terça-feira, março 18, 2008

Evolução e origem.

O «Mats» escreveu uma «Resposta ao Ludwig Krippahl»(1) que responde pouco e confunde muito. Mas uma das confusões é interessante:

«“Origem da vida”?! Devo dar os parabéns ao Ludwig porque ele, ao contrário de muitos outros darwinistas, sabe que a origem da vida está umbilicalmente ligada à teoria da evolução. O problema para o Ludwig é que a pesquisa sobre a origem da vida está totalmente “aos papéis”. Não há concordância entre os darwinistas sob como a vida surgiu na Terra.»

Muitos separam a teoria da evolução e a origem da vida porque o fundamento da teoria da evolução não depende de qualquer hipótese específica acerca da origem da vida. As características de uma população variam ao longo do tempo pela forma como afectam a reprodução, pela forma como surgem ou se propagam entre os indivíduos. Os detalhes podem ser complexos mas a ideia central, que a população muda ao longo do tempo por mecanismos compreensíveis, aplica-se qualquer que seja a origem da população. Podem ser moléculas de ARN, mamutes ou algoritmos genéticos. Pode ser uma população de vírus com origem natural ou criada num laboratório de armas biológicas.

Mas há uma relação entre a teoria da evolução e a origem da vida, só que é ao contrário do que os criacionistas julgam. Não é a teoria da evolução que exige uma origem particular para a vida. É a origem da vida que se explica com a teoria da evolução. Os seres a que chamamos vivos não têm nenhuma substância mágica, élan vital ou alma que os distinga dos restantes. Classificamo-los como vivos pela sua complexidade funcional. Reproduzem-se, metabolizam, desenvolvem-se, etc. Mas para evoluir basta reprodução com herança e modificação. Os vírus evoluem e não são considerados seres vivos, por exemplo. É a teoria da evolução que nos permite explicar como moléculas simples, em condições que catalizavam a sua síntese, gradualmente se organizaram em sistemas mais complexos até haver algo a que chamamos vivo.

Os criacionistas aldrabam a resposta. O objectivo é compreender os processos que deram origem a esta complexidade e isto não se resolve apontando para um livro antigo e dizendo foi o meu deus. Mesmo que fosse o que queremos saber é como, não apenas quem. E isso o criacionismo nem tenta explicar.

O “darwinismo” também não resolve o problema. A teoria de Darwin não explica como a argila pode catalizar a polimerização do ARN nem a formação de membranas lipídicas. Felizmente, o “darwinismo” está para a biologia como o “newtonismo” para a física. São teorias com mais de um século. Por muito boas que sejam, a ciência estava mal se não tivesse progredido entretanto. Estava quase tão mal como o criacionismo.

Esta pesquisa não anda “aos papéis”. O problema é que é difícil. Há mais de quatro mil milhões de anos terão surgido sistemas químicos que, apesar de simples, eram capazes de replicar moléculas. A partir daí a evolução tomou conta do processo. Mas há vários candidatos para esses primeiros sistemas (2). Não é um mistério, não faltam hipóteses plausíveis e não há necessidade de pedir aos deuses que nos resolvam o problema. A dificuldade é testar estas hipóteses para determinar qual ou quais estão mais correctas. Ao fim de quatro mil milhões de anos há muito poucos vestígios destas reacções químicas.

É como qualquer questão histórica. Podemos afirmar com confiança que Dom Afonso Henriques andava a pé ou a cavalo. Não precisamos de postular um deus que o carregasse de um lado para o outro. Mas não temos informação suficiente para descrever em detalhe todas as botas e todos os cavalos que o primeiro rei de Portugal usou. Isto não é andar aos papéis. Andar aos papéis, literalmente, é desistir, chamar-lhe mistério, e acreditar piamente num livro qualquer.

Ontem o João Vasco recomendou-me este video, mesmo a calhar. É uma explicação simples e bem conseguida. Só tem o defeito de dar a entender que o processo químico e a evolução são coisas diferentes. Isso não é correcto. Assim que as primeiras moléculas se começaram a copiar estavam presentes todos os ingredientes necessários para a evolução. A vida surgiu pela evolução de sistemas químicos não vivos.



1- Mats, 13-3-08, Resposta ao Ludwig Krippahl – 1
2- Wikipedia, Origin of Life, Current Models

13 comentários:

  1. Ludwig:

    Esse video faz parte de uma série. Ontem estive a vê-la toda e ainda aprendi bastante. Está clara, relativamente completa, e acessível. E engraçada, também.

    Começa comas origens do Universo, fala sobre as origens do nosso planeta. Depois de falar sobre a origem da vida fala na teoria da selecção natural, na evolução da vida, e no final na evolução do homem.
    A série deixa clara a interligação entre esses dois temas (origem da vida e selecção natural) embora esse episódio em particular se foque mais na origem da vida.

    Se vires a série vais lá ver umas tantas coisas que tens tentado explicar ao "perspectiva", se bem que com desenhos simples, de forma a que até uma criança de 2 anos pode perceber.
    Os teus textos a esse respeito não podiam ser mais claros, mas às vezes é preciso um desenho... Sugiro que experimentes e divulgues mais uns episódios da série. :)

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  2. O problema parece-me mais ser a recusa categórica dos ´Perspectivas`e Co. de se deixarem convencer por tão pouco como lógica e argumentos fundamentados. Áparte disso o vídeo está mesmo óptimo para mim, por outras palavras, até eu o entendo :-) Venham mais.
    Cristy

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  3. BEYOND REDUCTIONISM
    Reinventing The Sacred
    By Stuart A. Kauffman


    I would like to begin a discussion about the first glimmerings of a new scientific world view — beyond reductionism to emergence and radical creativity in the biosphere and human world. This emerging view finds a natural scientific place for value and ethics, and places us as co-creators of the enormous web of emerging complexity that is the evolving biosphere and human economics and culture. In this scientific world view, we can ask: Is it more astonishing that a God created all that exists in six days, or that the natural processes of the creative universe have yielded galaxies, chemistry, life, agency, meaning, value, consciousness, culture without a Creator. In my mind and heart, the overwhelming answer is that the truth as best we know it, that all arose with no Creator agent, all on its wondrous own, is so awesome and stunning that it is God enough for me and I hope much of humankind ...


    mais aqui:

    http://www.edge.org/3rd_culture/kauffman06/kauffman06_index.html

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  4. O link acima não saiu bem

    http://www.edge.org/3rd_culture/kauffman06/
    kauffman06_index.html

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  5. Para colocar neste espaço uma ligação (link) com o nome Sapinho para o sítio http://www.sapo.pt/, escrever o seguinte directamente caixa de comentários:

    <a href="http://www.sapo.pt/">Sapinho</a>

    e o resultado será este: Sapinho

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  6. porque é que a matéria tem condições que permitem a vida?

    é assim porque é assim?

    tem algum interesse colocar a questão?

    em que medida a resposta a estas questões traduz uma postura sobre a própria existência?


    (lamento só colocar aqui as questões sem as colocar de momento no meu blogue com uma referência directa ao(s) post(s) que aqui lhe deram origem mas estou à espera de tempo para tentar estruturar minimamente as questões ou a argumentação e para depois responder a uma eventual reacção; talvez para o fim da próxima semana tenha tempo para isso)

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  7. Ludwig,

    Pensava que os virus já tinham ganho estatuto de vida.Isto de me ter afastado da area das ciencias dá nisto. No meu tempo não eram, mas tinha ideia que havia para ai uns cientista a tentar mudar isso, ou não?
    Explica-me que não olho para essas coisas há masi ou menos 9 ou 10 aninhos.
    Bj

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  8. Joaninha,

    Os virus não têm metabolismo, nem sistemas de regulação (homeostase) nem se desenvolvem, por isso penso que o conseso é que não são vivos.

    É claro que isto de vivo e não vivo é completamente arbitrário. É como os astrónomos discutirem se Plutão é um planeta, um planeta-anão ou um asteróide. É uma questão de definir palavras e não faz diferença nenhuma para a coisa em si.

    A wikipedia tem um bom resumo desta discussão acerca do sexo dos anjos :)

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  9. Ludwig

    Só me ocorre dizer que este post está excelente. Não creio que um criacionista possa discutir qualquer coisa como "O objectivo é compreender os processos que deram origem a esta complexidade e isto não se resolve apontando para um livro antigo e dizendo foi o meu deus."

    Aliás, não vejo nada atacável neste post, criacionistas ou não.

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  10. Timshel

    Não sendo meu o post, tenho a ousadia de responder. Aliás, de apontar para o facto de que as respostas estão no post.

    "porque é que a matéria tem condições que permitem a vida?"

    Essa é a pergunta complexa para a qual não há ainda resposta. Porque é complicada! Não se anda aos papeis, porque andar aos papeis é não saber o que se anda a fazer. Sabe-se o que se anda a fazer, mas isto não é só pensar um bocadinho e já está. A Ciência não é bruxaria e às vezes a resposta mais desonesta é "eu tenho a certeza que". E há muitas marradas que não dão respostas directas (só dores de cabeça mesmo).

    "é assim porque é assim?"

    Isto é o "porque sim". Isto é a resposta de fé, que não é a resposta da Ciência. Isto é o título da mesa redonda Ludwig Krippahl/Jónatas Machado levado à letra: Razão na criação ou fé na Evolução. Não há fé na evolução nem na origem da vida do ponto de vista naturalista! Simplesmente não assenta em dogmas, mas em indicações no sentido de a origem da vida e evolução subsequente se ter dado daquele modo. Não é "porque é assim" de todo.

    "tem algum interesse colocar a questão?"

    A questão posta do ponto de vista naturalista faz todo o sentido, mas só tem uma resposta naturalista. Não "porque sim", mas por lógica pura e simples.

    Do ponto de vista de quem tem necessidade de algo mais que isso também faz sentido, mas só o ponto de vista naturalista tem uma resposta verificável e testável experimentalmente. A outra é uma questão de fé e/ou lógica.

    "em que medida a resposta a estas questões traduz uma postura sobre a própria existência?"

    Mmmm... esta é complicada e fácil! E tem muitas respostas. Vou optar por uma via.

    Sentir-se maravilhado pela Natureza é lógica pura e simples. Tentar conhecer a Natureza, saber como funciona pode ser um modo de nos igualarmos a ela e de a submeter ao nosso (alegado) poder. Isto é um ponto de vista que o Ludwig abordou vagamente no post "valores".

    Conhecer a Natureza para saber como funciona pode ser ainda mais gerador de espanto. Pode ser uma maneira de nos inserirmos no Universo: sentirmo-nos pequenos perante a dimensão do planeta, sentirmo-nos grandes perante a complexidade de outro organismo mais simples, sabermos que partilhamos algo com todos os organismos vivos e não vivos do planeta. Dominar aqui só é válido no sentido de dominarmos a nossa própria ignorância. Não creio que se domine o espanto.

    O sentimento religioso, estranhamente, pode ter estas duas facetas: ou dominamos Deus e as suas leis ou nos inserimos nelas, sabendo que somos todos iguais, todos irmãos, todos da mesma criação. A primeira parte pode não fazer sentido (e objectivamente não faz), mas há quem pareça ter um relacionamento privilegiado com Deus e distorça os Seus ensinamentos às suas conveniências. E isto é um facto e repete-se constantemente ao longo da História. Agora a questão importante: como se pára?

    O que é que isto diz sobre nós? Que, com ou sem religião, com o sem Ciência, tanto podemos escolher dominar como fazer parte de algo. O que me parece insensato é rejeitar os conhecimentos que milénios de evolução da inteligência humana nos oferecem para conhecermos o mundo em que vivemos.

    Sabendo do lado negro do conhecimento (que resulta do lado negro do Homem), conhecer as leis naturais é sempre preferível a ficar na ignorância. Mais que não seja porque se soubéssemos mais há um tempo, talvez não tivéssemos deixado degradar o ambiente ao ponto que deixamos. Por respeito e admiração, mas também por respeito por nós mesmos, pelas gerações futuras e por saber que o planeta reagirá contra nós se for preciso.

    E mais uma vez tenho que pagar uma taxa de utilização do espaço para deixar estes lençóis...

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  11. Nossa, que tópico massa! ...
    Penso logo hã? (rs)

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  12. Por que é que a matéria tem condições que permitem a vida?


    Because there is consciouness beyond it... that's why! :)

    Deveras, numa concepção idealista do Universo TUDO é vivo, já que a consciência se manifesta em todas as coisas. Nesse oceano infinito de vida pode fazer-se uma distinção meramente académica entre "vida orgânica" e "vida inorgânica", embora de um ponto de vista científico os objectos inorgânicos sejam considerados não vivos.

    De novo, tudo tem a ver com a consciência omnipresente, claro! E também com os conceitos utilizados para definir aquilo que é ou não é "vida", naturalmente. Por isso, neste sentido, isto de vivo e não vivo é completamente arbitrário, ou seja, mais uma abstracção que é útil em termos da ciência mas que divide em duas metades aquilo que é uno e inseparável.

    Life is and we are a part of it from within and afar!

    So, the answer is again: consciouness begot space and time with matter-energy beyond!!

    It reigns supreme everywhere... inside here and outside there!!! :)

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  13. Místico,
    Tu cristalizaste nessa treta,
    há muito mais para além desse teu arroubo mistico!
    A verdade não pertence a um clube de iluminados, pertence a quem a persegue com todas as armas!

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