sexta-feira, dezembro 14, 2007

Relativismo? Subjectivismo? Mais ou menos...

O relativismo ético defende que a moral* assenta em juízos relativos ao indivíduo, cultura ou época. O absolutismo propõe que o fundamento da moral é igual para todos. O objectivismo diz que o bem e o mal são propriedades dos acontecimentos, opondo-se ao subjectivismo que os considera juízos formados pelos sujeitos. Como o Tiago Luchini, muitos associam o subjectivismo ao relativismo e o absolutismo ao objectivismo, mas são independentes.

Fundamentar a moral na vontade de Deus é um subjectivismo absolutista. É subjectivismo porque considera que o bem e o mal são atribuídos aos actos pelo juízo de um sujeito (Deus). E é absolutista porque considera este juízo igualmente válido em todos os casos. No outro extremo, fundamentar a moral na lei é um objectivismo relativista. É objectivismo por dar uma base objectiva ao bem e ao mal (a lei), e é relativista porque a lei varia conforme o sítio e a época.

Eu rejeito o relativismo porque o projecto da ética é criar um fundamento universal para a moral. Dizer que povos diferentes têm regras morais diferentes é sociologia, não é ética. E rejeito o objectivismo porque, como Hume notou, podemos dissecar qualquer objecto ou acontecimento até ao átomo que não vamos ver vestígio de bem nem de mal. O bem e o mal têm que derivar de juízos subjectivos. O que eu quero é um fundamento universal para a moral, aplicável a todas as épocas, culturas ou até espécies (não devemos ser os únicos seres éticos no universo), mas que tenha em conta que o que é bom para uns pode ser mau para outros. Pode não ser possível, mas a história sugere que vale a pena tentar.

Mas a coisa complica-se. Apesar de ser subjectivista, porque acho que os valores são subjectivos, penso que a ética deve considerar propriedades objectivas da relação entre sujeitos. Afinal, a subjectividade é uma propriedade objectiva de todos os valores. E apesar de ser absolutista no sentido de não considerar o fundamento da moral relativo à cultura ou época, não considero que haja valores absolutos. Um bem ou um mal são sempre relativos a outros bens e males. Em rigor, não devemos dizer que matar é mau. Devemos dizer que é pior que a maioria das alternativas, mas em certos casos até pode ser a melhor opção.

Com isto queria dar apenas uma ideia do problema a quem tira conclusões como «Se a "fé boa" é reconhecer que os valores são subjetivos para cada um, aceitar-se-ia que alguém viole uma crianca porque "assim são os seus valores"» (1). Categorias como subjectivismo e absolutismo são úteis para sabermos em que direcções podemos pensar mas não para escolhermos um canto onde ficar ou onde enfiar os outros.

* Por moral quero dizer o conjunto de regras e por ética a análise desse conjunto e dos seus fundamentos.

1- Tiago Luchini, em comentário a Afinal o que é fé?...

15 comentários:

  1. Gostei.

    Explica-se bem !

    Há uns anos consideraria utópic a ideia de uma ética universal. Hoje nem tanto.

    Mas quando atribui à ética a função de regular as relações entre os sujeitos, eu tenho para mim que é isso que faz o direito.

    Ora o suporte do direito é a moral, e eu continuo sem conseguir "descolar" do meu velho conceito de ética como cultura do respeito, no sentido em que sugere que se encare o que é diferente tentando entende-lo fora do nosso seu quadro moral de referencia.

    Nessa acepção a ética é um exercicio de humildade necessário contra as derivas arrogantes que desde sempre tentaram ler o mundo com base nas suas certezas e formata-lo à medida do que julgam que ele deve ser.

    Curioso é que muitas vezes o façam sem que antes tenham conseguido resolver outros problemas mais prementes que têm em casa, mas isso são outras histórias...

    ResponderEliminar
  2. Manuel,

    «Mas quando atribui à ética a função de regular as relações entre os sujeitos, eu tenho para mim que é isso que faz o direito.»

    Sim. O direito é uma ferramenta de regulação. É a última, na verdade. Antes dessa temos a tradição, a educação, a empatia e os nossos instintos, e outras que tais. Se fosse só o direito estávamos bem tramados.

    Mas para regular o que podemos regular temos que saber em que sentido regular. A moral dá-nos isso. As normas pelas quais podemos decidir o que é (moralmente) melhor e pior, e para onde ir.

    E temos que saber quais as normas e porquê essas e não outras. Porque é que a liberdade é uma coisa a proteger? Porque é que é errado roubar? É sempre errado roubar? E assim por diante. É aí que precisamos da ética.

    ResponderEliminar
  3. Ludwig,

    Gostei de linha. Foi possível clarear onde você se posiciona.

    Mas acho que capta erroneamente a fundamentação da moral na vontade de Deus. Na verdade ela seria objetivista e absolutista. Objetivista porque expressa o bem e o mal como propriedades dos acontecimentos (roubar é mal, amar é bom, etc) e absolutista exatamente pelo que você citou: o juízo é igualmente válido em todos os casos (matar é mal independente das razões).

    O subjetivismo se encaixa quando cada sujeito forma seu próprio juízo (não pelo juízo de um terceiro como propõe).

    Gostei do texto porque deixa claro como é um assunto complicado quando deixa-se o absolutismo objectivista de lado: os parâmetros são difíceis de balizar.

    Independente do absolutismo de um Deus de alguma religião: se um ditador resolve instaurar que é errado roubar, o conceito é muito mais simples (mesmo que menos democrático).

    Outro fato interessante é que diferencia o ojetivismo da lei em contraposição à vontade de Deus (também considerada basicamente lei - porém dos céus). Só não varia tão drasticamente com o sítio e com a época.

    Parabéns pelo texto!!

    ResponderEliminar
  4. Tiago,

    Esse problema já é reconhecido desde Platão:

    «Objetivista porque expressa o bem e o mal como propriedades dos acontecimentos (roubar é mal, amar é bom, etc)»

    Se o bem e o mal estão nos actos e acontecimentos em si, não precisamos de Deus para nada.

    ResponderEliminar
  5. Ludwig,

    "Se o bem e o mal estão nos actos e acontecimentos em si, não precisamos de Deus para nada."

    Se os acontecimentos nos comunicassem seus desígnios por si só, sua afirmação seria verdadeira.

    O que me diz que cobiçar a mulher do próximo é mal? O acto, em si só, é mal mas foi por revelação divina que essa informação chegou à nós (e aí entra a famigerada e malhada fé).

    Olhando pelo acto em si só, talvez eu subjectivamente chegasse à conclusão que não é mal (assim como muitos o fazem).

    Tiago

    ResponderEliminar
  6. Tiago,

    «O que me diz que cobiçar a mulher do próximo é mal? O acto, em si só, é mal mas foi por revelação divina que essa informação chegou à nós (e aí entra a famigerada e malhada fé).»

    A tua teologia é bem confusa. Então o acto é mau em si, objectivamente. Mas nós não podemos ver que é mau. Por isso precisamos de deus para nos dizer que é mau. Mas deus só diz que é mau a quem já acredita que deus disse que é mau.

    Manuel, está a ver o problema de saber onde acaba a fé e começa a doideira? :)

    ResponderEliminar
  7. «O que me diz que cobiçar a mulher do próximo é mal? O acto, em si só, é mal mas foi por revelação divina que essa informação chegou à nós (e aí entra a famigerada e malhada fé)»

    Bom, eu não me sinto particularmente culpado nessas situações :)

    pedro romano

    ResponderEliminar
  8. "Bom, eu não me sinto particularmente culpado nessas situações :)"

    Pudera, também não é você que corre o risco de ser apedrejado ;-)
    Cristy

    ResponderEliminar
  9. Ludwig, Ludwig....

    Às vezes acho que se faz de desentendido - principalmente quando acuado nas suas coclusões enviesadas.

    "[..] Mas deus só diz que é mau a quem já acredita que deus disse que é mau."

    Deus se revelou à todos. Quer fulano acredite em Deus e ciclano não, a revelação divina já foi feita e registrada. Ponto final. O que é mau e o que não é já está comunicado à todos (ou pelo menos todos que se interessarem).

    Sua afirmação soa como total ignorância lógica e teológica (que, diga-se de passagem, não a cometi eu mesmo).

    Gosto da maioria dos seus textos e do seu estilo de escrita. Tenho apenas 3 críticas entretanto:

    1- Faça comparações apenas entre exemplos comparáveis. Constantemente surgem comparativos tendenciosos, enganadores e desnecessários. Isso é enganação.

    2- Cuidado com conclusões enviesadas (como essa da fundamentação da moral na vontade de Deus).

    3- Você realmente aparenta ter estudado muitos assuntos mas erra feio quando o assunto é cristianismo por exemplo. Seus comentários passam tão longe da realidade que me pergunto de onde tiras tanta ficção.

    Ahhh... e ainda não comentou sua conclusão errada sobre a moral fundamentada na vontade de Deus. Limitou-se a inventar teologias malucas na sua cabeça. Aí perde a graça - ou soa como criança mimada :)

    ResponderEliminar
  10. Pedro Romano,

    "Bom, eu não me sinto particularmente culpado nessas situações :)"

    E nem deveria :)

    Sendo um ato errado ou não.

    Tiago Luchini

    ResponderEliminar
  11. Tiago,

    Decida-se. Ou «aí entra a famigerada e malhada fé» ou «Deus se revelou à todos. Quer fulano acredite em Deus e ciclano não, a revelação divina já foi feita e registrada». Os dois é que não faz sentido.

    O Sol revela-se a todos. Acreditem ou não, mesmo que não o vejam pode-se mostrar que existe. Tal como os electrões, que ninguém viu mas que todos sabemos têm que existir, caso contrário tudo o que é eléctrico teria que ser uma enorme coincidência.

    Mas para esse deus (e muitos outros) é preciso fé. Ou não? Se ele se revela, não será preciso fé, mas parece-me que o crente normalmente defende que é.

    Em que é que ficamos?

    ResponderEliminar
  12. "Deus se revelou à todos. Quer fulano acredite em Deus e ciclano não, a revelação divina já foi feita e registrada."

    Eu pecador me confesso de andar bastante distraído, que essa revelação de Deus passou-me completamente ao lado. A única coisa que me demonstra a existência de Deus é falar-se tanto dele (suponho que deveria escrever d'Ele): não há dúvida que existe na cabeça de muita gente. Mas a mim, pessoalmente, nunca se revelou, e houve mesmo uma altura que andei bastante ocupado a procurá-l'O. Posso ter andado distraído ou Ele não se esforçou o suficiente, o que para um Deus a sério nem parece bem: não sou capaz de imaginar um Deus preguiçoso... Mas concordo que tenho ouvido falar muito de Deus. É certo que sempre em enésima mão, o que para efeitos de revelação é um bocado aborrecido, sabendo nós como a informação vai sofrendo distorções à medida que o sinal é reproduzido. Digamos que me sinto com o direito a um marketing mais personalizado. Os tempos mudaram e já enfiei tantos barretes que estou quase como S. Tomé. Mas ainda acredito em algumas coisas e acredito que há pessoas que acreditam que Deus existe. Não porque elas digam que acreditam, mas porque agem como tal: dizem sempre graças a Deus, quando as coisas correm bem, e valha-me Deus, quando as coisas correm mal. E quando passa um miserável por perto dizem: Deus te ajude. Claro que esta intervenção Divina por procuração me comove. Não é isso que está em causa: tenho o azar de gostar de pessoas, mesmo que não sejam filhas de Deus. Mas não gosto de marketing. A sério, odeio marketing. Não gosto de mentiras que as pessoas ingenuamente transmitem como verdades. A maioria por acreditar - a tal fé que, por definição, é acrítica - e outros por que lhes convém.

    ResponderEliminar
  13. Ludwig,

    Parece que voltamos à velha contenda sobre a existência ou não de Deus. Parecemos disco riscado.

    Segundo a teologia cristã, Deus se fez revelado através da sua ação registrada apropriadamente na Bíblia. Aceitar a sua revelação como certa envolve fé. É a primeira coisa que qualquer um semi-interessado em cristianismo aprende.

    Se for seguir o seu mecanismo (i)lógico seria o mesmo do que afirmar que não é possível assumir que Platão tenha existido através do seu trabalho ou olhar para sua produção e dizer: "isso não é revelação nenhuma, para mim Platão não existe."

    Mas essa posição do disco já enjoou de tanto se repetir. Mudemos de assunto.

    ResponderEliminar
  14. Lino,

    "Mas concordo que tenho ouvido falar muito de Deus. É certo que sempre em enésima mão [...]"

    Então vá direto à fonte ;)

    O único que podes te impedir és tu mesmo.

    Tiago

    ResponderEliminar
  15. Lolol, Tiago

    Cê é um cómico!

    ResponderEliminar

Se quiser filtrar algum ou alguns comentadores consulte este post.