sexta-feira, maio 02, 2008

Treta da Semana: O Princípio Antrópico.

É uma treta engraçada que baralha muita gente. De todo o universo, eu habito logo no sítio com as condições necessárias para eu sobreviver. Fantástico. Não vivo chamuscado no Sol, espremido em Júpiter, sufocado na Lua, congelado em Plutão ou esborrachado num buraco negro. Sorte? Mão de Deus? Não. É a lógica trivial que faz com que o tipo que não tem emprego esteja desempregado. Se eu existo tem de haver condições que permitam a minha existência.

Chama-se princípio antrópico fraco, não por ter defeito mas por confusão. Quando observamos algo devemos considerar que estamos cá para o observar e admitir que estes factores possam estar relacionados. Inicialmente, foi formulado para contrapor a teoria do estado estacionário. Esta defendia que não podemos assumir que vivemos numa época privilegiada e, por isso, o universo tinha que ser sempre como é agora. O princípio antrópico permite rejeitar esta premissa. Se cá estamos tem de haver condições para cá estarmos e se a única época que o permite é esta é nesta que temos de existir.

Este “ter de” fez a confusão que levou ao principio antrópico forte: porque nós existimos o universo tem de ter sido criado de forma a permitir a nossa existência. Mas quem não tem emprego tem de estar desempregado apenas no sentido da conclusão seguir da premissa. Nada o obriga ao desemprego nem implica que esteja predestinado a estar desempregado.

Há uns tempos o Timshel escreveu que «O mais poderoso argumento do ateísmo contra o princípio antrópico e a existência de uma intencionalidade transcendental que presidiria à existência do Universo e da vida (nomeadamente da vida humana) é que, num sistema em que o tempo e o espaço sejam infinitos, tudo pode acontecer (até este nosso mundo).»(1)

O principio antrópico fraco é razoável, mas diz apenas que a probabilidade condicional do universo permitir a nossa existência sabendo que existimos é de 100%. E o princípio antrópico forte é treta. Confunde a probabilidade condicional com a probabilidade, à partida, de existirmos e é daí que infere que o universo teve que ser criado à nossa medida. É usado como argumento para uma criação inteligente mas é como o desempregado concluir que um deus criou o universo só para lhe tirar o emprego. Compreende-se por frustração ou desespero mas não se justifica pela razão.

Podemos usar o princípio antrópico fraco para explicar porque é que este universo é assim. Se não fosse não estávamos cá. E esta explicação precisa que existam outros universos diferentes do nosso, o tal «tudo pode acontecer» do Timshel. Mas o raciocínio é simplesmente que se houver infinitos universos o princípio antrópico fraco explica que este é assim porque se não fosse estaríamos noutro. Não é daqui que se infere a existência de outros universos; isso tem que vir de outras teorias. E nada disto sugere que possam ocorrer milagres neste.

Em suma, o princípio antrópico é um favorito dos crentes, especialmente dos criacionistas, mas invocam sempre o errado. Quando uma coisa acontece podemos inferir com confiança que é possível acontecer. Isto até é um argumento contra os milagres. Mas é insensato quando algo acontece inferir que o universo foi feito de propósito para que isso acontecesse.

1- Timshel, 13-4-08, A propósito da Ressurreição

18 comentários:

  1. Physicist Robin Collins said,

    "The extraordinary fine-tuning of the laws and constants of nature, their beauty, their discoverability, their intelligibility - all of this combines to make the God hypothesis the most reasonable choice we have. All other theories come short." (Lee Strobel, The Case for a Creator, Zondervan 2004)

    Por favor mandem um email a este "pseudo-físico", e digam-lhe que mesmo que todas as evidências apontem para o Criador, tal hipótese tem que ser rejeitada porque não é naturalista!

    Mais vale uma dezena de explicações naturalistas erradas do que uma explicação teísta certa.

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  2. O principio antrópico fraco é razoável, mas diz apenas que a probabilidade condicional do universo permitir a nossa existência sabendo que existimos é de 100%. E o princípio antrópico forte é treta. Confunde a probabilidade condicional com a probabilidade, à partida, de existirmos e é daí que infere que o universo teve que ser criado à nossa medida.


    Há um "pequeno" problema com esta questão das probabilidades e que creio ser irresolúvel, para já. É que essa probabilidade, à partida, de existirmos não deve poder ser mensurável estatisticamente, ou existem alguns dados que possam ser usados como aproximação para tal?!

    O filósofo sueco Nick Brostom tem-se distinguido nesse campo, mas mesmo todo o seu estudo matemático continua a não dar resultados significativos favoráveis a qualquer uma das versões do princípio antrópico, cuja complexidade filosófica e matemática parece ser extrema!

    Eu não me metia por aí. A simples existência da mente e da consciência fornece-nos uma prova mais simples de como uma tal propriedade deve ser já inerente à própria substância material ou, de qualquer forma, estar incluída ou nela imbricada. Filosoficamente, é muitíssimo mais fácil e produtivo ir por aí e foi isso mesmo que Bohm fez, concluindo que wave function, which operates through form, is closer to life and mind e the electron has a mindlike quality.

    Ora isto chega e sobra para validar o idealismo filosófico que considera ser inseparável a matéria da mente, ou seja, a 1ª nunca pode existir sem a 2ª ou é, em última análise, uma criação desta. E será neste sentido que Ciência e Filosofia e Religião de certa forma se unirão... olha, a nova Trindade desta nova Idade!!! :)

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  3. Ludwig

    Consegues demonstrar (ou sequer avançar indícios probabilísticos) a partir deste post (ou de qualquer outra coisa) que essa tua posição é mais que uma simples lapalissada sem qualquer informação adicional?

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  4. Mats,

    A hipótese, como hipótese, é aceitável. Mas como o título do livro diz, ele não a propõe apenas como hipótese. Tenta argumentar que existe mesmo o tal Creator. É nisso que falha.

    Leprechaun,

    As probabilidades podem ser estimadas por outras teorias. Obviamente, essas estimativas dependem das outras teorias estarem certas. E, conforme o caso, pode ser que (se existirem muitos universos diferentes), o principio antrópico (fraco) nos diga logo porque é que vivemos neste. Mas esses universos e probabilidades a priori não se derivam do princípio antrópico.

    Timshel,

    Era precisamente essa a ideia. O principio antrópico fraco é uma lapalissada. Por si só, não diz nada de novo. Mas o princípio antrópico forte, aquele que tu sugeriste ser um argumento a favor de um criador, é uma falácia. Infere de uma probabilidade condicional a probabilidade a priori.

    Reiterando, do principio antrópico por si só não vais tirar nada de útil. Em conjunto com muitos universos (os vacua da teoria de cordas, por exemplo) já tem poder explicativo. E se assumires que a nossa existência era à partida necessária então podes argumentar que houve fine tuning. Mas essa premissa é muito questionável.

    O Douglas Adams ilustrou bem este problema:

    «. . . imagine a puddle waking up one morning and thinking, 'This is an interesting world I find myself in'an interesting hole I find myself in'fits me rather neatly, doesn't it? In fact it fits me staggeringly well, must have been made to have me in it!' This is such a powerful idea that as the sun rises in the sky and the air heats up and as, gradually, the puddle gets smaller and smaller, it's still frantically hanging on to the notion that everything's going to be alright, because this world was meant to have him in it, was built to have him in it; so the moment he disappears catches him rather by surprise. I think this may be something we need to be on the watch out for.»

    daqui

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  5. Ludwig

    porque é que o principio antrópico fraco é uma lapalissada e o princípio antrópico forte é uma falácia?

    isto é, epistemológicamente, o que te permite validar superiormente a proposição "estamos cá porque estamos" relativamente à proposição "estamos cá porque Deus assim o quis"?

    a primeira não fornece nenhuma informação

    a segunda avança uma hipótese (que pode estar errada como qualquer hipótese)

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  6. timshel:

    Creio que o objectivo do texto que estamos a comentar é responder a essa pergunta.

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  7. Ludwig,
    As evidências mostradas põe a proposição "Deus" como a melhor explicação para factos conhecidos, e a explicação mais credível em relação às concorrentes.

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  8. Timshel,

    Supõe que A=>B. Sabendo A, a probabilidade condicional de B é 100%. Este é o princípio antrópico fraco.

    Agora supõe que A=>B. Qual é a probabilidade a priori de B? Não fazemos a mínima ideia. O princípio antrópico forte assume que a probabilidade a priori de B é 100%, ou seja o universo teve que ter sido criado de forma a permitir a nossa existência, e é isso que levanta a necessidade de explicar porque é que o universo teve que ter sido criado de forma a permitir a nossa existência. É aí que entra Deus.

    O que eu tentei (parece-me agora com pouco sucesso) foi explicar que não é razoável inferir da nossa existência que o universo teve que ser criado de forma a permitir a nossa existência.

    É verdade que "Deus criou o universo para nós podermos existir" avança uma hipótese. Concordo. Mas isto tem tanto a ver com o princípio antrópico como a hipótese "Deus criou o universo para que eu nascesse em S. S. da Pedreira".

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  9. O princípio antrópico, pois. No entanto as condições neste planeta ainda são muito mais favoráveis para as bactérias e os insectos do que para os seres humanos. Por essa ordem de ideias, deveríamos falar do princípio baratrópico, a pensar nas baratas, por exemplo.:)
    Karin

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  10. Yup. Dado que as baratas existem, a probabilidade das condições permitirem que as baratas existam é de 100%. Ergo, Deus é uma barata :)

    Também podemos pôr a coisa ao contrário. Dado que 99.9999999%+ do universo é incompatível com a vida humana, podemos concluir que quando Deus criou isto não era em nós que estava a pensar...

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  11. claro que podemos concluir isso

    (ou a tese da barataria)

    (ou outra tese qualquer)

    é exactamente isso

    PS.: gostaria de sublinhar que isto não é ironia ou nonsense; é verdadeiramente o fundamento da minha fé católica

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  12. Timshel,

    Sim, compreendo que a possibilidade de escolher qualquer coisa é uma parte importante do mérito de escolher essa. E sendo fé, que entendo como uma esperança convicta, não vejo que haja problema.

    O problema surge ao confundir isso com explicações, hipóteses e conheciemento. É quando passares essa linha que eu te vou pisar o pé :)

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  13. eheh

    e o problema também é (tal como quando se confunde fé com conhecimento) quando se confunde conhecimento com fé :)

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  14. Mas não devia ser.

    O problema de meter fé no conhecimento é que o conhecimento tem que ser aquilo e mais nada. Não se pode dizer que uma pessoa sabe que a Lua é feita de queijo e outra sabe que não é. Uma julga que sabe mas está enganada.

    Meter o conhecimento na fé não devia dar chatice precisamente porque a fé pode ser qualquer uma. Uns podem ter fé porque não se sabe, outros porque se sabe, e outros aínda porque julgam que sabem. Tanto faz, porque com a fé vale tudo.

    Ou não? É que se não, então aí não só se pode meter o conhecimento na fé como se deve fazê-lo, e provavelmente a tua fé ia ficar a perder ;)

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  15. "O problema de meter fé no conhecimento é que o conhecimento tem que ser aquilo e mais nada"

    isto faz-me lembrar alguém :) (que só conheço blogosféricamente)

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  16. Ludwig,
    Yup. Dado que as baratas existem, a probabilidade das condições permitirem que as baratas existam é de 100%. Ergo, Deus é uma barata :)


    Isto nem chegou perto de aludir ao que eu disse. Repito, a proposição "Deus criou o universo" é a que melhor explica osd dados conhecidos, sendo também a mais lógica, espcialmente quando pensamos nas concorrentes.

    Também podemos pôr a coisa ao contrário. Dado que 99.9999999%+ do universo é incompatível com a vida humana, podemos concluir que quando Deus criou isto não era em nós que estava a pensar...


    Ou então então podemos mais logicamente concluir que Deus projectou que a vida existisse só na Terra. Qual das duas hipóteses é mais lógica?

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  17. Ludwig,
    O problema de meter fé no conhecimento é que o conhecimento tem que ser aquilo e mais nada.


    Mesmo a fé no naturalismo?

    Não se pode dizer que uma pessoa sabe que a Lua é feita de queijo e outra sabe que não é. Uma julga que sabe mas está enganada.


    Não se pode dizer a um naturalista coisas que vão contra o naturalismo,porque para este, é o naturalismo e mais nada. Quem é que precisa de evidências quando se tem o naturalismo, certo?

    Meter o conhecimento na fé não devia dar chatice precisamente porque a fé pode ser qualquer uma.


    A tua definição de fé é, no mínimo, pouco Cristã.


    Uns podem ter fé porque não se sabe, outros porque se sabe, e outros aínda porque julgam que sabem. Tanto faz, porque com a fé vale tudo.


    Espero que uses o mesmo "critério" na fé (ilógica) no naturalismo. Sim, é uma fé, uma vez que, segundo o teu entendimento, não pode ser provado. Aliás, não é só o teu entendimento. A fé no naturalismo não é científico.

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  18. Concordo em linhas gerais sobre o uso inadequado do princípio antrópico pelos teístas e criacionistas, porém quanto ao princípio antrópico fraco que tem alguma validade lógica tenho algo a acrescentar.

    A vida inteligente existe, logo a vida existe, logo uma química capaz de gerar vida existe e logo uma física capaz de gerar essa química vital também existe. Essas são cadeias analíticas de onde se parte do conhecimento de existência de um ser (nós seres humanos) até as leis da física que produziram o universo e a nós.

    Até aí não precisamos de nenhum princípio além da lógica ordinária. Mas e quanto ao caminho inverso?

    Ora, não podemos inverter esse caminho, partindo das leis da física até chegar a nós, pois mesmo num universo com as nossas leis ainda assim poderíamos não estar aqui. O "mais geral" são as leis da física e portanto elas limitam o que pode ser feito, mas não determinam o que será feito.

    No conceito de "ser vivo inteligente" já está implícita a noção de leis físicas como as que criaram as milhares de galáxias do universo, mas no conceito de leis físicas não está a noção de ser vivo inteligente, pois este ser é só uma possibilidade.

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