terça-feira, setembro 30, 2008

Como se Deus existisse...?

Há quem argumente que todos nós agimos como se um deus existisse, e é sempre o deus de quem o argumenta. Recentemente, o Mats escreveu um post, «Toda a Gente Age Como se Deus Existisse»(1), que seria uma bela sátira a este argumento não fosse a infelicidade de ser a sério.

Além de ficar pelo caminho, este argumento nem sequer aponta na direcção certa. Supostamente, o Mats quer mostrar que todos agimos como se o deus dele existisse. Mas o que ele alega é simplesmente que a moral, a lógica e a ciência devem as suas regularidades à criação divina. Mesmo que fosse verdade só demonstrava que tinha havido um deus qualquer. Nada disto sugere que tal deus tivesse criado o universo em sete dias, mandado escrever a bíblia, encarnado no seu filho e multiplicado pão e peixe. Mas nem a crença num deus genérico, de marca branca, o Mats consegue justificar.

«A ciência avança sob a presopusição [sic] de que existe uniformidade e inteligibilidade no mundo material. Mas se [...] o universo é o resultado de “acidentes” cósmicos, porque é que ele exibe evidências de racionalidade, inteligência e ordem, sem as quais a ciência não poderia existir?»

O Mats propõe que o universo é inteligível porque foi criado por um deus inteligente à medida da nossa compreensão. Comparando o tamanho do universo com o tamanho do meu cérebro a ideia parece-me ridícula. Mais razoável é que seja o contrário, que o meu cérebro compreende partes do universo porque foi moldado pela interacção dos meus antepassados com essas partes do universo. Por isso compreendemos quando os outros estão tristes ou contentes, a trajectória da pedra que atiramos e o passar de alguns anos. E por isso não conseguimos imaginar uma galáxia com cem milhões de estrelas, a passagem de dez mil milhões de anos ou a velocidade com que uma molécula de catalase decompõe seis milhões de moléculas de H2O2 por minuto. Não é o universo que é inteligível. É o nosso cérebro que está adaptado a compreender algumas partes, graças ao sacrifício involuntário daqueles que não chegaram a ser antepassados. As outras partes vamos descobrindo a custo e muitas vezes sem conseguirmos sequer imaginar aquilo que sabemos.

O mesmo para a lógica. «Se essas leis da lógica são intemporais, imateriais, abstractas e absolutas, donde vém [sic] a sua natureza absoluta?» Vem de a definirmos assim. Nós podíamos definir verdade como cerejas num Domingo à tarde e uma dedução válida como um encolher de ombros. Mas se o fizéssemos não nos servia de muito a lógica. Por isso temos que criar conceitos com as propriedades certas. E precisamos deles precisamente porque o universo não é fácil de compreender. Para as coisas que percebemos logo não nos faz falta a lógica. Não precisamos de formalismos para descascar uma banana ou jogar à macaca. É quando tentamos ir além daquilo para o qual o nosso cérebro está adaptado que precisamos da muleta da lógica e da matemática. Que nós inventámos.

Finalmente, «No campo da moral o ateu propaga que, uma vez que Deus não existe, a moralidade é o que cada um quiser que ela seja.» Não é bem isso. Nem tudo é igualmente bom ou mau para todos; uma coisa pode ser boa para um e má para outros. Mas isto é um facto, não é um juízo moral. O juízo moral vem depois, quando decidimos o que fazer deste facto. O Mats acha que se deve ignorar o que cada um pensa e assentar a moral naquilo que lhe disseram ser o juízo do seu deus. Eu prefiro dar a todos um voto na matéria, até ao Mats, e fazer da moral uma forma de convivermos com as nossas diferenças em vez de uma desculpa para impingir aos outros os caprichos de um amigo imaginário.

1- Mats, 21-9-08, Toda a Gente Age Como se Deus Existisse

24 comentários:

  1. Gostei do pormenor do Ludwig de escrever "deus" com letra minúscula porque não está a falar de um verdadeiro e único "Deus" mas de um "deus" de entre vários propostos.

    O Ludwig sugere que o nosso cérebro compreende as leis da natureza porque se adaptou a elas. (Em oposição a serem as leis que foram criadas especialmente para serem compreendidas pelo nosso cérebro.) Do ponto de vista da evolução, é isto que faz sentido, pois caso contrário a espécie extinguia-se rapidamente. Por exemplo, uma espécie que não compreende que há uma lei da gravidade está condenada a andar a cair em precipícios e extinguir-se em poucas gerações.

    Então qualquer aparência de ordem, uniformidade, lei, racionalidade, etc., que a natureza possa ter é explicada por o nosso cérebro estar adaptado às leis da natureza. A hipótese de deus (com minúscula!) não é necessária para dar uma explicação.

    Claro que isto não prova que não existe um deus. Mas deixa claro que não é por esta linha de argumentação que se prova existir um deus.

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  2. Jaime,

    «Gostei do pormenor do Ludwig de escrever "deus" com letra minúscula porque não está a falar de um verdadeiro e único "Deus" mas de um "deus" de entre vários propostos.»

    Eu uso a letra maiúscula quando uso a palavra como um nome pessoal. João, Jaime, Deus, etc...

    Se é para referir o cargo ou função, uso letra minúscula. Mesmo que seja único, verdadeiro e omnitudo, continua a ser um deus. Só tem direito a maiúscula se o seu nome for Deus.

    «Então qualquer aparência de ordem, uniformidade, lei, racionalidade, etc., que a natureza possa ter é explicada por o nosso cérebro estar adaptado às leis da natureza.»

    Ou pelo nosso cérebro ser capaz de inventar regularidades. O Xadrez, por exemplo, tem regras bem definidas mas é pura invenção.

    E atribuimos à natureza muitas regularidades onde não existem. Por exemplo, dizemos que vai estar bom tempo no dia seguinte se o céu está avermelhado ao pôr do sol. Há uma correlação significativa mas tomamo-la como uma regularidade maior do que ela merece.

    Na verdade, uma coisa que nos custa muito é lidar com as irregularidades da natureza. Quando temos que fazer afirmações com probabilidades e incerteza temos muito mais dificuldade em perceber com que lidamos.

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  3. Ludwig,

    Não tenho muito tempo para comentar (estou a preparar uma mega-reunião de dois dias, onde se junta um série de personalidades que discutem maioritariamente banalidades... :)).

    Em geral, estou de acordo com o post. Destaco a seguinte frase:

    "Na verdade, uma coisa que nos custa muito é lidar com as irregularidades da natureza."

    Duas sugestões de leitura sobre quão verdade é esta frase, livros que, aliás, achei, excelentes:

    - "The Black Swan: The Impact of the Highly Improbable", de Nassim Nicholas Taleb;

    - "The Drunkard's Walk: How Randomness Rules Our Lives", de Leonard Mlodinow.

    Vou voltar para as apresentções PowerPoint, mas contrariado. Sou obrigado a não usar Macintosh... :(

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  4. Se há uma coisa que nenhum deus é. é moral.
    Se a moralidade existe e a considerarmos como uma qualidade positiva para as sociedades, não é de certeza graças aos deuses imorais que nós inventamos.
    bjs

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  5. Karin,

    Não concordo contigo.Os "deuses", através da religião, apontam para um determinado código de conduta moral. Por definição, ajudam a perceber o que é certo (ex., esfolar os joelhoes em peregrinação) e errado (ex., usar preservativo). E isso é o objectivo da moral: diferenciar os comportamentos que devem ser incentivados dos comportamentos reporváveis.

    Agora estão longe de ser "a moral".

    O problema é que, devido ao dogmatismo, julgam que são "a moral" e não percebem que as suas regras são só isso: são apenas as suas regras.

    Pelo dogmatismo tornam-se insuportavelmente defensores do seu código de conduta e tentam passá-lo para os outros. Muitas vezes à força. E é isto que tu consideras imoral, certo?

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  6. Ludwig,
    está fora de tópico mas penso que dava uma boa discussão Strip maniacs of human rights

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  7. Creio que a grande maioria das religiões procura impor a dita moral, que às vezes não é muito moral, através do medo e considero isso absolutamente abjecto. A forma como nos comportamos deve estar de acordo com princípios que são nossos e que são aceites pela sociedade (é difícil definir que princípios são estes, de qualquer forma, são criados por homens porque são necessários). Impor a ideia de que não se pode matar porque deus castiga, por exemplo, é ridículo. Não se pode matar porque existe uma consciência que nos impede. Se não for a nossa, é a consciência colectiva da sociedade. As regras que existem em cada sociedade são relativas e a sua origem acaba eventualmente por reflectir, de certa forma, a religião maioritária dessa sociedade. É mesmo difícil escapar à religião, ela é omnipresente, está mesmo em todo o lado… lol! De qualquer forma, creio que a nossa conduta não se deve reger por medo, mas sim por consciência.
    Por outro lado, acredito que, independentemente da religião, o facto de uma pessoa que está doente acreditar em deus, pode influenciar positivamente o seu estado porque a pessoa sente que de facto está a fazer qualquer coisa mais e acreditar numa entidade divina com poderes sobre os humanos, é confortável, faz com que se possa encarar a sua situação de uma forma mais positiva e creio que isso pode melhorar o estado psicológico, o que também é importante. Este é o único aspecto que posso admitir como eventualmente ser positivo na existência das religiões.
    Vi o comentário de Pedro Ferreira que referia um estudo:
    “Num estudo enorme, dividiram as pessoas com doenças terminais em três grupos: num dos grupos, houve um conjunto de crentes que rezavam pedindo a deus que estes melhorassem, mas sem que eles soubessem, no outro grupo, a mesma coisa só que eles sabiam que havia quem rezasse por eles, e o terceiro grupo, não sabia de nada e ninguém rezava por eles.

    Conclusão: não houve diferença alguma entre os grupos que não sabiam do estudo, isto é, ficou provado que, rezando por eles (2º grupo) ou não rezando (3º grupo), foi exactamente a mesma coisa. O 1º grupo diferenciou-se dos outros porque... morreram mais depressa.”
    No entanto, creio que podem acontecer ambas as situações. Uma pessoa pode piorar por pensar que a sua situação é terrível ou melhorar por ter esperança. Também pode pensar que há esperança e piorar ou vice-versa. No entanto, não deixa de ser mais confortável ter esperança que por algum tipo de milagre se possa salvar do que pensar que de certeza que vai morrer. Assim como é mais confortável pensar numa vida eterna do que em apodrecer debaixo da terra.
    Quis colocar aqui estes dois aspectos para expor dois pontos de vista, é óbvio que existem mais pontos que podem ser focados (em relação às lacunas da religião). Mas com este comentário, queria apenas dizer que não sei se é completamente mau ter um deus. Para quem o tem até deve ser confortável.
    De resto, gostava de agradecer ao Ludwig este blog que fomenta discussões tão interessantes. Tenho lido, este é o meu primeiro comentário, vou tentar comentar com mais frequência porque é um excelente exercício. 

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  8. Ludwig,

    Por tudo o que já aqui se discutiu sobre a evolução e a religião, e pela maneira como a religião dominou a vida no passado, a crença num deus é algo que enraizou, e que é dificil de abdicar. Foram sucessivas gerações de submissos, condicionados, e geneticamente filtrados para serem obedientes, que em termos evolutivos garantem a existencia de crentes para muitas e muitas gerações. O acreditar que a religião é o fundamento da moral parace ser mais uma forma de racionalizar aquilo que interiorizaram. É uma forma de justificar o injustificável perante o que é real.
    Até há alguns que tentam chamar razão à religião...

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  9. Reparem que tudo o que o Ludwig diz é interpretação:

    "Mais razoável é que seja o contrário, que o meu cérebro compreende partes do universo porque foi moldado pela interacção dos meus antepassados com essas partes do universo."

    E chega mesmo a dizer que o Universo não é inteligível (sendo "inteligível" -> algo susceptível de ser entendido):

    "Não é o universo que é inteligível. É o nosso cérebro que está adaptado a compreender algumas partes, graças ao sacrifício involuntário daqueles que não chegaram a ser antepassados."

    Mais interpretação:

    "O mesmo para a lógica. «Se essas leis da lógica são intemporais, imateriais, abstractas e absolutas, donde vém [sic] a sua natureza absoluta?» Vem de a definirmos assim. Nós podíamos definir verdade como cerejas num Domingo à tarde e uma dedução válida como um encolher de ombros. Mas se o fizéssemos não nos servia de muito a lógica."

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  10. António,

    "O acreditar que a religião é o fundamento da moral parace ser mais uma forma de racionalizar aquilo que interiorizaram."

    Eu não acredito que a religião seja o fundamento da moral, acredito que a religião procura impor a moral através do medo e não concordo nada com esse tipo de postura.

    Acredito também que a religião condiciona as nossas regras sociais. Porque é que o casamento de homossexuais por registo civil não é permitido, por exemplo? Porque é que até há bem pouco tempo o aborto era ilegal? Quanto a mim porque a igreja ainda tem algum poder...

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  11. ouriça,

    O teu comentário é bastante bom, mas tocas num ponto em que discordo. E discordo porque basicamente estás a dizer que deus é treta, e no entanto acreditas que a crença em algo que é treta é bom em determinadas circunstâncias.

    Não acreditas em deus, mas acreditas na crença. O problema é mais complexo. Para além da hipocrisia evidente (mas misericordiosa), e para além também do paternalismo evidente no qual quase dizes que para algumas "massas", nem é mau de todo que acreditem, para além de tudo isto esqueces-te de duas coisas.

    A primeira é que esta crença não se aplica somente em estados terminais, e todos os efeitos maléficos da religião são, no meu ponto de vista, maiores do que os benefícios. Podemos discutir isto com maior afinco se desejares, mas se isto é verdade, por mais que hajam casos particulares em que a religião fosse boa, nunca compensam o todo;

    O segundo ponto de que te estás a esquecer é que a presença de deus nestas pessoas não é apenas benéfica. É stressante. A todo o momento que vem uma dor nova, a pessoa pergunta-se "o que quer deus dizer-me com esta dor?", a cada momento de maior aflição, a pessoa pergunta-se "Será que deus não me perdoa e vou parar ao inferno?" O problema é sério e bem vi na minha avó que ela tremia de medo de 1)não haver deus; 2)ir parar ao inferno. Estas dúvidas punham a minha avó num estado de nervos (e nunca na minha vida nem eu nem ninguém as alimentou).

    Como vês, os benefícios de deus para estas pessoas são sempre exagerados. Como deveria ser óbvio, a realidade psicológica é sempre mais complexa.

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  12. marcos, o que o Ludwig quis dizer é apenas que o Universo só é inteligível porque nós surgimos dele, e como parte integrante desse mesmo universo, é natural que o consigamos compreender, após longos milhões de anos de optimização dos processos cerebrais para esse mesmo efeito. É o princípio antrópico, assim como evolutivo. Qualquer animal incapaz de compreender o universo é sempre suplantado por outro que o compreenda infinitesimalmente melhor.

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  13. Ouriça,

    «com este comentário, queria apenas dizer que não sei se é completamente mau ter um deus. Para quem o tem até deve ser confortável.»

    Concordo que pode, dependendo das circunstâncias. É como ter um hobby ou um clube preferido. Pode ser uma coisa positiva na vida de uma pessoa, que lhe dá alegria e sentido à forma como passa o seu tempo.

    Mas pode ser prejudicial se começam mesmo a acreditar que o Odivelense FC é o melhor clube do mundo ou que as férias só são férias se passar o tempo todo a fazer macramé.

    Ao contrário do que diz o Barba Rija, eu concordo que acreditar na crença é muito mais aceitável (e comum) que acreditar no deus.

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  14. Macos Sabino,

    «Reparem que tudo o que o Ludwig diz é interpretação:»

    Segundo o dicionário:

    «interpretar
    v. tr.,
    tornar claro o sentido de;
    explicar;
    traduzir;
    reproduzir o pensamento de;
    comentar;
    fazer juízo a respeito de.»


    Será que é isto que queres dizer? Que o que eu faço é tornar claro, explicar, comentar, fazer juizos acerca, etc?

    Isso tem algum mal?

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  15. Barba Rija,

    "Quis colocar aqui estes dois aspectos para expor dois pontos de vista, é óbvio que existem mais pontos que podem ser focados (em relação às lacunas da religião)."

    Eu também acho que de facto há muito mais aspectos negativos do que o que está aqui. O que quis dizer é que, este é o único aspecto que vejo como eventualmente (e reforço, eventualmente) positivo. No entanto, não sei até que ponto é uma situação assim tão excepcional quanto isso... Quando as pessoas estão de facto mal, agarram-se a tudo o que podem. E pessoas que não costumavam ter grandes preocupações com religião tornam-se crentes. O tipo de efeitos que isso pode ter pode ser positivo.

    A verdade é que eu também penso que "por mais que hajam casos particulares em que a religião fosse boa, nunca compensam o todo". Não sei é até que ponto o número de casos que existem será desprezável...

    Em relação à outra questão, pois eu de facto não tenho grande contacto com pessoas verdadeiramente crentes, mas serão assim tantas as pessoas que pensam nisso constantemente? A ideia que tenho é que normalmente as pessoas recorrem a religiões em casos de desespero...

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  16. Ludwig,

    Efectivamente o acreditar em algo é aceitável e comum. Por exemplo, é aceitável acreditar que o Sporting é o maior, já não o é se não se gostar de tourada, se não se for à igreja passear o Merc, se não se usar SEMPRE 2 apelidos para parecer bem, etc. :-)
    Serve a parvoice para dizer que a aceitabilidade de uma crença me parace ser algo contextual!
    Acreditar em qualquer coisa não racional é aceite em termos emotivos, e acho que é nesse patamar que se pode colocar a crença num deus especifico. Por isso é que acho pouco aceitável, que qualquer crente queira negar a racionalidade por detrás da ciência alegando que deus pode estar metido ao barulho. Não pode! Deus é uma questão emocional (talvez por isso confortável como disse a ouriça), e nunca racional. Esta separação emoção/razão, é o que permite ao cientista ser crente fora da ciência, porque é algo emotivo.
    Mas, nada de misturas.

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  17. Sem dúvida António! Nada de misturas! Eu também vejo assim.

    A forma como coloquei a questão no meu comentário é de uma perspectiva social e associada a emoções. Agora, de facto,concordo que não se pode misturar ciência com religião.

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  18. Creio que a definição mais correcta a aplicar ao meu "interpretação" é "fazer juízo a respeito de"... uma vez que a afirmação "Mais razoável é que seja o contrário, que o meu cérebro compreende partes do universo porque foi moldado pela interacção dos meus antepassados com essas partes do universo." baseia-se apenas numa determinada posição filosófica em relação às origens.

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  19. Marcos Sabino,

    «Creio que a definição mais correcta a aplicar ao meu "interpretação" é "fazer juízo a respeito de"»

    Não é tanto uma questão de crer mas de perceber o que é que estás a querer dizer.

    Então estás a chamar a atenção que eu estou a fazer juízos acerca destas coisas. E daí?

    «baseia-se apenas numa determinada posição filosófica em relação às origens.»

    Não. É uma posição científica pois é possível confrontá-la com as evidências e constatar que se adapta melhor que as alternativas.

    Considera:

    H1- Percebemos o universo porque ele foi feito para ser compreensível por nós.

    H2- Percebemos partes do universo porque o nosso cerebro evoluiu sob pressão para compreender essas partes.

    A H1 prevê que todos os aspectos do universo sejam igualmente compreensíveis para nós. A H2 prevê que compreendamos mais facilmente aqueles aspectos mais ligados ao ambiente em que os nossos antepassados viveram e que outros aspectos possam estar para além da nossa capacidade de conceber, imaginar ou compreender.

    Eu proponho que o que observamos favorece claramente H2. Imagina o Sol, com um volume um milhão de vezes maior que o da Terra e libertando por segundo o equivalente a 10000000000000 bombas como a de Hiroshima. Consegues imaginar isto? Consegues compreender o que isto é, no sentido de abarcar com a mente como fazes quando compreendes porque alguém está contente ou a piada que te contaram? Se consegues o teu intelecto está muito para além do meu...

    E o Sol é só uma estrela numa galáxia num cantinho do universo...

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  20. Eu não podia estar mais em desacordo em relação ao que o Ludwig disse, ao que o antonio defende e ao que a ouriça concorda.

    Que é "mais" aceitável acreditar na crença do que na religião, nem faço disso caso, parece-me uma questão em si apática. No fundo é a diferença entre ser crente ou ser um ateu em tréguas. As tréguas são importantes, pois não queremos estar sempre em guerra com os nossos próprios amigos, no entanto não é uma posição filosófica sustentável.

    Explico. Acreditar na crença é dizer que se acredita na profissão de fé, mas não na fé em si. É uma treta pegada, pois uma vem sempre a seguir à outra. A única saída possível é existir uma espécie de divisão de territórios como o antonio defendeu, e remeter a religião inteiramente num, enquanto que a ciência e todas as filosofias "racionais" noutro. Mas isto é igualmente treta, pois não há conhecimento que não seja racional e emotivo ao mesmo tempo, pois por um lado não existe religião alguma que se sustente unicamente na emoção (se discordarem disto, por favor expliquem-me o que é a "Teologia", hmm? Ou as várias teorias índigo, ou o que são aqueles livros todos do Budismo, etc.) nem há ciência sem imaginação / criatividade / intuição.

    Na verdade, se a religião se fundamentasse apenas na emoção já há muito que teria perdido esse nome, e chamar-se-ia apenas de espiritualidade. Reparem que nem nisto gosto, pois esta treta baseia-se também no dualismo aristotélico corpo-alma que é, em si, treta.

    Ouriça:

    A ideia que tenho é que normalmente as pessoas recorrem a religiões em casos de desespero...

    Também chamam pela mamã enquanto choram desalmadamente. Ou mijam-se nas calças. Ou desmaiam. Ou gaguejam. Seja o que for que façam, quando em desespero, as pessoas não fazem nada de sentido.

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  21. Parece-me que há aqui questões diferentes a serem colocadas. Eu sou ateia. Acredito na explicação que a ciência me dá para a realidade porque é experimental, é concreta e tem dados que são verificáveis. Existem perguntas sem resposta mas não tenho a pretensão de as explicar com religiões porque quanto a mim não faz sentido. Agora, uma coisa é ver a religião enquanto explicação para a criação e descrição do universo.

    Outra coisa é, já que ela existe, ver a religião do ponto de vista social e o modo como influencia as pessoas. E foi nesse ponto que quis tocar com o meu comentário inicial.

    Mesmo numa situação complicada, eu não caía numa religião. Mas tenho uma posição vincada. No entanto, pessoas com posições menos marcadas podem cair com mais facilidade. Com todas as vantagens e desvantagens que isso lhes possa trazer.

    Barba rija,

    "Também chamam pela mamã enquanto choram desalmadamente. Ou mijam-se nas calças. Ou desmaiam. Ou gaguejam. Seja o que for que façam, quando em desespero, as pessoas não fazem nada de sentido."

    Obviamente não estamos a falar do mesmo género de situações, então...

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  22. Ludwig,
    «E atribuimos à natureza muitas regularidades onde não existem.»

    No episódio do CSI:
    um exorcista perguntou a Grimson se acredita na existência de uma entidade maligna. Grimson respondeu que o homem primitivo ao ver um arbusto a mexer-se fugia porque podia ser uma hiena. Podia ser apenas o vento, mas se fosse uma hiena morria. Herdamos os genes daqueles que fugiam, e assim vemos coisas sem elas estarem presentes.

    Vídeos que mostram como funcionam as superstições:
    * Superstição no reino animal
    * Testando com a Ciência
    * Espiritismo
    * Leitura a frio , Pensamento mágico
    * Egocentrismo

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  23. Outra coisa é, já que ela existe, ver a religião do ponto de vista social e o modo como influencia as pessoas. E foi nesse ponto que quis tocar com o meu comentário inicial.

    Foi exactamente esse sentido que eu agarrei do teu comentário, não compreendo porque achas que existiu algum equívoco. Não penso que exista legitimidade e lógica alguma na recusa da crença em termos pessoais e na sua aceitação num plano social, filosoficamente falando. Com isto não quero dizer que não a tolero, claro que a tolero, pois acima de tudo isto existe o valor da liberdade que tenho por central. Eu compreendo todos os que usam a religião como método para darem sentido às suas vidas, assim como compreendo todos os que a usam em momentos menos alegres. Independentemente do género de situações que estejamos a falar, aquilo que é claro é que cada um usará os meios psicológicos e espirituais/filosóficos que possuir como ferramenta para ultrapassar esses momentos, independentemente da sua eficácia. Um cristão usará a sua ideia particular de Deus rezando para que este lhe dê um alívio. É minha convicção no entanto que este caso particular traz mais desgraças que benefícios, apesar da geral convicção do contrário.

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  24. Muito bom o seu artigo.

    E gostei da hipótese da matemática (inclui a lógica) ser produto da mente humana, que evoluiu de modo a "encaixar na realidade" (ou convergir com a realidade, no domínio humano da experiência).

    Também penso assim.

    Curiosamente, a maior parte dos matemáticos profissionais tem um pensamento de cariz platónico, julgando a matemática como uma 2ª realidade para além do mundo físico. Acham que se limitam a descobrir partes desse 2º mundo, essencialista e eterno...

    José Almeida

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