanto não for refutado (pelo produtor original ou por terceiros) o modelo tido por representativo de um objecto é conhecimento, independentemente da utilidade e da prova do sufrágio social.

    A parte mais complicada, para a qual eu próprio não sou detentor de competências suficientes para a justificar, é essa outra minha concepção de que a realidade não é redutível à realidade empírica. As divergências poderão residir na definição de realidade empírica, para ver se sobra algo de real que não se enquadre na definição. Parece-me que o pensamento não é redutível à matéria que o origina. Ele tem a capacidade de agir sobre os estados organizacionais da matéria que o produzem, levando-os a produzirem novos pensamentos, sem conhecimentos sobre a própria matéria e os seus estados organizacionais, apenas como seu resultado energético. Estas realidades novas — provenientes da capacidade de reorganização dos estados energéticos da matéria viva (através das ligações neuronais e das suas redes em reconfiguração), não obedecendo a qualquer padrão prévio (programa), mas produzidas por organização de novos padrões por recurso a outros armazenados em memória de forma difusa, com perda de informação, e, mesmo assim, recriando nova informação — é o que designo por realidade não empírica. É esta realidade singular, irreprodutível, que existe em cada ser e só nele, que designo por realidade não empírica. Eventualmente estarei equivocado, mas ainda não alcancei o equívoco.

    Residindo a divergência na definição do conceito de realidade não empírica, seria de toda a conveniência clarificar o que significa para si o conceito de realidade empírica. Noto que o uso que faz do qualificativo "empírico" pressupõe que admite a existência de outras qualidades da realidade. Doutro modo, referi-la-ia apenas por realidade.

    Mas não me parece muito útil, para a discussão em causa, a derivação da questão do conhecimento a priori para a questão das qualidades da realidade. Independentemente destas, o interessante mesmo prende-se com a produção do conhecimento.

    Cordeiro Lobo.

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