quarta-feira, novembro 14, 2007

Detalhes à parte.

A polícia Canadiana vai deixar de investigar casos de violação de copyright para uso pessoal. Segundo o director das investigações relacionadas com direitos de autor, irão focar casos de contrafacção com riscos para o consumidor (medicamentos, aparelhos eléctricos) ou relacionados com o crime organizado. A troca de MP3 não é uma prioridade (1).

Nos Estados Unidos tentam aprovar legislação incumbindo o governo federal de processar a partilha de ficheiros. Passará a ser crime, a investigação e o processo judicial serão pagos pelo contribuinte e os montantes cobrados reverterão para as associações de distribuidores. O Intellectual Property Enforcement Act (2) prevê também a formação de um grupo especial de investigadores em colaboração com o FBI.

Temos discutido aqui o papel do copyright no incentivo à criatividade e a sua importância para os direitos do artista. Alguns comentadores são pessimistas quanto à abolição deste sistema. Eu sou optimista. A julgar pelo resultado deste século de copyright penso que ficamos melhor servidos sem ele.

Desde 1886 que se protege a música, quase nada do humor e nada da ciência. A ciência progrediu imenso. A nossa compreensão do universo é radicalmente diferente da que tínhamos no final do século XIX. O humor também progrediu. Gil Vicente, Bocage, Gilbert e Sullivan tinham a sua piada, mas o humor de há uns séculos parece-nos infantil e superficial. Eu diria que os melhores cómicos de sempre estão vivos agora (excepto o Graham Chapman, que morreu com 48 anos).

A música, em média, regrediu. Hoje chamamos «música erudita» ao que no século XIX se chamava simplesmente música, e até se distingue entre a música comercial e a que tenta ter qualidade. O copyright comprou a distribuição em massa à custa da inovação.

Mas vamos supor que me engano e que sem o copyright regressamos àquele período negro entre as pinturas de Lascaux e o impressionismo em que nada se criou de valor artístico. Vamos supor que ficamos sem os Backstreet Boys e o Toy e temos que gramar compositores como Bach e Mozart. Mesmo este cenário pessimista é irrelevante, porque a decisão fundamental não é acerca da arte.

O que está em jogo aqui é a legislação da nossa vida privada. É se deixamos que partilhem o que gostam ou se sacrificamos os recursos e os direitos que for preciso para que milhões de pessoas tenham tanto medo do castigo que deixem de trocar ficheiros. Até agora tenho tentado explicar a alguns comentadores que o problema de incentivar a criatividade tem outras soluções. Agora pergunto eu como propõem obrigar que se respeite o copyright que defendem.

1- Le Devoir, 8-11-07, Les pirates peuvent dormir tranquilles
2- ZeroPaid, 13-11-07, The 'Pirate Act' Resurfaces, Would Allow Govt to Sue File-Sharers for Damages

19 comentários:

  1. «Até agora tenho tentado explicar a alguns comentadores que o problema de incentivar a criatividade tem outras soluções. Agora pergunto eu como propõem obrigar que se respeite o copyright que defendem.»

    Isso é uma boa pergunta para fazeres aos outros. Eu apenas digo que há males em abolir e em não abolir. Para mim não é fácil dizer qual é o mal pior. O que eu não vejo é nenhuma solução que não traga nenhum problema.


    «Mas vamos supor que me engano e que sem o copyright regressamos àquele período negro entre as pinturas de Lascaux e o impressionismo em que nada se criou de valor artístico.»

    Este argumento já está estafado, mas volto a responder-lhe. Sem copyright não voltavas a "esse período negro", porque antes não era fácil copiar, e essa dificuldade garantia suficiente incentivo à inovação. O macanismo já o expliquei.



    «Desde 1886 que se protege a música, quase nada do humor e nada da ciência. A ciência progrediu imenso. A nossa compreensão do universo é radicalmente diferente da que tínhamos no final do século XIX. O humor também progrediu. Gil Vicente, Bocage, Gilbert e Sullivan tinham a sua piada, mas o humor de há uns séculos parece-nos infantil e superficial. Eu diria que os melhores cómicos de sempre estão vivos agora (excepto o Graham Chapman, que morreu com 48 anos).

    A música, em média, regrediu. Hoje chamamos «música erudita» ao que no século XIX se chamava simplesmente música, e até se distingue entre a música comercial e a que tenta ter qualidade. O copyright comprou a distribuição em massa à custa da inovação.»

    Isto parece um excelente argumento.

    Só tenho uma objecção: a música a que chamas "com pouca qualidade" é uma música que satisfaz muitos consumidores. Custa dizê-lo, mas é bom que se faça música dessa.


    Conclusão: isto tudo é bem menos simples do que queres pintar. Mas tens razão em vários aspectos desta questão, e concordo que isto também é menos simples do que aquilo que as editoras querem pintar.

    Por fim, desejo ardentemente estar engando, e que tu tenhas razão. Seria excelente viver num mundo em que, sem copyrigth, teríamos acesso a uma ainda maior e melhor oferta cultural. Temo que isso seja pensamento propiciattório e não pensamento lúcido, mas quem me dera que isso fosse verdade.
    Estou mesmo convencido que o copyright não vai chegar ao próximo século. Oxalá que tenhas razão e que isso seja um "felizmente". Não estou tão certo disso.

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  2. João,

    «antes não era fácil copiar, e essa dificuldade garantia suficiente incentivo à inovação. O macanismo já o expliquei.»

    Mas não convenceste :)

    Imagina que toda a gente copiava mas compravam exactamente o mesmo número de cópias. Nesse caso penso que concordas que é indiferente copiar. Não afectava o incentivo, que é proporcional não ao número de vezes que não se copia mas ao número de cópias que o público compra.

    Agora considera que nesses tempos vendia-se zero cópias. Todo o dinheiro que o músico ganhava era pelo seu trabalho de compôr ou pelos espetáculos.

    «Só tenho uma objecção: a música a que chamas "com pouca qualidade" é uma música que satisfaz muitos consumidores. Custa dizê-lo, mas é bom que se faça música dessa.»

    É bom que se faça, concordo. E devia fazer-se mais. O problema é que o copyright desincentiva o investimento nestas coisas. Pior ainda, ao fazermos da música e literatura uma actividade comercial perde-se um factor essencial ao progresso: a educação.

    Em Português dá-se coisas com cem anos ou mais. Praticamente não há música no ensino público. A arte contemporânea está fora do que se ensina.

    O resultado é que a arte popular fica encravada num ciclo de modas que não sai do mesmo. 2-3 minutos por música, uma frase repetida várias vezes intercalada pelo coro, e tudo o que sai disso já é «pá carola». Porque a música passou a ser como as bolachas, e já ninguém aprende a aprecia-la.

    Eu admito que desisti. Raramente oiço música e pronto. Uso o leitor de mp3 para ouvir aulas de filosofia e política. Estou a contar que ainda vai demorar a começarem a processar a partilha dessas coisas :)

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  3. A greve dos argumentistas nos EUA, ou a dificuldade da equipa do "Daily Show" tem encontrado ultimamente em manter o nível de qualidade estão ambas relacionadas com o problema dos incentivos que deixam de existir devido à facilidade com que é possível contornar o copyright.

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  4. João,

    «A greve dos argumentistas nos EUA, ou a dificuldade da equipa do "Daily Show" tem encontrado ultimamente em manter o nível de qualidade estão ambas relacionadas com o problema dos incentivos que deixam de existir devido à facilidade com que é possível contornar o copyright.»

    Nope. Tem a ver com os distribuidores quererem vender esses programas na net sem repartir o lucro com os guionistas. É uma disputa sobre direitos de venda e partilha de lucros, e a situação era exactamente a mesma mesmo que ninguém copiasse nada em casa.

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  5. Yps. Tens razão. Estava mal informado.

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  6. Já agora, este também é interessante.

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  7. Ludwig,

    Nas referencias usadas fala-se de conveniencia. Copyright e outras coisas são secundárias.
    A questão é que todos querem MP3, e menores custos de distribuição, e rapidez de acesso a conteudo. Tudo isso é compatível com copyright.
    O que os guionistas estão a querer, e agora já é mais claro, e não graças ao jornalismo gratuito e mal informado do Público on-line, é que quem vende o trabalho deles a troco de publicidade, tem que lhes pagar uma percentagem. Nada mais correcto!
    Isto também é o que defendo em relação à música. Quem ganha dinheiro com a disponibilização de musica alheia tem de pagar, quem a distribui, seja a pagar ou à borla tem de pagar pela música que "vende". Quem disponibiliza musica num P2P, conta obter musica que não tem em troca, portanto isto é uma transacção, e como tal, tem de ser paga. A questão é reduzir esse custo a um minimo viável.
    Na net distribui-se 100 vezes mais, e mais rápido, então, cobre-se 100 vezes menos, e que ao fim de 10 anos caia no dominio público, e pode-se copiar livremente.
    uma banda pequena, que vendesse 1000 albuns a 15 Euros, pode vender 100 mil a 15 centimos, mais custas bancárias, dá os mesmos 15 mil euros, e não tem intermediários. Cobre melhor os custos de gravação, distribui melhor o trabalho, incentiva a criação, e fornece o que o público gosta e quer. A única questão é que o copyright continua a ser necessário para garantir que nenhum oportunista tenta lucrar à custa da distribuição mais barata por não ter os custos de gravação.

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  8. Ludwig,

    De tudo o que foi dito, parece-me que, no sistema capitalista, o que tu propões não é viável.

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  9. Mário e António,

    O que eu proponho é a regulação comercial e a desregulação da cópia para uso pessoal. É o que a polícia no Canadá está a fazer, na prática.

    Isto é abolir o copyright enquanto direito exclusivo sobre a cópia, que é o que os EUA querem proteger legalmente. É este modelo de impedir que as pessoas troquem certos bytes que é inviável.

    E a viabilidade económica da distribuição de música pode ser garantida alterando a forma como a distribuem. Mas sendo sempre a viabilidade económica um resultado de oferecer um produto que o consumidor quer comprar e não simplesmente por proibir coisas ao consumidor.

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  10. Ludwig,

    Algo que te falha no argumento, é que não queres perceber que oferecer uma cópia em troca de outra, é uma relação comercial.
    Uso pessoal, não inclui transmissões de cópias privadas a terceiros. Privado é na tua presença, ou, pela cedencia defenitiva do original sem preservar cópias, senão cais de novo na relação comercial.

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  11. António,

    Mesmo que eu dar-te um livro em troca de um par de chinelos fosse uma transacção comercial em vez de uma troca pessoal e privada, nem sequer é esse o caso. Não há trocas de bens materiais na partilha de ficheiros.

    O que acontece é eu ter um ficheiro aqui que tem os bytes 125, 12, 0, 233, ..., e dizer-te olha, António, o ficheiro que eu tenho aqui tem os bytes 125, 12, 0, 233...

    Proibir isso é imprático e injustificado.

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  12. O dinheiro que eu tenho no banco é só "0s" e "1s", mas esses "0s" e "1s" são consequentes, bem como esses dos MP3's, o que interessa é o que eles "produzem".

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  13. Mário,

    Se tiveres 2985 euros no banco não faz diferença que outros tenham 2985 euros, ou que tenham 2985 palitos, ou que copiem o número 2985 para 2985 pessoas. O que é teu são 2985 euros. O número é de todos.

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  14. Exactamente:

    «[...]O que é teu são 2985 euros[...]»

    da mesmíssima forma que a música é do músico que só a cede a quem concordar
    com o que está estabelecido.

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  15. Mário,

    Se tens 200 euros tens só 200 euros. Não tens tudo o que seja 200 euros. Tens a coisa e não a categoria.

    É por isso errado ver as ideias como propriedade. O «parabéns a você» não é uma coisa, é uma categoria. É a categoria de todas as sequências de sons com aquela melodia. E é absurdo alguém ser dono de uma categoria. Pode ser dono deste par de calças, mas não da categoria «calças».

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  16. Um quadro, é a disposição das cores no espaço: o vermelho aqui, o amarelo acolá, etc... e isso pode ser transmitido de um lado para o outro, mas quando é materializado, caputz!

    O mesmo com o mp3. Andem 0s e 1s, para a esquerda ou para a direita, ou ao molhos, pouco importa. Na altura exacta da materialização, temos a música, e dai não saís, e o que está no meio, para mim, é uma "caixa negra", se forem sinais de fumo que permitem a transmissão de informação, ou se for o rugido de um tambor, vai dar no mesmo.

    E 0s e 1s, não existem; isso é um mecanismo que simplesmente nos facilita a manipulação do "Hardware". O que eu tenho são tensões, electrões aos trambolhões, campos eléctricos, e electromagnéticos, alterações em propriedades ópticas de materiais... Mais nada. Da mesma forma que eu digo que tu és UM e não dois, ou és uma pessoa (insistente é verdade) mas uma pessoa.

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  17. Já agora, o "insistente" é para ser lido com :-))))).

    Esqueci-me de dizer que eu posso ser o dono de 5 carros, mas nunca do n.º 5, pois isso é simplesmente uma impossibilidade.

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