quarta-feira, setembro 17, 2008

Licença para matar.

O António comentou a minha critica ao uso de snipers para matar os assaltantes do BES. «Ou seja, se o estado não é perfeito, pode-se assaltar e empunhar armas, que a policia não pode fazer nada.»(1) Reconheço a hipérbole do comentário mas, mesmo assim, é melhor explicar.

Concordo que se dê a algumas pessoas algum poder para nos protegerem dos malfeitores. Multar, prender, revistar, vigiar, pôr telefones sob escuta. Coisas que nós não podemos fazer mas que compensa permitir a alguns se tivermos um sistema que permita mitigar e corrigir erros ou abusos. O arguido tem direitos, é representado, é ouvido por um juiz, pode recorrer das sentenças e o processo é aberto ao escrutínio público. Nestas condições o benefício de dar algum poder à policia é maior que o risco de abuso ou incompetência*.

E concordo que um polícia que veja um assaltante sacar da arma e apontá-la às pessoas possa, naquele instante, atirar a matar. Não porque conceda este poder ao polícia mas porque a defesa da vida própria ou de terceiros em perigo iminente é uma situação extrema que justifica matar alguém se for necessário. Seja polícia ou qualquer pessoa. Se alguém entrar aqui para matar os meus filhos também acho legítimo dar-lhe uma facada. E se morrer, azar.

O caso do BES foi diferente; um grupo organizado com elementos escondidos de espingarda apontada e outros a negociar para manobrar os assaltantes até à linha de tiro, tudo combinado para os matar quando estivessem a jeito. Não foi uma decisão no momento face a um perigo iminente. Foi o desfecho planeado de oito horas de negociações. Se o plano tivesse sido executado por civis seriam julgados por homicídio premeditado. E provavelmente condenados.

E os agentes foram autorizados a cometê-lo sem qualquer dos controlos que exigimos para os outros poderes, bem menores, que lhes concedemos. Alguém na hierarquia da polícia decidiu e executou tudo sem se saber nada. Os visados não foram ouvidos nem poderão recorrer da decisão. Não interveio um juiz nem alguém que representasse os direitos dos assaltantes. Ao contrário do que alguns julgam, até os criminosos devem ter direitos. E um mecanismo de controlo fundamental é que todos sejam considerados inocentes até que o juiz se pronuncie em contrário.

A minha preocupação principal não é o caso do BES. Até pode ser que um juiz sensato e conhecedor dos detalhes que nos faltam o julgasse legítimo e necessário. Também não é a incompetência que só não deu em tragédia porque os assaltantes não eram assassinos. Se bem que essa nos preocupe um pouco a todos. A minha preocupação principal é que se dê à polícia autorização para planear e coordenar a morte de pessoas. É demasiado poder para dar a alguém, especialmente sem possibilidade de recurso nem controlo adequado.

* Se bem que enquanto as indemnizações forem pagas do dinheiro dos nossos impostos em vez do bolso de quem faz asneira o sistema nunca vai funcionar muito bem.

1- Legal, 2

55 comentários:

  1. Caro Ludwig: Obrigado.
    Passo a explicar. De todas as leituras que fiz das suas "tretas", sempre as achei não só inatacáveis do ponto de vista lógico (a razão), como a minha opinião (a emoção) coincidia de forma quase completa com a sua. Confesso que, como criatura advogante do livre arbítrio, começava a preocupar-me com estas coincidências. Eis que finalmente discordamos em algo, e vejo reposta parte da minha self-esteem.
    Já agora: como concluiu que os assaltantes "não eram assassinos"? Há algum facto que me escape que permita tirar esta conclusão, para além de qualquer dúvida razoável?
    Cumprimentos

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  2. Ludwig,

    Até que enfim que discordo de ti. :)

    Não sei se tiveste acesso a informação privilegiada sobre o caso e portanto poderás dar uma opinião mais fundamentada. Eu não o conhecço em detalhe e tudo o que sei foi-me transmitido pela comunicação social. O meu comentário é baseado então exclusivamente no que foi dado a conhecer e, dentro desse conjunto de informação, ainda seleccionei alguma que deixei que me impingissem ou tive a paciência ou interesse de ouvir ou ler. Feitas as reservas, eis o meu comentário ao quarto parágrafo:

    "O caso do BES foi diferente; um grupo organizado com elementos escondidos de espingarda apontada e outros a negociar para manobrar os assaltantes até à linha de tiro, tudo combinado para os matar quando estivessem a jeito."

    Não acho nada verosímil que a equipa de negociadores fosse usada para atrair os assaltantes para a linha de fogo. Quanto ao "grupo organizado" é óbvio que teria de ser assim. É a forma de minimizar a aleatoriedade do desfecho que uma situação de extrema tensão como esta pode ter. Não se iria pedir à última hora que alguém, "em cima do joelho", resolvesse a situação.

    "Não foi uma decisão no momento face a um perigo iminente."

    Espero que não. Para bem de todos, é bom que esta decisão tenha sido fruto, em primeiro lugar, de meses de preparação e, nesse dia específico e durante essas oito horas, tenham sido ponderadas várias soluções.

    "Foi o desfecho planeado de oito horas de negociações. "

    Mais uma vez, acho extremamente improvável este cenário. Não é muito lógico ter já determinado o abate desses dois indivíduos e levar cerca de oito horas até o fazer. Já acho mais provável a solução de atirar a matar ter tido cada vez mais peso à medida que as negociações foram tendo cada vez menos hipóteses de sucesso. Ainda para mais, segundo o que a comunicação social transmitiu, na fase final das negociações um dos assaltantes ligou a um familiar (um primo, salvo erro...) dizendo que nunca se entregaria e este avisou a polícia sobre esse telefonema. Alegadamente, parece que foi a partir daí que houve ordem para acabar com as negociações.

    Para terminar, devo dizer que todo este parágrafo transmite-me a ideia de que havia um desejo de resolver a situação através da morte desse dois assaltantes e toda a operação serviu para dar cobertura aparentemente legal a algo que se "[...]tivesse sido executado por civis seriam julgados por homicídio premeditado."

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  3. Pennac:

    Acho que os assassinos também têm direito a julgamento. O caso em que isso não é viável é quando há ameaça clara à vida de terceiros. A maior parte das pessoas que partilham da opinião do Ludwig (o meu caso) acham que, apesar do aumento (real ou aparente) da criminalidade violenta, não se pode cair no facilitismo de legitimar atiradores por tudo e por nada. Matar um criminoso deve ser algo excepcional e muito ponderado, não a norma.

    PS: Eu não sei se opinião do Ludwig é esta. Estou apenas a fazer uma suposição.

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  4. Ludwig,

    Além de discordar de ti, acho que te falhou a lógica por completo:
    1- Aceitas que se mate alguém por impulso, aí sim, sem pensar se é correcto ou não. Não me parece a mim aceitável matar por impulso.
    2- Achas que empunhar uma arma à cabeça de um refém é ser santinho e não um assassino, mas, aqui estás a esticar-te demais, porque se alguém aponta uma arma a alguém sem a tencionar usar não és tu quem o sabe pelo desenrolar dos acontecimentos, além de que seria burro matar o ultimo "escudo" entre ele e a policia porque aí seria a morte certa. Escapa-me como é que alguém inteligente como tu não percebe isso, a menos que como já disse anteriormente este teu argumento ser uma cruzada anti-policial, o que seria muito redutor para este diálogo. Ainda tenho esperança que consigas explicar bem a tua ideia, e que eu esteja errado...
    3- Achas que a decisão de matar no caso concreto é errada por ter planeamento, e no entanto recusas-te a aceitar que bastaria soltar os reféns e largar as armas, para que não se tivesse chegado ao ponto a que se chegou. Toda e qualquer situação de reféns como aquela para ti só teria um fim possível, que é os raptores fugirem, pois se não foram mortos por impulso no inicio da acção, em nenhuma altura mais o poderiam ser, e portanto a única coisa que os poderia demover de prosseguir que era o risco da vida deles estava eliminado à partida.
    O teu argumento já soa a má fé contra a policia, e a questão de só falares de direitos que achas que quem comete crimes tem, é estranha pois já soa a que não achas que existam deveres para ninguém.

    o caso de um crime continuado, como foi a questão dos reféns do BES, não há lugar para teorias pacifistas! Violência não se combate às festinhas. Ou vais me dizer que a tua solução era pores os dois assaltantes de castigo, virados para a parede, sem ver televisão, para lhes "cortar o ritmo da asneira". :-) E uns "açoites" no fim? Hã?! Isso é que era...

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  5. Pela primeira vez discordo da tua opinião.

    1. Não te estás a conseguir colocar no lugar do bandido.

    2. Milhares de pessoas em todo o mundo já analisaram a melhor forma de resolver estas situações de forma a minimizar vítimas mortais. Existem manuais.
    É ciência. Pura e Dura.
    Fui oficial militar durante algum tempo. Está tudo inventado nesta área faz muitíssimos anos.

    Claro que para levar o procedimento a bom porto os rádios tem obrigatoriamente que funcionar senão tudo não vale nada.


    Cumpts

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  6. Ludwig,

    Mais um que discorda...
    Não tenho tempo para justificar. Já o foi em parte pelo outros comentários.

    E reclamava eu no outro dia que estava lixado por concordar com tudo num dado post. Ora aqui estam as boas novas!

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  7. ah! Esqueci de mencionar,

    quem saca de uma arma passa a ser uma ameaça para todos os presentes. Não podes ficar à espera de um julgamento e "rezar" para que tudo corra bem e que ele pense como tu e que não mate ninguém.

    Toda e qualquer formação militar ou de polícia aponta logo no sentido de eliminar, assim que possivel, essa pessoa logo que o negociador confirme que a ameaça é real. Se a possibilidade de alguém morrer é real então que seja quem lhe está na origem.

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  8. Anteriormente comentei apenas o quarto parágrafo que se refere ao caso BES em concreto. Faltou talvez apenas dizer que há uma incoerência entre o terceiro, onde dizes que concordas que "um polícia veja um assaltante sacar da arma e apontá-la às pessoas possa, naquele instante, atirar a matar." e o caso BES, onde essa arma foi sacada e apontada durante bastante tempo.

    Para mim, a diferença está no facto de no caso BES, entre o sacar da arma e atirar a matar, houve diversas tentativas para resolver a situação sem recorrer à morte.

    Provavelmente dirás que a diferença está no facto de, no caso BES, houve uma premeditação de oito horas. Ou seja, incomoda-te o facto da polícia ter autorização para planear e coordenar a morte de pessoas.

    Queria agora comentar não este caso em particular, mas o caso mais geral.

    Na minha opinião, entraste em contradição com o post de ontem (o qual já tive hipótese de elogiar porque considero um dos melhores que já li*).

    Parece-me que, aquilo que chamas de "autorização para planear e coordenar a morte de pessoas" é fruto do uso da razão. É fruto de análise científica, como lembrou o "mama eu quero", onde são estudadas as melhores formas de lidar com uma situação. E não é fruto de uma análise subjectiva de um polícia que, naquele instante atira a matar por ver um assaltante sacar de uma arma, pondo a vida de terceiros em risco.

    Acho que esta última é que é verdadeiramente preocupante.

    * Se bem que prefiro aqueles cujo o ingrediente é "gozo", pois acabo muitas vezes por rir à parva... :)

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  9. Acho normal que um cidadão médio se identifique mais com as vítimas do que com os assaltantes. A maioria sabe que um dia pode vir a ser vítima de violência, e rejeita a noção de perpetrar violência (e ainda bem que é assim). Mas aí é que reside o problema. Os direitos fundamentais que todos reconhecem como legítimos são suspensos quando se trata de aplicá-los àqueles com os quais não nos identificamos - os «outros», os que, no fundo, não são reconhecidos como «iguais». Lendo os comentários aqui de gente que costuma argumentar com imenso saber e raciocínio, confesso que me sinto assustada.
    Cristy

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  10. Pennac,

    «como concluiu que os assaltantes "não eram assassinos"?»

    Assassino é alguém que mata ou que, pelo menos, está disposto a matar. Quando um dos assaltantes foi abatido o outro, que tinha a arma apontada ao refém, desviou a arma e disparou na direcção de onde tinha vindo o tiro que matara o companheiro. Se fosse assassino teria morto o refém em retaliação em vez de disparar na direcção dos tiros.

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  11. Pedro Ferreira,

    «Não acho nada verosímil que a equipa de negociadores fosse usada para atrair os assaltantes para a linha de fogo.»

    Há várias versões por aí, e falta um esclarecimento oficial adequado (parte do problema). Segundo esta notícia no DN:

    «Foram os últimos 20 minutos de terror de uma negociação que durou seis horas. A equipa de negociadores foi falando com os ladrões. A negociação foi combinada com a equipa táctica do Grupo de Operações Especiais, tentando que os suspeitos se expusessem, ficando à mercê dos atiradores, o que acabou por acontecer.»

    Não garanto que tenha sido isto a acontecer. O que me preocupa é que se considere legítimo que tal coisa aconteca.

    «Não é muito lógico ter já determinado o abate desses dois indivíduos e levar cerca de oito horas até o fazer.»

    O meu ponto é que ao fim de oito horas a tese que os tipos vão matar os refens a qualquer momento fica com pouco suporte. É uma inferência razoável no momento em que sacam das armas e apontam a alguém, mas menos justificável ao fim de oito horas com elas apontadas.

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  12. António,

    «Aceitas que se mate alguém por impulso, aí sim, sem pensar se é correcto ou não. Não me parece a mim aceitável matar por impulso.»

    Isso é como eu dizer de ti que defendes o direito do estado de matar de forma deliberada e planeada. Em ambos os casos falta algo importante na descrição das nossas posições...

    Toda a gente tem a legitimiade para matar se numa situação em que é razoável inferir que alguém está em perigo de vida imediato e que não há outra forma de resolver a situação. Não precisamos dar poderes especiais à polícia para que esta regra se aplique a eles também.

    Mas quando há outras possibilidades ou o perigo não é imediato e, especialmente, se a morte é planeada com tempo, executada de forma calculada e com a coordenação de várias pessoas, o caso é muito diferente.

    Eu acho que devemos ter mais cuidado em dar ao estado o poder de o fazer.

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  13. Mama eu quero,

    «Não te estás a conseguir colocar no lugar do bandido.»

    Não estou sequer a tentar. Estou apenas a colocar-me no lugar do cidadão preocupado com o ocorrido. Um chefe da polícia decide acabar com as negociações e abater os assaltantes a tiro, toda a gente aplaude e ninguém quer saber das consequências de dar este poder aos chefes da polícia.

    Principalmente porque o critério para a decisão parece ter sido simplesmente os assaltantes estarem na linha de tiro...

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  14. Pedro Ferreira,

    «Parece-me que, aquilo que chamas de "autorização para planear e coordenar a morte de pessoas" é fruto do uso da razão. É fruto de análise científica, como lembrou o "mama eu quero", onde são estudadas as melhores formas de lidar com uma situação.»

    A análise científica pode-te dizer que se gastares X milhões em seguranças e detectores de metais à entrada dos bancos prevines Y assaltos e Z casos de reféns. A análise científica não te pode dizer se vale mais prevenir esses crimes ou se é melhor guardar o dinheiro. É preciso distinguir estas coisas quando nos querem convencer que uma análise científica diz que A é melhor que B porque não há nada de científico na noção de "melhor".

    Neste caso, a análise científica pode-te dar as probabilidades de alguém morrer, os ladrões fugirem, etc. Mas não de dá uma forma de avaliar o custo de dar certos poderes às autoridades.

    Dar ao polícia encarregue da situação o poder de abater os assaltantes quando quiser diminui a probabilidade de sucesso dos assaltantes. Isso é científico. Mas dar esse poder a um polícia abre um buraco no nosso sistema de controlo e equilibrio de poderes entre os vários ramos do estado. E a ciência, por si só, não nos diz se é melhor deixar fugir alguns ladrões ou preservar o nosso sistema democrático de justiça.

    Para ilustrar com um exemplo extremo, se instaurássemos lei marcial e puséssemos o exército na rua a abater qualquer criminoso reduziamos muito a criminalidade. Isso a ciência pode dizer. Mas penso que até os que discordam de mim no caso do BES concordarão que dar esse poder a essas pessoas era um risco demasiado grande só para acabar com o crime. Preferimos ter que aguentar alguns ladrões do que ter um tanque em cada esquina.

    É isto que me preocupa. Parece-me que há uma forte reacção visceral, um VIVA! por se ter abatido aqueles ladrões de quem, compreensivelmente, ninguém gostava. E esta reacção não permite que vejam o outro lado. O polícia que decidiu "matem esses tipos" e que agora é um heroi. E os outros todos que também querem ser heróis, e que também quererão usar esse poder...

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  15. Ludwig,

    Quando mencionei o uso da razão foi para diferenciar um caso onde (em tese) há uma organização e coordenação de pessoas para resolver uma situação minimizando a perca de vidas humanas, do caso em que um polícia reaje no instante e mata um assaltante porque este é uma ameaça (tal como defendeste).

    Também acho que existe uma noção clara de "melhor" nestes casos. Acho que o "melhor" é minimizar a perca de vidas humanas: sejam reféns, sejam assaltantes ou sejam polícias. E aí, tal como o disseste, é possível fazer uma análise dos diversos cenários, atribuindo-lhes probabilidades de sucesso e fazer uma escolha racional sobre a "melhor" forma de resolver a situação.

    Compreendo o teu ponto de vista. Trata-se de saber qual o nível de poder que deve ser dado à polícia, certo?

    Para ilustar com outro exemplo extremo, imaginemos que não havia uma única força de segurança (desculpa utilizar a tua técnica de raciocínio, mas preciso dela :)). Mesmo os que não concordam comigo, certamente acharão que ninguém viveria em paz e sossego, ou seja, a democracia estaria condenada à inexistência. Portanto, nem o poder total nem a ausência de poder são desejáveis. Acho que aí estmos de acordo.

    "Não há forma de avaliar o custo de dar certos poderes às autoridades", mas também não há forma de avaliar o custo de retirar esses mesmos poderes.

    E aí entramos no campo das opiniões. Assusta o chefe de toda a operação ter esse poder (mesmo com um hipotético sistema eficaz de controlo sobre a forma como ele actua). Mas assusta também um sistema extremamente burocrático para este tipo de situações, extremamente voláteis e delicadas. E assusta também estar numa mesa de cirugia nas mãos de alguém que, por negligência, poderá tirar-me a vida, por mais controlo que haja à actividade dos cirugiões.

    Eu sou da opinião de que este poder, devidamente controlado*, deve ser dado a bem da eficácia. Lembro apenas que estamos a falar de uma situação extrema, de alta volatilidade e cujo o resultado é altamente imprevisível... mesmo ao fim de oito horas, não é líquido que a situação não degenere no assassinato de reféns.

    Quanto ao clima de euforia, é condenável, claro. Mas essa euforia tem a mesma explicação que a euforia em volta de reality shows, clubes de futebol e as mais diversas áreas onde a razão não pode entrar. :)

    * Como se faz o controlo deste poder atribuído a uma única pessoa, não sei bem, mas espero que hajam inquéritos, internos ou não, que ponham a nu o que correu bem e o que correu mal.

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  16. (pedro e pedro ferreira são a mesma pessoa :))

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  17. Ao reler, verifiquei que escrevi mal cirurgia e cirurgiões. :)

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  18. Ludwig,

    Se ainda não percebeste que manter um refém vivo não é mais do que manter um escudo entre o ladrão e a policia, começo a dúvidar do teu poder de raciocinio.
    No momento em que não haja reféns, a arma na mão do criminoso só pode servir para alvejar quem o quer para e como tal, passam a ser todos os policias presentes o alvo do ladrão. Se ainda não percebeste para que é que serve uma arma na mão de um criminoso, vais continuar com essa posição de que sabes resolver melhor esta situação.
    Achas que lidar com instintos animais primitivos, como os de alguém que comete um crime, é com conversa pura e dura?
    Achas mais razoável matar sem pensar, por instinto, sem pensar nas consequencias colaterais dessa opção, do que planear e reduzir ao minimo os efeitos colaterais? Eu prefiro que a policia contenha os instintos e planeie.

    Há gente a fazer isto mesmo há décadas, existem milhares de casos documentados, tentativas de abordagem diferentes testadas, e padões de resolução compriovados para situações destas. Onde é que todos falharam? Tenho esperança de te ver dares aqui exemplos de casos iguais com melhores soluções, senão vou partir do principio que estás só a teorizar. Tal como estás a teorizar que é possível identificar e abater indiscriminadamente criminosos, sem ser em flagrante delito, para dares o exemplo que deste da lei marcial.
    Neste caso a policia fez o que defendo deve fazer, que é actuar de acordo com as regras, que é algo que a nossa policia parece fazer poucas vezes e que me costumo queixar.
    Sobre a tua teoria da licença para matar, quem não quer ser morto não anda de arma em punho à frente da policia a ameaçar pessoas.

    Retira as armas da mão dos assaltantes e coloca-os à porta a segurar os reféns. Achas que a policia não tinha avançado só de algemas em punho para os prender?
    A questão é mesmo esta! Se usares a ameaça à vida de alguém como tua protecção estás a abdicar de muitos dos teus direitos. À posteriori, inferir das intenções e dizer que até não eram assassinos é uma inutilidade. As decisões são tomadas antes, e não à posteriori, e antes, havia o risco de vida de dois reféns. Falar do depois, para criticar o antes é fácil, e não me parece um grande exercicio intelectual, mas, sim demagogia.

    Agora lanço-te o desafio... Se continuas a achar que aquilo é inaceitável, como é que pensas que seria a solução naquele caso?

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  19. «Se ainda não percebeste para que é que serve uma arma na mão de um criminoso, vais continuar com essa posição de que sabes resolver melhor esta situação.»

    António,

    Temos tido notícia de assaltos a lojas com uso (rijo) de armas e acho que confundes essa circunstância - de estares numa loja e entrarem gajos aos tiros - com outra, bem diferente, de dois assaltantes quererem dinheiro e, por não lho darem, barricarem-se com inocentes até melhor desfecho. Uma força de intervenção conhece a diferença de ambos os casos muito melhor do que nós.

    Como resolver este tipo de casos?
    Julgo que o primeiro erro de lógica foi não libertar o dinheiro desde logo(*). O segundo erro foi "encurralar a besta", acho que a polícia já sabe o suficiente destas coisas para não empurrar a cadeia de acontecimentos para um ponto em que alguém tem que levar chumbo nas trombas. O mais saudável seria deter os criminosos noutro sítio qualquer, e não exactamente ali (os tipos até queriam fugir num automóvel que esteve horas a fio ao alcance de qualquer engenhocas da polícia). O terceiro erro, por antecipação, é se os senhores banqueiros não perceberem que têm que gastar uns patacos com o controlo de entradas nas agências em vez de obrigar a polícia a repor segurança segundo os cândidos modelos sociais do Brasil ou dos Estados Unidos.

    ________________________
    (*) Imagina que eu tenho uma mercearia, e perante um assalto recuso-me pura e simplesmente a libertar o caixote dos pimentos. A polícia intervém, e graças a Deus mata o assaltante.

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  20. Bruce Lóse,

    No caso concreto o banco deixou-os ir à vontade com o dinheiro, sem soar o alarme. O mal é que uma utente do ATM viu o que se estava a desenrolar e alertou um policia na rua. Ou seja, o merceeiro soltou os pimentos na boa... Conheço dois caixas de 2 bancos, e ambos dizem o mesmo sobre as instruções do "merceeiro", em caso de assalto dar o dinheiro e não soar nenhum alarme!
    Entre entalar a "besta" e deixar que voe pela cidade num carro a poder atropelar alguém ou matar alguém num acidente, só para os encurralar noutro sitio, e ficar no mesmo impasse, eles com armas e a policia a assistir até tentarem fugir ao tiro... Antes ali. A policia serve mesmo é para encurralar "bestas" e estas têm de ter a noção que se querem deixar de ser alvos têm de largar as armas.

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  21. Bruce lóse,

    "O mais saudável seria deter os criminosos noutro sítio qualquer, e não exactamente ali [...]"

    O mais saudável seria os assaltantes terem baixado as armas. Ou detê-los antes de entrar no banco. Ou...

    Estou a fazer este comentário porque me parece do tipo "o melhor era pôr o Nuno Gomes logo no início da segunda parte...".

    A questão está em saber o que fazer a priori e não o que deveria ter sido feito. Essa é a parte difícil.

    Quero acreditar que, se fosse em geral melhor deixar fugir os assaltantes num caso destes, a polícia o teria feito.

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  22. Pois eu penso que este baixar os braços relativamente à possibilidade de uma solução não violenta assenta numa decisão emocional, em que as forças de segurança entram no mesmo modo "lógico" que os assaltantes, ou seja o sistema limbico toma o comando!

    Óbviamente que a policia falhou: os negociadores falharam e a equipa dos snipers falhou (apesar de os refens se terem salvo); a única dúvida é se a falha na negociação foi inetncional ou não.

    E, Bruce, havia tantas soluções de negociação, havia tanta forma de enganar os assaltantes sem os levar para a morte.
    Porque é que a comunicação social não fala nas diligências feitas pelo negociador ??

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  23. Pedro Ferreira,

    « Acho que o "melhor" é minimizar a perca de vidas humanas:»

    Depende dos custos. Nisto de melhor e pior não há um só factor que se sobreponha a todos os outros.

    Morrem cerca de 90 pessoas por ano em Portugal devido a crimes violentos. Se eliminarmos leis de privacidade, aumentarmos o número de prisões e prisioneiros, condenarmos à morte quem fosse apanhado com uma faca ou pistola, etc, se calhar conseguiamos reduzir esse número substancialmente. Mas proponho que o preço seria demasiado elevado. Entre 90 vidas por ano e certos direitos e garantias preferímos os últimos.

    Por isso o que proponho é que quanto mais poder dermos a um agente para nos proteger dos malfeitores mais robusto e fiável tem que ser o sistema de controlo associado. Para o polícia levar alguém para a esquadra precisa apenas de ter uma suspeita justificável ou queixa credível. Para prisão preventiva é preciso o juiz ouvir o suspeito e, num processo aberto e recorrível julgar que certas condições são cumpridas.

    Para que um polícia possa tirar a vida a um suspeito exijo uma de duas condições. Ou é numa situação em que qualquer um de nós poderia legitimamente tirar essa vida, e nesse caso não estamos a dar ao polícia nenhum poder extraordinário. Ou, se lhe estamos a dar licença para matar, só aceito se os mecanismos de controlo forem proporcionalmente robustos e fiáveis.

    O caso do BES, seja pontualmente uma coisa boa ou má, está longe de qualquer um destes cenários.

    Cientificamente, concordo que um balázio na cabeça do assaltante é a forma mais expediente de salvar as vítimas. Mas considerando os aspectos éticos e políticos acho que não se deve dar a algumas pessoas o poder de fazer isto desta maneira. Resolvemos alguns assaltos mas a um preço inaceitável.

    «Portanto, nem o poder total nem a ausência de poder são desejáveis. Acho que aí estmos de acordo.»

    Perfeitamente. Tal como estamos de acordo que não podemos contar com santos infalíveis nestes cargos. Por isso é que proponho que o controlo sobre o uso de tais poderes seja *sempre* proporcional aos poderes. Friso o sempre porque há a tentação de, em certos casos, se abrir uma excepção porque na altura parece conveniente. Isso é muito perigoso.

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  24. António,

    «No caso concreto o banco deixou-os ir à vontade com o dinheiro, sem soar o alarme. O mal é que uma utente do ATM viu o que se estava a desenrolar e alertou um policia na rua.»

    Então é evidente que o polícia devia tê-los deixado ir à vontade. Levavam o dinheiro e depois eram apanhados eventualmente. Sem perigo para as pessoas, sem tiros a matar. O único perigo seria gastarem o dinheiro. Mas nem era muito e o banco tem seguros para essas coisas. Tenho a certeza que mesmo que eles gastassem o dinheiro todo era menos do que se gastou com aquela operação.

    O que é preciso é uma polícia capaz de apanhar os criminosos e trazê-los à justiça. Não uma polícia que, talvez julgando-se incapaz de o fazer, quer é protagonismos e acabar com a coisa logo nem que seja a tiro.

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  25. «Quando um dos assaltantes foi abatido o outro, que tinha a arma apontada ao refém, desviou a arma e disparou na direcção de onde tinha vindo o tiro que matara o companheiro.»

    Claro, então eu também dispararia para a origem do ataque (para eliminar a origem da ameaça), parece-me que isto até é instintivo.
    Pareces querer distorcer as coisas.

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  26. Mário,

    Infiro que tu também não és assassino. Se fosses, tendo ameaçado matar os reféns se não te fizessem a vontade o teu alvo quando os polícias disparassem seria a o refém que já ninhas na mira.

    É uma diferença importante. Se os assaltantes fossem assassinos ou terroristas ou algo desse género, naqueles dois segundos entre os tiros dos polícias tinha morrido os dois reféns.

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  27. Ludwig, discordo contigo, plenamente. Isto de deixar o pessoal encapuçado fugir com o dinheiro na esperança de os apanhar mais tarde é tão ingénuo que só mesmo um teórico a poderia proferir. Repara que a maior parte dos assaltos em bancos não foram resolvidos. Por isso, se a polícia, no assalto em que conseguiu chegar a tempo, decidisse deixá-los fugir, seria a prova mais cabal de que o crime de facto compensa. E essa crença é bem mais nociva e cara do que os poucos milhares de euros que foram gastos na operação da polícia.

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  28. Ludwig,

    «Então é evidente que o polícia devia tê-los deixado ir à vontade. Levavam o dinheiro e depois eram apanhados eventualmente. Sem perigo para as pessoas, sem tiros a matar»

    Se isso fosse implementado, sendo usado habitualmente, então, os ladrões com esse conhecimento prévio adaptar-se-iam imediatamente, levando reféns consigo até dado ponto. Não estás a apresentar nada de jeito. O problema mantém-se... Só não se manteria para as primeiras vezes que isto fosse implementado, por falta de conhecimento dos larápios.

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  29. Ludwig,

    Infiro que tu também não és assassino. Se fosses, tendo ameaçado matar os reféns se não te fizessem a vontade o teu alvo quando os polícias disparassem seria a o refém que já ninhas na mira.

    Eu não acho que saibas o que essa palavra quer dizer o que diz de facto. Disparares sobre o refém seria destruíres o teu único escudo de protecção. Isto é tão óbvio e já foi repetido por outras pessoas, não sei porque insistes no erro. Confundes também mais uma vez o acto reflectido e racional (ameaçar matar reféns) com uma acção puramente instintiva (disparar contra a bófia, mesmo sabendo que isso não te leva a lado nenhum) que nada diz sobre as intenções originais. Aquilo que se passa numa fracção de segundo não podes racionalizar depois. E muito, mas muito menos antes!! Repara também que o próprio facto de o assaltante disparar contra a polícia como resposta só serviria para confirmar que a polícia acertou na sua escolha, pois o assaltante mudou a mira dos reféns para a polícia.

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  30. Barba Rija,

    «Isto de deixar o pessoal encapuçado fugir com o dinheiro na esperança de os apanhar mais tarde»

    Várias pessoas aqui invocaram a "melhor solução científica" ou coisa assim. Nessa linha, saliento que os bancos optam por deixar os ladrões fugir com o dinheiro em vez de ter guardas armados para desatar aos tiros quando há assaltos. Proponho que, estatisticamente, o tiroteio acaba por ser uma solução inferior às alternativas em casos de roubo.

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  31. Tudo bem Ludwig, mas eu também proponho que, estando um polícia no local, apercebendo-se do que está a acontecer e não se fizer nada, contribui-se para a noção de que o crime compensa.

    Esta noção custa também dinheiro, e provavelmente não custa vidas. Mas sobretudo, custa uma enorme injustiça, para quem trabalha no duro para ganhar uns tostões, quando basta ir ali ao banco levantar uns milhões, sem resistência esperada.

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  32. Já agora, gostava de pôr a conversa mais nos eixos certos. A questão de se o caso BES teve um desfecho bom ou mau é interessante mas não é importante. Já está e foi só um caso.

    O importante aqui é se devemos dar a certos polícas o poder de usar snipers e orquestrar o abate de pessoas e, se sim, que controlos serão adequados para que este poder não seja mal usado.

    A minha posição é que o sistema que temos não é suficientemente fiável para uma coisa destas.

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  33. A minha posição é que o sistema que temos não é suficientemente fiável para uma coisa destas.

    Melhore-se o sistema. Seja como for, gostaria de ver provas em como o sistema que temos "não é fiável" para coisas destas, o que provavelmente descambaria para discussões semânticas sobre o que é "fiável" ou o que são "coisas destas".

    A mim parece-me que correu mal. Pelo menos ouvi comentários no sentido de que houve mal entendidos ou falhas técnicas nos walki-talkies ou assim. Errare Humanum Est. Mas mesmo assim, o sniper não teve uma decisão má (a meu ver).

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  34. Exacto...

    Não havendo provas que o sistema é mau, ou não sendo possível provar isso (já me começo a perder...:)), não acho que a alternativa seja subtraí-lo mas sim melhorá-lo.

    Já em comentários anteriores pensei em mencionar que a discussão sobre se o sistema de delegação de poder pode ser largamente melhorado é uma outra questão. Mas não me passou pela cabeça anulá-lo.

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  35. Pedro Ferreira,

    «Não havendo provas que o sistema é mau, ou não sendo possível provar isso (já me começo a perder...:)), não acho que a alternativa seja subtraí-lo mas sim melhorá-lo.»

    Primeiro, há provas que o sistema é mau. Ainda não sabemos o que se passou. Não há indícios de uma investigação imparcial e séria do ocorrido (quando a anunciaram, se bem me lembro, foi dizendo que era uma formalidade porque tinha sido tudo perfeito). E não há mecanismos de controlo destas decisões.

    Mais importante, quando decidimos dar a alguém esta licença para matar não é sensato dar o benefício da dúvida e ficar à espera de provas que o sistema não presta. É preciso primeiro demonstrar que podemos confiar no sistema e que é melhor tê-lo que passar sem ele.

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  36. É preciso primeiro demonstrar que podemos confiar no sistema e que é melhor tê-lo que passar sem ele.

    É como eu esperava. Isto descamba em semânticas. Porque espero que por "sistema" não estejas a entender o que eu entendo por "sistema". Ou és um proponente da anarquia?

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  37. Ludwig,

    «É uma diferença importante. Se os assaltantes fossem assassinos ou terroristas ou algo desse género, naqueles dois segundos entre os tiros dos polícias tinha morrido os dois reféns.»

    Parece-me que não. Se há troca de tiros, "festa da rija", a atenção vira-se imediatamente para os policias que passam a ser necessariamente o alvo a abater, são eles que estão a disparar, e foi exactamente isso que ocorreu; e digo novamente: parece ser algo instintivo, ficando, os reféns, no meio dessa confusão para segundo plano.

    Digo isto, baseado num programa que vi na RTP2, em que vi alguma actuações da bófia americana, e nos poucos casos que vi (infelizmente não serve coo amostra significativa) quando começava a "festa" o alvo passa a ser os policias, e essa comoção baixa a atenção dos raptores para com os reféns... isto até é lógico. No caso do tiroteios não ser relâmpago (que é onde isto parece ter lugar - tudo tem que ser rápido), o caso já muda de figura.

    Repara que na troca de tiros, ele não mata o refém, a preocupação e atirar no policia... Se eu fosse bandido, seria essa a minha também, pelo menos durante a troca de tiros, pois aí, não haverá disponibilidade mental para outra coisa.

    Ver exemplo aqui.

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  38. Ludwig,

    Nesse aspecto concordo parcialmente contigo. Acho que deve haver controlo, mas, acho que é desejável mais controlo para aumentar ainda mais a "liberdade" de actuação da policia. Eu prefiro que eles "matem" mais uns quantos criminosos, em situações controladas por meios tecnológicos ou humanos, do que serem ainda mais restringidos! Se alguém pode decidir matar, que mate, mas, que haja um controlo especializado, ao estilo da policia americana em que cada actuação é escritinada por uma equipa de assuntos internos, que se necessário prende os policias que sãem fora dos eixos.

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  39. Ou como diria o Saramago, "antes matar do que deixar matar"

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  40. Ludwig,

    Ah!!!! Assim não vale...

    Acabaste de propôr centrar a conversa no abstracto e abandonar o caso BES. Acabaste de o fazer...

    Voltando ao abastracto. Não consigo concluir que o sistema seja mau. Sei que a próxima comparação será um pouco forçada, mas na essência, compreendo-a da mesma maneira.

    No caso da medicina, é também dado o poder de pôr em risco a vida de uma pessoa através de um bisturi. E também há os tais mecanismos para controlar este poder, que poderá ser imperfeito é certo.

    O cirurgião (agora, bem escrito) é treinado para fazer as coisas pelo melhor. Todo o seu treino foi baseado na experiência adquirida de casos similares.

    Agora, nada garante que, para ele não se chatear, decida amputar uma perna para seu próprio gaúdio. Ou que o paciente não esteja consciente dos potenciais riscos que corre.

    No essencial vejo esta situação similar à que estamos a discutir:
    - Um assaltante sabe os riscos que corre se andar com uma arma a escudar-se atrás de terceiros;
    - Há a possibilidade de, por mais perfeito que sejam os mecanismos que controlam uma decisão de uma pessoa, este ainda poder decidir mal;
    - Quero acreditar que toda a experiência acumulada serviu para, racionalmete, definirem as regras de actuação em casos extremos.

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  41. Ludi,
    a minha preocupação é outra: como é que atiradores especiais falham redondamente? O que atirou a matar não tem pontaria para acertar onde devia (no meio dos olhos) e os outros deveriam ter atirado ao mesmo tempo para o segundo assaltante. Só por sorte é que este não eliminou de imediato o refém.
    Dentro desta falta de coordenação, profissionalismo e pontaria (apesar de armas com miras especiais) eu só suspiro de alívio por nada mais ter acontecido às vitimas. E acho que quem se predispoem a matar ganha todo o direito de levar um tiro.

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  42. Pedro Ferreira,

    «Acabaste de propôr centrar a conversa no abstracto e abandonar o caso BES.»

    Não concordo. No post deixei claro que « A minha preocupação principal é que se dê à polícia autorização para planear e coordenar a morte de pessoas.»

    Eu acho que o caso do BES foi, além de uma trapalhada, uso excessivo de força para proteger umas centenas de euros. Toda a situação, não só o desfecho, seria evitada deixando os ladrões fugir com o dinheiro e apanhando-os mais tarde. É inaceitável que a polícia precise de pôr em perigo as vidas de inocentes para poder fazer o seu trabalho.

    Mas essa asneira está feita e a discussão acerca disso, se bem que interessante, é meramente académica. A outra asneira é mais preocupante.

    E essa é que não se apure responsabilidades e não se exija um controlo apertado do uso desta abordagem tipicamente militar na manutenção da ordem pública. Eu discordo que na nossa sociedade seja boa ideia dar a alguém o direito de fazer isto.

    Nota que bastava, por exemplo, que os assaltantes tivessem usado pistolas de alarme para que provavelmente neste momento estivessem todos a condenar a brutalidade policial e coisas assim. Ou o tipo que sobreviveu ter abatido os reféns para estar tudo só a falar da incompetência da polícia.

    No fundo, o problema é que não há um sistema suficientemente fiável para dar ao polícia de serviço a autoridade de montar uma operação de abate destas. E a reacção pública, em vez de focar este problema fundamental perde-se com o facto de os polícias terem tido uma grande sorte e ter tudo acabado "bem".

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  43. Karin,

    « E acho que quem se predispoem a matar ganha todo o direito de levar um tiro.»

    Discordo, mas o problema nem é esse. O problema é as condições para podermos confiar ao polícia no sítio o poder de matar alguém que ele considera "predisposto para matar". Já a pena de morte para quem matou é arriscada. O tiro na testa porque o polícia o acha predisposto a matar parece-me um perigo muito maior que os assaltos e assim...

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  44. Boa tarde

    Ludwig, eu gostaria de ver se os dois últimos reféns fossem a sua mulher e um dos seus filhos... será que teria escrito este texto com o mesmo conteúdo?

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  45. Caro Marcos,

    Nesse caso, além das razões que me levam a insistir que mais valia ter deixado os ladrões sair com o dinheiro antes de criar a situação de reféns estaria também furioso com os incompetentes que transformaram um simples roubo de umas centenas de euros em oito horas de tortura para os reféns e que depois ainda puseram em perigo a vida destes num tiroteio disparatado.

    Mas, dito isto, não acho que se deva resolver questões acerca do poder que podemos dar aos agentes do estado, e de que forma controlamos o seu uso desse poder, baseando-nos apenas nas emoções que sentimos no momento.

    Seria um erro da minha parte defender outra posição só porque a minha mulher fosse refém, tal como seria um erro se fosse por os assaltantes serem os meus filhos.

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  46. Ludi,

    Continuo a achar que atribuis demasiada imcompetecencia à policia. tenho certeza que eles não estiveram 8 horas a planear o homicidio dos ladrões...Mas se queres acreditar nisso fine by me.

    Eles tentaram negociar a libertação dos refens e a rendição pacifica, os ladrões não aceitaram.
    Por principio a policia não pode nem deve deixar que ladrões assaltem e fujam impunes. É obrigação da policia quando perante um crime de tentar parar os ladrões. Se não o fizer, terás já amanhã uma quantidade de assaltos fenomenais, "afinal de contas podemos assaltar os bancos à vontade pá, porque a policia não vai aparecer que é para não correr o risco de se fazerem refens, e mesmo que apareça não há espiga pá a gente aponta a arma a um inocente e eles deixam-nos sair na boa. E como se nos tentar perseguir na rua tb há o risco de apanharmos um refem eles tb não nos seguem, e já agora apanhamos um tipo no aeroporto fazemos refem e piramo-nos daqui para fora, sem espinhas."

    beijos

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  47. Ludwig,

    "Eu acho que o caso do BES foi, além de uma trapalhada, uso excessivo de força para proteger umas centenas de euros." ...e já agora, para além das centenas de euros, a vida de pessoas que não tinham nada que ver com o assunto.

    Por mais que digas que os assaltantes nunca iriam fazer mal a esses reféns se os tivessem deixado ir, é algo que não se deve correr o risco. Por muito improvável que ele seja. Se deixamos eles fugirem "um bocadinho", o mais certo é levarem consigo um refém até à fronteira desse bocadinho. Acho que é uma situação similar áquele comentário que fizeste terminando assim

    "[Não se deve] abrir uma excepção porque na altura parece conveniente. Isso é muito perigoso."

    Tal como tu, acho que a ética deontológica deverá indicar em certas situações o que é certo ou errado. E para mim, este caso é um deles. Dada a sensibilidade do caso e a velocidade com que uma situação destas pode degenerar em algo menos desejável, não permite, na minha opinião usar uma ética do tipo utilitarista. Deverá haver um conjunto de regras bem claras. Poderás mencionar as limitições que um código destes poderá ter. E poderei concordar que tem limitações. Mas a solução passa por melhorá-lo, e não abandoná-lo.

    Havendo essas regras definidas, corre-se o risco de matar alguém que estava a usar uma arma não letal ou a fazer um vídeo para os apanhados. Mas acho que esse risco vale a pena.

    A discussão sobre que tipos de mecanismos serão os adequados para prevenir más decisões ou abusos deste poder ainda poderá ser discutida, claro. Mas para mim, a questão de princípio, sobre se este poder deverá ser concedido por uma sociedade a um conjunto de outras pessoas é perfeitamente aceitável.

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  48. «eu gostaria de ver se os dois últimos reféns fossem a sua mulher e um dos seus filhos... será que teria escrito este texto com o mesmo conteúdo?»

    Esta pergunta exprime, nem mais nem menos, a selva. Boa resposta, Lud.

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  49. Joaninha,

    « tenho certeza que eles não estiveram 8 horas a planear o homicidio dos ladrões...»

    Concordo. Mas a morte dos ladrões foi um acto deliberado e planeado e não motivado por algum perigo imediato.

    «Eles tentaram negociar a libertação dos refens e a rendição pacifica, os ladrões não aceitaram.
    Por principio a policia não pode nem deve deixar que ladrões assaltem e fujam impunes.»


    Concordo com ambas. Mas não considero que isso justifique que se abata os ladrões a tiro.

    Imagina que temos uma regra que diz "se ao fim de 8 horas os ladrões não se entregarem, devem ser mortos". Ou uma regra que diz "se o polícia vê que o ladrão pode escapar deve matá-lo". Nenhuma destas me parece aceitável.

    E é disso que eu estou a falar. Das regras que nós temos que impor à polícia para que não matem quem quiserem e dos mecanismos de controlo para garantir que seguem essas regras.

    O caso do BES mostra uma falha grave a ambos os níveis. Nem as regras são claras nem há qualquer controlo sobre estas decisões. O critério para o tiro parece ter sido "assim que estiver na mira" e o apuramento de responsabilidades parece limitar-se a umas palmadinhas nas costas e aplausos...

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  50. Imagina que temos uma regra que diz "se ao fim de 8 horas os ladrões não se entregarem, devem ser mortos". Ou uma regra que diz "se o polícia vê que o ladrão pode escapar deve matá-lo". Nenhuma destas me parece aceitável.

    Nem acho que existam, Ludwig. Parece-me antes que andas à caça de gambuzinos... :p

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  51. Ludi,

    Não consegues impor regras fixas em situações completamente imprevisiveis como esta.

    Olha Ludi, conto-te uma história.

    Diz uma senhora a uma advogada.
    -O meu marido agride-me verbalmente de forma muito violenta quase todos os dias. Não sei o que fazer.

    Desenrola-se uma conversa entra as duas em que a senhora conta a história toda, até que a advogada faz a seguinte afirmação.

    -Se ele ainda não lhe bateu até agora, então é porque já não lhe vai bater.

    Ela acredita.

    Uma semana depois apanha um enxerto de porrada.
    De um senhor serio, que se tu conhecesses dizias incapaz de tal coisa.

    Quando o policia (o tal, com treino sobre essas coisas) toma conhecimento do caso diz à senhora.

    -Minha senhora, o processo do seu marido é o processo tipico de um agressor. Era mais que natural que isso acontecesse.

    Não minimizes de forma tão drastica os conhecimentos que a policia tem e as razões pelas quais se viu obrigada a agir.

    Este senhor tambem não era de modo algum um agressor, até que foi.

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  52. Ludi,
    insere no contexto: se alguém me apontar uma arma à cabeça espero mesmo que a polícia não tenha dúvidas que alguém está predisposto a matar-me.
    bjs

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  53. Ludwig,

    Creio que todos defendem mais e melhor policia, e matar criminosos é uma consequência de eles existirem, e não de a policia ser mal controlada.
    Atenta bem no número de ourives mortos em assaltos nos ultimos meses, e na impunidade com que todos os assaltantes se têm safado.
    Não é de todo viável aumentar ainda mais as vias de escape para a criminalidade. Por mim podem continuar a matar quem apanharem em flagrante delito, que tente resistir violentamente, ou que tente atacar a policia como forma de escape. Não é por causa de excessos noticiosos recentes, mas, porque a policia não serve para implementar psicologia infantil do género castigar a violencia sem violencia, porque isso é válido durante a formação de personalidade de uma criança, mas, a adultos violentos já não se aplica. Aí a violencia reprime-se com coacção, e se esta tiver de vir com o risco de vida de criminosos, "so be it"...

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  54. Ontem a primeira parte da reportagem que deu na sic acerca do sequestro do autocarro no Rio de Janeiro foi interessante.

    Dizia um policia que esteve presente no episódo que tiveram o "bandido" dezenas de vezes em linha de tiro limpo mas tinham recebido uma chamada do secretario de segurança do estado a "mandar" que nao disparassem tiro algum.
    O resultado já foi visivel, o "bandido" matou um refém porque os polícias não lhe davam uma granada (hoje continua).

    Se os políticos sem formação nenhuma na área tivessem deixado os técnicos da policia tratar do assunto não teria morrido nenhum inocente (no episódio de hoje vão morrer mais).

    Não se dialoga com esta gente. Tenta-se enganar o símio até este ceder ao rebuçado ou se expôr a um tiro limpo caso a primeira opção não funcione.

    Tens sempre de partir do príncipio (porque não fazes idéia quem é) que se o "bandido" tem uma arma na mão então alguém vai morrer. Tem de ser ele assim que o negociador perceber que a coisa não vai lá com o rebuçado.
    O "talvez não mate" não se pode pagar para ver nestes casos.

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  55. Tens de te pôr no lugar do bandido se queres uma solução sem vítimas inocentes para estes casos.
    A chave está aí e em mais lado nenhum.

    Se eles começam a perceber que podem sacar de armas e ameaçar vidas à vontade ou até mesmo matar um ou outro para mostrar quem é o Alfa e que o máximo que pode acontecer é irem a julgamento daqui a uns meses anos...

    Tens de começar pelo príncipio (agarrar o melhor modo de salvar a vida de quem está a ser ameaçado hoje ou no futuro) não pelo fim (agarrar um modo de salvar a vida de quem está a ameaçar HOJE).

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