domingo, novembro 04, 2007

Cheque-ensino.

A ideia é boa, em geral. Os impostos já são cobrados em função dos rendimentos por isso pode-se repartir os subsídios equitativamente. Torna o processo mais transparente, e mais eficiente por eliminar metade da burocracia. Mas os mais ricos pagam à parte o ensino privado dos filhos. Passar a subsidiar todos por igual altera a distribuição dos encargos. Para implementar o cheque-ensino sem reduzir a ajuda aos mais pobres é preciso aumentar os impostos dos ricos.

Não encontrei ainda defensores do cheque-ensino que proponham este aumento ou que justifiquem porque se há de reduzir a contribuição dos mais ricos para o ensino dos mais pobres. Mas este nem é o problema mais importante. No Blasfémias, o João Miranda escreveu:

«O cheque ensino é em primeiro lugar uma solução para o ensino público. Serve para levar mecanismos de mercado ao ensino público. Serve para forçar as escolas públicas a funcionar de acordo com as preferências dos clientes em vez de funcionarem de acordo com as preferências dos burocratas e dos professores. Serve para tornar a gestão das escolas públicas mais eficiente.» (1)

E é esse o problema. Imaginem o cheque-saúde. Cada pessoa teria um cheque anual para as suas despesas de saúde, forçando os hospitais a funcionar de acordo com as preferências dos clientes e a tornar a sua gestão mais eficiente. Que grande treta. Os recursos médicos devem ser distribuídos em função das necessidades e não equitativamente. Os mecanismos de mercado seguem as preferências dos clientes mas dão mais peso aos clientes que pagam mais. E a eficiência não é naquilo que queremos.

O mercado favorece os tratamentos mais rentáveis e a gestão do serviço em função do retorno pelo investimento. A menos que o paciente seja rico, ganha-se eficiência deixando morrer quem tem doenças prolongadas e dispendiosas de tratar. O mais «eficiente» são tratamentos curtos a pessoas saudáveis, que têm menos riscos de complicações e de demora na recuperação. O cheque-saúde ia promover a cirurgia plástica eficiente e acabar com a saúde preventiva e os tratamentos das doenças dos pobres.

O cheque-ensino tem os mesmos problemas. Queremos escolas onde são mais necessárias e não onde dão mais lucro. Queremos um sistema de ensino para servir as necessidades dos filhos de forma equitativa. Não para servir as preferências dos pais em função do dinheiro que têm. E a eficiência do ensino está no que ajuda os que mais precisam e não no retorno médio pelo investimento.

É mais rentável educar crianças que têm um ambiente estável em casa, pais que as podem ajudar e que participam na sua educação. Mas quem precisa mais do sistema de ensino são os outros. Aqueles que, pelos mecanismos de mercado, seria ineficiente ensinar.

1- João Miranda, 2-11-07, Cheque ensino e Ensino Público II

48 comentários:

  1. Ganhaste mais uma vez ao total desrespeito pelo direitos não reservados do teu texto, sob a forma de cópia integral no esquerda republicana.

    Está excelente :)

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  2. Isso querias tu, desrespeitar. Mas os direitos que não tenho ninguém mos desrespeita :)

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  3. Concordo parcialmente com isto, mas concordo também que as escolas devem ser estimuladas a atrair e reter alunos e isso só se consegue se tentarem ser melhores que as outras, naturalmente exisitindo a consequência de serem mais procuradas pelos alunos (o que pressupõe a possibilidade de escolha).

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  4. Há muitas coisas que devem mudar na escola pública, creio eu. Uma das mais importantes é tornar menos difícil despedir professores medíocres.
    Mas essas questões têm sempre de ser vistas com o objectivo de fundo de proporcionar educação para todos, e não a de aumentar a "eficiência" no retorno médio do investimento..

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  5. Também há um problema nessa ideia de escolha quando a educação é para as crianças mas dá-se a escolha aos pais. Penso que faz sentido nas universidades, mas não no ensino básico ou secundário.

    Além disso na prática a escolha é uma competição em que os pais com mais dinheiro compram os lugares nas escolas mais procuradas. Votar com a carteira só seria um bom análogo da democracia se as carteiras fossem todas iguais...

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  6. «Também há um problema nessa ideia de escolha quando a educação é para as crianças mas dá-se a escolha aos pais. »

    Isto torna-se mais gritante quando pensamos na força que o movimento criacionista tem em certos grupos...

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  7. "Isto torna-se mais gritante quando pensamos na força que o movimento criacionista tem em certos grupos..."

    não vejo a tua lógica, se uma familia acredita piamente no criacionismo, os filhos vão acreditar no criacionismo quase de certeza, não tem a ver com a instituição. eu por exemplo andei 9 anos numa escola religiosa e não foi por isso que fiquei a acreditar nem mais nem menos no criacionismo.


    no entanto parece-me que o ludwig se esquece de um promenor, são os pais que escolhem a escola dos seus filhos. seja esta publica, seja esta privada. ha maneiras mais directas de fazer essa escolha: optar por uma privada fora da "area" da casa. ou maneiras mais indirectas de se escolher a dita escola: optar por um bairro onde a escola publica tenho condições de acordo com as espectativas dos pais.

    eu acho que as escolas privadas não são necessariamente melhores que as publicas. basta ver que em algumas escolas privadas a diferença entre a media do secundario e a nota do exame nacional é de 5 valores. isto quer dizer que apesar de "darem" optimas notas aos alunos durante o percurso escolar, nao quer dizer que estes estejam tão bem preparados quando comparados a nivel nacional.

    Uma das medidas para "salvar" o ensino publico seria tirar a gestão das escolas aos professores e passa-la para a mão de gestores qualificados. cada macaco no seu galho.

    Luis.

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  8. Ludwig, o cheque ensino pode ser atribuído em função das carências económicas (ou seja, um subsídio progressivo, que aumenta à medida que as dificuldades económicas aumentam).

    O problema é que o actual sistema já é suficientemente ineficaz na ajuda quem tem mais problemas. As piores zonas ficam com os piores professores e com o pior ambiente. A escola pública, tal como a conhecemos, tem essa perversão de ser um entrave ao desenvolvimento intelectual dos pobres com capacidades e de não melhorar a situação dos pobres menos dotados. Safam-se os ricos, que podem mudar de escola porque têm dinheiro.

    O cheque-ensino permitiria introduzir mecanismos de concorrência, criando um estímulo à melhoria das qualidades de cada escola. O dinheiro continuava a ser enviado aos mais carenciados mas podia ser utilizado num mercado em que não houvesse o monopsónio do ensino por parte do Estado.

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  9. Ludwig

    Antes sequer de pensar em cheque-ensino há que pensar no... ensino.

    Uma mentira da educação é a vocação dos professores e o seu talento. De onde eu saí sairam professores que foram para a profissão porque era dinheirinho fácil e função pública. Mas que te podem fazer o choradinho da falta de dignindade do professor e o resto da treta em qualquer dia e a qualquer hora (eu acho que foi uma cadeira que eles fizeram à porta fechada, porque dizem todos o mesmo). Mas não percebem pevide do que estudaram.

    Mesmo quando há um por outro que gosta efectivamente de ensinar, resta saber se o faz bem! Para ensinar bem, há que saber o que se ensina. Ora em inglês há a máxima: "those who can't, teach". Em português da minha altura, "can't" significava "can't" encontrar trabalho na área, embora até soubesse o que fazia, pelo que até estavam bem a ensinar ou "can't" fazer aquilo para que foram treinados, por isso nem deviam estar a ensiná-lo mas ensinavam porque havia necessidade de professores.

    Havia também o "won't", que eram os que achavam (correctamente) que tinham uma vidinha mais folgada no ensino que na sua área de formação. Podiam trabalhar na sua área, mas isso era muito trabalhoso, por isso optavam pelo ensino.

    O "those who can't, teach" contém ainda outra perversão: um professor de Biologia sente-se professor (não Biólogo); um de Química sente-se professor (não Químico); um de Física sente-se um professor (não um físico); um de TIC sente-se professor (não profundo conhecedor das tecnologias de informação e comunicação); e por aí adiante. Ora antigamente aprendia-se uma "arte" com um "mestre" (uma pessoa que conhecia aquela arte): como pode alguém que não se sente parte daquela arte transmitir seja o que for de actual e relevante para um aluno? Sobretudo quando não quer e/ou não lhe é exigido que se actualize por mais que livros mediocres que se adoptam na escola em função da pressão das editoras de manuais escolares?

    Como é que se distinguem estes tipos todos de professores? Não se distinguem! E interessa? Não! O que interessa é que saibam ensinar o que é necessário. E aí bate o ponto que cheque-ensino nenhum vai resolver!

    Voltanto ao mito do professor-mentor, o professor que nos marca para a vida (faço-vos o desafio de enumerarem os professores que tiveram com essas características ao longo da vossa carreira académica), isso só funciona em filmes de Hollywood e na cabecinha de um povo muito agarrado ao valor do individualismo: nós! Como somos paradoxais, também confiamos excessivamente no Estado. E neste caso até devíamos, porque tem que ser o Ministério da Educação (e porque não as Universidades, para quem vai para a Faculdade?) a estabelecer os conteúdos necessários a uma boa formação dos alunos.

    O Ministério da Educação tem falhado em toda a linha nesta incumbência, vítima eduqueses que inventaram agora que os alunos não têm nada que ser chumbados por faltas (ou chumbados de todo!) porque não é pedagógico! E cada vez pede que se aprenda menos.

    Perante isto, que importância tem que se vá para esta ou aquela escola, se o que se pede que o aluno aprenda é tão pouco e tão mau? Já viram o que se ensina em Matemática, Química, Física e Biologia? Estão a par do descalabro que é o Inglês, nós que somos um povo com uma língua tão flexível para a aprendizagem de outros idiomas e legítima vontade de aprender e comunicar com outros? E acha-se mais importante pôr os meninos a aprender Filosofia, Português e as misteriosas TIC até ao 12º. Que alguém que vá para Medicina sem Química ou Física no 12º (e a não saber quase nada de ambas) não parece grave: o mais grave é não saber interpretar até à náusea o Saramago (que não pediu sermões a ninguém, mas agradece o volume de vendas dos livros).

    Perante isto, não me parece grave nem sequer relevante o cheque-ensino. O problema é mesmo que nem assim se compra educação porque não se sabe definir o que esta é em primeiro lugar! Nem ricos nem pobres! Quem devia definir isso não se tem revelado competente para tanto!

    Vamos criar uma geração embrutecida pela falta de conhecimento e também pela falta de estímulos para o adquirir. Isto é grave, mas também fomos nós que deixamos que isto acontecesse. Não olhamos bem para o Secundário porque estávamos ocupados demais com a Faculdade e agora isto afecta-nos os filhos ou sobrinhos. Quando chegar esta geração ao poder, afecta-nos a nós directamente.

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  10. zEm relação à lógica de mercado da educação, expliquem-me o seguinte:

    1. Eu sou uma (má) professore de uma escola que está em último lugar no ranking, longe dos grandes centros e tenho 70 alunos

    2. Dos meus 70 alunos, 50% chegam à conclusão que eu nem a limpar o chão da sala de aula sou competente, por isso querem mudar de escola e pedem o cheque

    3. E vão para onde? Se moram no fim do mundo e a escola mais cotada está ainda a 3/4 da tabela, justifica mesmo a deslocação?

    4. Mesmo que 70% dos alunos (por redução ao absurdo) saiam daquela escola, o estado não me pode despedir, não me pode obrigar a aprender (era só o que faltava: eu sou licenciada! O que é que eu andei a fazer na Faculdade?). O máximo que me podem fazer é colocar-me na Biblioteca (oh, que chatice, é da maneira que aprendo finalmente a fazer Sudoku ou leio o resto da colecção do Asterix!). Nem a varrer o chão me podem pôr porque senão chamo o sindicato e a televisão e vai ser uma chatice! E mesmo que varresse o chão, pagavam-me o mesmo e tinha progressão na carreira... quero lá saber!

    Agora expliquem-me em que é que o cheque-ensino beneficiou seja quem for!

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  11. Pedro Romano:

    a) O estado não tem o monopólio do ensino, e até financia os privados em 40% das suas despesas (acho que não devia!).

    b) Se já existem desigualdades no sistema de ensino actualmente, o cheque educação só as iria agravar.
    A razão é a que o Ludwig explica no texto: se o incentivo das escolas é o lucro, será sempre mais eficiente edcar aquelas que aprendem com mais facilidade (seja porque motivo for), e serão essas que serão mais ajudadas. Mas não são essas as que precisam de mais ajuda.

    c) Aquilo que escrevi em relação ao criacionismo tem razão de ser: se a escolha dos pais fosse completamente livre no que respeita ao que os filhos aprendem (e felizmente não é), os pais que quisessem poderiam pôr os filhos em escolas onde estes aprendiam que o mundo tinha sido criado há 6000 anos, o preservativo nunca protege da sida, e os bebés são trazidos pela cegonha. Ou onde aprendiam que as meninas devem usar burka e aprender a tecer em vez de ler. Enfim, os resultados poderiam ser monstruosos.
    É óbvio que os valores dos pais vão sempre ter muita influência nos seus filhos, mas o estado tem de dar oportunidade a todas as crianças de ter a possibilidade de aprender certas coisas, para que, na medida do possível, não tenham muito menos oportunidades do que as outras.
    Se é verdade que o cheque-ensino não deixaria necessariamente que isto acontecesse - mesmo hoje as escolas privadas não podem passar certos limites - a verdade é que o valor subjacente: o de que os pais devem ser os únicos a decidir qual a educação dos seus filhos, é um valor do qual eu discordo. Eles não são donos das crianças, têm uma palavra muito importante na sua educação, mas não devem ser os únicos responsáveis por esta.

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  12. Luís:

    Leia o comentário que escrevi em relação ao Pedro Romano, em particular o ponto c). Por lapso confundi as vossas participações.

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  13. O problema do criacionismo e afins não é tanto o que ensinam às crianças mas o que não lhes ensinam.

    A qualidade dos professores (e dos alunos, e dos pais dos alunos) é um problema. Mas esse não se resolve com um cheque-ensino.

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  14. O cheque ensino poderia atenuar alguns problemas em termos de desigualdades sociais, embora na essencia tudo se mantivesse na mesma.
    O problema passa pela qualidade dos professores e pelo meios onde estão inseridos.
    Um meio rural não pode ser avalidado com os mesmos parametros do que um ambiente urbano.
    É um grande erro quando se procede desta forma.
    Abraço

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  15. a.j.faria:

    Se substituir a palavra "atenuar" por "acentuar", concordarei com muito daquilo que escreveu.

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  16. Ludwig:
    "Mas os mais ricos pagam à parte o ensino privado dos filhos. Passar a subsidiar todos por igual altera a distribuição dos encargos. Para implementar o cheque-ensino sem reduzir a ajuda aos mais pobres é preciso aumentar os impostos dos ricos."
    A última afimação parece-me um non sequitur.
    Uma vez que todos pagamos impostos em proporção aos nossos rendimentos, não vejo porque o cheque ensino implique o aumento dos impostos para os que mais ganham.
    Trata-se apenas de alocar o financiamento de um modo mais produtivo.
    Os mesmo impostos, em vez de irem parar aos cofres do estado, vão directamente para os alunos cujos pais não podem pagar as propinas, que vão gastá-los na escola da sua preferência.
    Trata-se do mesmo dinheiro que já é cobrado agora, mas retirando o middle man. Um pouco como o que defendes para a indústria discográfica... :o)

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  17. Miguel,

    Neste momento os mais ricos usam menos dinheiro do estado na educação dos seus filhos. Em média, o estado gasta menos por aluno rico que por aluno pobre.

    Se o cheque ensino vai dar o mesmo dinheiro aos ricos que dá aos pobres isto vai mudar. Os ricos passam a receber mais do estado o que é equivalente a baixar o seu contributo.

    E neste caso o estado não é um middle man que compra de um lado, vende do outro e fica com a diferença. O estado deve distribuir os recursos de acordo com as necessidades e não em percentagem igual para cada um. Para que o acesso à educação seja equitativo os recursos gastos por cada aluno não vão ser. Há sítios onde o mesmo nível de educação sai mais caro por aluno.

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  18. Mercados "parciais" é uma coisa abominável.
    A implementação do cheque-escola presume que o mercado estabelece a melhor escolha de escolas por parte dos pais. Mas, o resto?
    A pior escola dá mais trabalho que a melhor. E como é que se resolve isto? Paga-se mais a esses professores? Ou estão a querer que os professores escolham também as melhores escolas? Nesse caso os mais graduados escolhem as melhores escolas? Não me parece... Os professores escolhem as escolas mais proximas de casa, e são avaliados por directores que são amadores e eleitos pelos professores, e como humanos que são, recompensam quem os elege, independentemente da qualidade.

    Nos privados, existe o mito da qualidade de ensino, por via dos melhores professores. É treta. É precisamente ao contrário. As notas são melhores, em alguns colégios, porque os alunos são escolhidos, e vêm de meios socio-económicos melhores. A filtragem é total.
    Na generalidade dos colégios particulares, os professores são pior pagos e com menos regalias que no estado. Quem é que sendo bom no que faz (melhor que os outros) aceita essas condições?

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  19. O paralelo do cheque-ensino com o cheque-saúde faz todo o sentido porque, convenhamos, da mesma forma que há quem não ponha os pés num hospital ou centro de saúde durante anos, também há crianças que não põem os pés numa escola durante anos.
    Ridículo.

    O ideia do cheque-saúde só faz sentido se fôr atribuído para a realização de intervenções médicas que já se determinou terem que ser realizadas. Por exemplo, um doente que tem que ser operado e, em vez de ter que recorrer ao SNS ou pagar a totalidade do custo no privado, o Estado atribui-lhe um cheque no valor do custo dessa operação no SNS, permitindo-lhe escolher onde realizar essa operação.

    "cada pessoa teria um cheque anual para as suas despesas de saúde" só veio a propósito para desvalorizar por comparação algo com que não pode nem deve ser comparado.

    O cheque-ensino terá muitos problemas e levantará muitas dúvidas. Se o Ludwig necessita de inventar uma comparação de treta com o "cheque-saúde" para desvalorizar o cheque-ensino, então talvez seja uma ideia a que vale a pena dar mais atenção.

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  20. Joaquim,

    « da mesma forma que há quem não ponha os pés num hospital ou centro de saúde durante anos, também há crianças que não põem os pés numa escola durante anos.
    Ridículo.»


    Não são as crianças que pagam o sistema de ensino. São os adultos. Desses, alguns estiveram 4 anos na escola, outros nove, outros 12 ou até 23 se contar licenciatura, mestrado e doutoramento (que agora são menos anos). Alguns vão ter crianças no sistema público de ensino durante duas décadas, outros nem vão ter crianças.

    Mas o paralelo importante com a saúde era ligeiramente diferente. Os meus filhos vivem com os pais, ambos com formação superior e possibilidade de os ir buscar à escola a maior parte dos dias às 17:00h, acompanhá-los no estudo, motivá-los e ajudá-los no que for preciso.

    Há crianças que vivem com um parente mais afastado, semi-analfabeto e não têm ninguém que os ajude nem um ambiente em casa que seja propício à aprendizagem.

    Acha que os recursos do estado devem ser distribuidos igualmente nestes casos? Ou, como na saude, deve ir mais para quem mais precisa?

    Talvez seja por discordarmos neste ponto que acha a minha analogia uma treta.

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  21. Ludwig:
    Acha que os recursos do estado devem ser distribuidos igualmente nestes casos? Ou, como na saude, deve ir mais para quem mais precisa?
    Acha que as taxas moderadoras, impressos, portagens, IA, selo do carro, IVA, custo dos medicamentos, multas, transportes públicos, ..., devem também ser diferentes consoante a capacidade financeira de cada um?
    Já não chega os impostos e os apoios sociais serem diferenciados consoante o rendimento?

    Se o Estado gasta X por um filho meu que anda numa escola pública, exactamente o mesmo que gasta pelo filho do meu vizinho, por que razão me dará mais ou menos dinheiro do que ao meu vizinho se ambos tomarmos a decisão e os colocarmos numa escola privada?

    O cheque-ensino não é um subsídio. É passar para a família a decisão da escola onde colocar o filho de forma a que o resultado seja de soma nula para o Estado.

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  22. Joaquim:

    «Já não chega os impostos e os apoios sociais serem diferenciados consoante o rendimento?»

    Democraticamente optou-se por um determinado nível de progressividade nas contribuições.
    Aceito que o considere excessivo, mas uma diminuição deste nível actualmente iria contra a vontade do eleitorado.
    E a proposta do cheque-ensino, entre outras coisas más, iria diminuir este nível de progressividade. Entendo que não considere que isso seria errado, mas espero que entenda que muitos não partilham dos seus valores e considerem que isso seria indesejável.

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  23. João,

    A progressividade dos impostos como forma justa de tributação é um dos erros que os leigos assumem como verdade, sem olharem para a distorção que isso acarreta na realidade.
    A progressividade tem destas falácias como seja, numa familia de rendimentos dispares, motiva o elemento de menores rendimentos a abandonar o mercado de trabalho, pois o seu rendimento é mais tributado que o dos trabalhadores do mesmo nivel salarial, e os crescimentos do imposto levam a um crescimento marginal do rendimento muito baixo.
    Se alguém fizer horas extraordinárias, pode só receber 50% do que gerou, enquanto o mesmo trabalho feito por outra pessoa, geraria cerca de 80% de rendimento.
    E dado que o nível máximo de imposto é fixo, esse sistema também gera problemas, pois se apenas 2% da população ganharem acima do limiar minimo de imposto, os outros 98% não pagam nada, e 50% (limite máximo de imposto por exemplo) de 2% é 1%. Neste caso apenas 21% dos rendimentos é gerado em impostos (incluindo 20% de IVA), mas, se cobrarmos equitativamente 3% de imposto, entra mais dinheiro e de forma mais justa, e os 2% de "ricos" gastarão mais 47% do seu ordenado, que gerarão mais IVA, e se baixarmos a taxa do IVA em 2%, obtem-se o mesmo rendimento, com o que na realidade são 1% "incomodo" para a população. As horas extraordinárias serão justamente pagas, o que permite ganhos de eficiência em muitos serviços.
    E tudo isto é benéfico para a economia.

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  24. «A progressividade tem destas falácias como seja, numa familia de rendimentos dispares, motiva o elemento de menores rendimentos a abandonar o mercado de trabalho, pois o seu rendimento é mais tributado que o dos trabalhadores do mesmo nivel salarial, e os crescimentos do imposto levam a um crescimento marginal do rendimento muito baixo.»

    Isso é um péssimo argumento contra a progressividade, mas um bom argumento para que os rendimentos do casal sejam tributados em separado.



    «E dado que o nível máximo de imposto é fixo, esse sistema também gera problemas, pois se apenas 2% da população ganharem acima do limiar minimo de imposto, os outros 98% não pagam nada, e 50% (limite máximo de imposto por exemplo) de 2% é 1%. Neste caso apenas 21% dos rendimentos é gerado em impostos (incluindo 20% de IVA), mas, se cobrarmos equitativamente 3% de imposto, entra mais dinheiro e de forma mais justa, e os 2% de "ricos" gastarão mais 47% do seu ordenado, que gerarão mais IVA, e se baixarmos a taxa do IVA em 2%, obtem-se o mesmo rendimento, com o que na realidade são 1% "incomodo" para a população. As horas extraordinárias serão justamente pagas, o que permite ganhos de eficiência em muitos serviços.»

    Em casos extremos alguns defeitos de um deterinado sistema podem ser insustentáveis de tanta ineficiência que causam.
    Mas o nível de progressividade que existe não foi adaptado a essa realidade extrema (caso em que seria indesejável) mas sim à realidade que vivemos.
    A ineficiência causada pelo problema que referes numa situação não extrema é muito reduzida face às vantagens da progressividade.

    Ou pelo menos foi assim que os releitores foram considerando, e eu tendo a partilhar as suas considerações, pois de acordo com os meus valores o sistema de progressividade que existe é adequado à sociedade que me rodeia.

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  25. Correcções:

    deterinado = determinado
    releitores = eleitores

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  26. João Vasco:
    Democraticamente optou-se por um determinado nível de progressividade nas contribuições.
    Aceito que o considere excessivo, mas uma diminuição deste nível actualmente iria contra a vontade do eleitorado.

    Ainda bem que temos o João Vasco para nos informar destas coisas. Eu, por exemplo, não sabia que era essa a vontade do eleitorado.
    E obteve essa informação através de uma sondagem (em que não fui consultado), de um referendo (a que não fui chamado), como conclusão por nenhum partido que defenda taxa única para o IRS ter alguma vez formado Governo (algum partido apresentou essa proposta?) ou simplesmente decidiu que era assim?

    E a proposta do cheque-ensino, entre outras coisas más, iria diminuir este nível de progressividade.
    Só se partir do princípio de que os com mais posses iriam sempre mandar os seus filhos para colégios particulares e os com menos posses nunca o fariam. Mas as contas devem ser feitas partindo da mesma base: sem o cheque-ensino, ou ambos manteriam os seus filhos no ensino público ou ambos os mandariam para colégios particulares.
    Quanto mais não seja porque não é possível definir a partir de que nível de rendimentos as famílias passariam a mandar os filhos para colégios particulares e nem todas as famílias com o mesmo nível de rendimentos tomaria a mesma decisão.

    Assim, para não onerar ainda mais os que já pagam mais impostos, os com mais rendimentos deviam era receber mais dinheiro (não estou a dizer que defendo essa solução).
    Concretizando melhor, como as famílias com mais rendimentos já contribuem com mais dinheiro para o ensino público do que as com menos rendimentos, as que decidissem mandar os filhos para colégios particulares deveriam receber dinheiro em proporção do que contribuiram para o erário público.

    Ao receberem todas as famílias o mesmo valor médio (o que eu defendo), o critério faz sentido: quem quiser retirar os seus filhos do ensino público recebe o que o Estado gastaria com eles se eles lá continuassem.

    As famílias com maiores rendimentos (que já contribuem com mais dinheiro para o ensino público) receberem menos dinheiro do que as outras por retirarem de lá os seus filhos seria mais um imposto a somar aos outros.

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  27. Para ajudar a perceber, um exemplo relativamente simples:
    duas famílias com rendimentos e taxas de IRS diferentes e um filho cada uma.

    Família A:
    Rendimento: 5.000
    Taxa de IRS: 20%
    IRS pago: 1.000

    Família B:
    Rendimento: 2.000
    Taxa de IRS: 10%
    IRS pago: 200

    Total de IRS: 1.200
    % para educação: 2%
    Valor para educação: 24
    Gasto do Estado com a educação de cada criança: 12

    Contribuição da família A para a educação: 24*(1.000/1.200) = 20
    Contribuição da família B para a educação: 24*(200/1.200) = 4

    Se ambas as famílias decidirem retirar os filhos do ensino público e o Estado der 12 euros a cada uma (o equivalente ao IRS que já não teria que cobrar), mesmo assim a família A receberia menos dinheiro do que tinha pago de IRS para a educação (o que equivale a um aumento da taxa de IRS) e a família B receberia mais (o que equivale a uma diminuição da taxa de IRS).
    Se a família A receber ainda menos dinheiro, o aumento de IRS para ela será ainda maior e a diminuição do IRS para a família B idem.

    Isto não tem a ver com achar certo ou errado atenuar a progressividade. É apenas a demonstração de que o que defende aumenta ainda mais essa progressividade.

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  28. Correcção ao comentário anterior:
    a taxa de IRS baixaria para ambas as famílias mas baixaria muito mais para a família com menos rendimentos, aumentando a disparidade (a taxa de IRS para a família A passará a ser superior ao dobro da taxa para a família B).

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  29. «Ainda bem que temos o João Vasco para nos informar destas coisas. Eu, por exemplo, não sabia que era essa a vontade do eleitorado.
    E obteve essa informação através de uma sondagem (em que não fui consultado), de um referendo (a que não fui chamado), como conclusão por nenhum partido que defenda taxa única para o IRS ter alguma vez formado Governo (algum partido apresentou essa proposta?) ou simplesmente decidiu que era assim?»

    Há uma coisa, nas democracias, chamada eleições legislativas. Nestas existem uma série partidos que concorrem para a assembleia da república, geralmente apresentando um programa de governo, pois caso consigam conquistar a maioria da assembleia, o presidente geralmente convida o partido em questão a formar governo.

    Os programas de governo diferem de partido para partido, mas em geral correspondem a uma compatibilização entre aquilo que será possível realizar (mais nos partidos com maiores hipóteses de ganhar as eleições) com os anseios do eleitorado. Claro que poderão existir outros factores ao barulho (interesses inconfessáveis, por exemplo), mas a verdade é que os partidos têm incentivos fortes para tentar pôr em prática o que o elitorado deseja: ganhar eleições.

    E a verdade é que ao longos dos últimos 30 anos e picos, o eleitorado foi conduzindo os sucessivos governos ao nível actual de progressividade fiscal.

    Isto não é propriamente uma questão de pormenor em que o eleitorado mal sabia o que estava em jogo. Não! Os partidos poderiam ter proposto níveis de progressividade diferentes, mas precisamente por saberem que tal não seria popular, foram dando ao eleitorado as escolhas que foram. E este foi sempre confirmando a sua vontade de manter um nível de progressividade elevado.


    Quanto aos exemplos que me dá, tenho a dizer que realmente tende a ser quem pode pagar mais que opta pelo privado. Se não fosse realmente muito mais provável esta situação na realidade do país, o seu argumento faria muito sentido. Mas quanto a isso digo-lhe o mesmo que disse ao António:

    «Em casos extremos alguns defeitos de um determinado sistema podem ser insustentáveis de tanta ineficiência que causam.
    Mas o nível de progressividade que existe não foi adaptado a essa realidade extrema (caso em que seria indesejável) mas sim à realidade que vivemos.
    A ineficiência causada pelo problema que referes numa situação não extrema é muito reduzida face às vantagens da progressividade.

    Ou pelo menos foi assim que os eleitores foram considerando, e eu tendo a partilhar as suas considerações, pois de acordo com os meus valores o sistema de progressividade que existe é adequado à sociedade que me rodeia.»

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  30. João Vasco,

    A questão da progressividade é treta, pois tende a igualizar os proveitos de rendimentos diferentes.

    Nem é justo que quem ganhe mais dinheiro por produzir mais esforço (horas extraordinárias) ganhe menos pelo esforço acrescido.
    O sistema mais justo e motivador para qualquer trabalhador é o proporcional. Porque todos contribuem de igual forma, e com o mesmo esforço para o bem colectivo.
    Se se opta por discriminar positivamente na colecta e depois nos benificios, acaba por no limite levar a que ganhar mais seja pior, mas, sem ser no limite, ganha-se zero.
    Se eu ganho 2x e alguem ganha x, se esse 2x implicar 22.5% de IRS e o x apenas 7,5%, a realidade é que em termos de rendimento a diferença é de 67% e não de 100%, mas, a descriminação leva em conta o rendimento base, pelo que presume uma diferença real de 100%.
    Assim ofereçe "descontos" de 50% em todos os gastos. o 2x paga 15% pelo ensino dos filhos o x paga 15%, de abono um recebe 3% o outro recebe 6%, vão ao médico, o x paga 1% ou 2x paga 1%, e por aí fora... Quando se vai vêr a realidade, o 2x tem um esforço de 19% para pagar estas 2 coisas básicas, o x tem 11%. Esta proporção tende a manter-se fixa para todo o espectro de serviços usados. Estamos na realidade a gerar um desequilibrio de cerca de 5% em benificio do "pobrezinho" do x, que por receber menos 67% efectivos, recebe 72% de benificios a mais.
    Retirando o abono da equação, o benificio passa a ser de 17% e não 72%. E volta à proporcionalidade, apenas com a agravante de esses 17% e os 72 do primeiro caso, serem na realidade o menos que o 2x usufrui dos mesmos bens em relação ao seu ordenado. Só pela descriminação positiva na colecta.

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  31. O ponto principal que defendo é que se a colecta é proporcional, ou progressiva, tudo o resto tem de ser igual para ambos. A saude tem de custar o mesmo para ambos em termos nominais, bem como o ensino, e os apoios.
    Descriminar no receber e no pagar leva a que o maravilhose estado que temos, seja tão progressivo na colecta que se torna vantajoso fugir à mesma. É só aqui que o argumento da vontade eleitoral falha. Se é assim tão desejado pelo eleitorado, porque é que na practica, o eleitorado, depois foge disso?

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  32. «Nem é justo que quem ganhe mais dinheiro por produzir mais esforço (horas extraordinárias) ganhe menos pelo esforço acrescido.»

    Para ti não é. Mas eu considero que é.

    Porque é mais importante garantir que todos tenham possibilidade de ganhar um mínimo.

    Procederes dessa forma pode incentivar menos o trabalho, mas incentiva mais a equidade. E está certo que, até certo ponto, se possa sacrificar uma coisa por outra.


    «O sistema mais justo e motivador para qualquer trabalhador é o proporcional. Porque todos contribuem de igual forma, e com o mesmo esforço para o bem colectivo.»
    Isso está longe de ser verdade.


    «Se se opta por discriminar positivamente na colecta e depois nos benificios, acaba por no limite levar a que ganhar mais seja pior, mas, sem ser no limite, ganha-se zero.»

    Não. A progressividade pode ficar mais acentuada, mas podes sempre garantir que por muito que os ganhos tendam para zero, nunca lá chegam. Olha o caso da função logaritmo. A função log(x) e log(2x) são diferentes, uma corresponderia a uma progressividade maior que a outra, mas ainda assim qualquer delas nunca deixa de ser crescente. Passares de um caso para outro nunca põe isso em causa.

    E tanto é assim na prática, que todos querem ganhar o máximo possível.
    Além disso, uma vantagem de tornar gratuita a saúde e o ensino face a uma maior progressividade directamente nos impostos - entre muitas outras - é que por muito que as pessoas fujam aos impostos, tendem sempre a pagar mais IVA, e ao menos com esses serviços gratuitos esses também acabam por redistribuir a riqueza.

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  33. João Vasco,

    Eu pessoalmente preferia só impostos indirectos, muito mais elevados em algumas coisas, mas, a ter de haver directos, que ao menos sejam proporcionais, ou, de progressão menos acentuada.
    No meu caso, se fizer e receber horas extraordinárias, recebo menos de 50% do extra que ganharia.
    Vale mais trabalhar ou descansar neste patamar? Como não vale o esforço... A opção é descansar. Se mantivesse a proporção, receberia cerca de 71%... Não sendo esse o caso, descanso. :-)

    A questão da proporcionalidade é fundamental para economias nos limites baixos do desenvolvimento. Eu ganho menos que um caixa de supermercado nos estados unidos, e no entanto ganho mais de 3 vezes o salário de um em portugal. Nestas condições, sendo a realidade global igual para todos, se eu pagar o mesmo de imposto, pois tudo me chega ao mesmo preço que a um americano, como é que eles pagam menos do que eu? E como é que um Finlandês paga mais do que eu pelo mesmo salário? Mas, uns patamares acima (mais 400 euros) o Tuga já paga mais que o Finlandês e muito mais que o Americano. A eficiencia do estado não muda com o nivel salarial individual, por isso alguém é mau governante nesta história tripartida, e não me parece que seja o Finlandês. Já do Americano até pode ser pior que o tuga, que isso até dou de barato. :-)

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  34. «Vale mais trabalhar ou descansar neste patamar? Como não vale o esforço... A opção é descansar. »

    Não é necessariamente mau que um sistema esteja concebido para que hajam situações em que o descanso é incentivado.
    Claro que esse sistema provavelmente vai promover uma prosperidade menor do que aquilo que poderia promover, mas não é só a prosperidade que importa.


    «A questão da proporcionalidade é fundamental para economias nos limites baixos do desenvolvimento. Eu ganho menos que um caixa de supermercado nos estados unidos, e no entanto ganho mais de 3 vezes o salário de um em portugal.»

    Isso vai depender dos estados e de muitos outros factores.
    Num estado conservador do Bible Belt em que as mulheres não trabalham, haverá menos mão de obra disponível, e os salários serão mais caros (mesmo sendo estados que produzem muito menos riqueza que outros estados como a Califórnia e Nova Yorke). Por outro lado a prosperidade de um país depende de imensos factores e da conjugação entre eles. No Texas e na Noruega existe imenos petroleo, por exemplo. A razão pela qual nuns países se ganha mais que noutros depende de muito mais do que a política fiscal. A prová-lo está a suécia, um país imensamente próspero, que é dos países do mundo em que o estado tem mais peso na economia. Estas coisas são sempre complicadas.

    « por isso alguém é mau governante nesta história tripartida»
    Maus governantes há em todo o lado, mas uns piores que outros. MAs asumindo que os políticos filandeses fazem um melhor trabalho que os portugueses, isso pode querer dizer muitas coisas: que são menos corruptos, que as suas soluções são mais imaginativas, que têm acesso melhores consultoras, que são mais trabalhadores, ou nenhuma dessas. Nada diz que devemos copiar a sua política fiscal (e é mesmo menos progressiva que a nossa?).

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  35. João Vasco,

    Os valores que disponho são obtidos directamente de um trabalhador local. No meu anterior emprego (numa multinacional) tinhamos colegas em todo o lado. Sobre as questões que levaram a escolher um determinado país em vez de outro para deslocalizar os serviços, tive oportunidade de falar com alguns colegas de outros paises sobre isto, e descobrem-se muitas coisas peculiares sobre a realidade, em comparação com o que nos contam os nossos governantes.

    Hove alguém que falou de professores 50 horas nas escolas, houve quem falasse de ganharem todos muito mais que os portugueses, etc. E a realidade não era bem essa.
    50 horas só se trabalhar em 2 empregos. :-)
    Os tecnicos ganham mais que os managers em muitos casos. Cá é sempre o manager que ganha mais. A carga fiscal deles é maior ao nível do que eu ganhava, mas, mais estável que a nossa, e é diferente nas retenções pois cá temos um mecanismo diferente para a segurança social, e era um bocado confuso porque usamos termos diferentes, mas, no fundo eu pagava ao todo quase 35% de retenções e quem ganhava o mesmo que eu pegava mais uns pós. Mas, com um pouco mais de rendimento a situação invertia-se.
    Depois as contas complicavam-se por causa dos nossos 14 salários e os apenas 12 do colega com quem trocava informação.
    Havia ainda outra dificuldade. Nós recebemos muito dinheiro de volta do IRS por conta de deduções que eles não permitem, e há outras dificuldades em apurar o valor real, mas, em termos de retenções na fonte era este o cenário.

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  36. João Vasco:
    Os partidos poderiam ter proposto níveis de progressividade diferentes, mas precisamente por saberem que tal não seria popular, foram dando ao eleitorado as escolhas que foram.
    Então os partidos sabem o que será ou não popular e só propõem isso. Interessante.

    Já agora, se o PS decidir não fazer o referendo ao Tratado Reformador da UE por ter medo do resultado (a exacta razão porque não foi feito um referendo à extinta Constituição Europeia), podemos concluir que os eleitores são a favor do Tratado? Tenha dó.

    E este foi sempre confirmando a sua vontade de manter um nível de progressividade elevado.
    Confirmou sempre a sua vontade de manter essa progressividade ao não fazer uma escolha que nunca lhe foi possível fazer. Peço desculpa mas tenho mesmo que LOL

    Não é necessariamente mau que um sistema esteja concebido para que hajam situações em que o descanso é incentivado.
    O descanso é mais do que incentivado, é imposto através das Leis laborais:
    - é ilegal fazer mais do que x horas de trabalho por dia;
    - é ilegal fazer mais do que y horas de trabalho por semana;
    - após ter feito horas extraordinárias, é obrigatória a folga;
    - os trabalhadores a contrato têem obrigatoriamente que gozar as férias, só podendo trocar por dinheiro uma parte delas;
    - ...

    E a progressividade fiscal tem pouco a ver com o quanto se trabalha. Tem a ver com o que se ganha com o que se trabalha.
    Ao taxar muito mais os rendimentos mais elevados, não se desincentiva apenas trabalhar mais. Desincentiva-se o esforço para produzir mais e melhor e incentiva-se a fraude fiscal.

    Claro que esse sistema provavelmente vai promover uma prosperidade menor do que aquilo que poderia promover, mas não é só a prosperidade que importa.
    Pois não. Mas não é precisamente o combate à baixa produtividade uma das maiores guerras em Portugal, baixa produtividade essa que é um dos maiores obstáculos à prosperidade?

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  37. Joaquim Amado Lopes:

    1- Nem tudo o que os governos fazem é vontade do eleitorado. Mas as linhas gerais de política emergem fundamentalmente desta vontade. Se o eleitorado quisesse um nível de redistruibuição muito menor, certamente já algum partido com vontade de chegar ao poder o teria proposto.

    2- O Joaquim Amado pode votar em partidos que proponham diminuir essa progressividade, mesmo que muito pequeninos. Mas nenhum partido tenta ganhar votos propondo isso, porque sabe que ninguém lhos dá, porque diminuir a progressividade é uma ideia impopular.

    3- Além de um "mínimo" de descanso ser imposto, mais do que ese é incentivado através da progressividade dos impostos. Eu não acho mal nem uma coisa nem outra, mas estava a falar da segunda.

    4- Portugal é um país rico e desenvolvido. As pessoas esquecem-se desta realidade, muitas vezes.
    É óbvio que os Portugueses gostariam de aumentar a produtividade, e consequentemente a prosperidade, mas não é claro que o queiram fazer a todo o custo. Podem não querer sacrificar a coesão social, podem não estar dispostas a agravar a miséria ou aumentar a criminalidade, etc... Por essas razões e por outras, na generalidade não querem diminuir a progressividade mesmo que isso possa custar alguma prosperidade adicional (que poderia facilmente conviver com miséria e criminalidade acrescidas).


    António:
    Há muita coisa que eu acho disparatada no nosso sistema fiscal. Mas o nível de progressividade em geral não é uma delas.

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  38. João Vasco:
    Nem tudo o que os governos fazem é vontade do eleitorado. Mas as linhas gerais de política emergem fundamentalmente desta vontade. Se o eleitorado quisesse um nível de redistruibuição muito menor, certamente já algum partido com vontade de chegar ao poder o teria proposto.
    O eleitorado quer muitas coisas diferentes e o que é popular junto de uns é impopular junto de outros. É por isso que há muitos partidos e fazem propostas diferentes uns dos outros.

    Porque ainda nenhum partido (dos grandes, pelo menos) propôs ainda a redução da progressividade fiscal, isso não significa que nenhuma parte do eleitorado apreciasse essa proposta. Isto mesmo que o partido que a venha a propôr receba muitos poucos votos, já que nenhuma proposta isolada é determinante para o sentido de voto de cada um, antes se vota no pacote completo.

    Por exemplo, nenhum partido propôs a reinstauração da prisão perpétua. E, apesar de eu concordar com essa proposta, não votaria nem deixaria de votar em nenhum partido só por causa disso. E não é preciso falar com muita gente para se verificar que a ideia nem seria muito impopular.

    Além de um "mínimo" de descanso ser imposto, mais do que esse é incentivado através da progressividade dos impostos. Eu não acho mal nem uma coisa nem outra, mas estava a falar da segunda.
    Só que, como lhe expliquei, a progressividade fiscal não viza incentivar nem incentiva o descanso porque os impostos não taxam o trabalho mas sim o rendimento.

    É óbvio que os Portugueses gostariam de aumentar a produtividade, e consequentemente a prosperidade, mas não é claro que o queiram fazer a todo o custo. Podem não querer sacrificar a coesão social, podem não estar dispostas a agravar a miséria ou aumentar a criminalidade, etc... Por essas razões e por outras, na generalidade não querem diminuir a progressividade mesmo que isso possa custar alguma prosperidade adicional (que poderia facilmente conviver com miséria e criminalidade acrescidas).
    Se há alguma coisa que não faz bem nenhum à coesão social é a fraude fiscal. E a progressividade fiscal contribui em grande parte para a fraude fiscal.
    E é precisamente com prosperidade que se combate a miséria e a criminalidade. Com prosperidade, há mais para distribuir por todos os que necessitam de mais apoio. Se essa distribuição fôr adequada (p.e. não se pagarem milhões em reformas de políticos que continuam no activo e/ou ganham milhões em tachos no privado que lhes foram dados pelos favores que fizeram quando exerceram cargos públicos), a coesão social fica muito mais beneficiada do que com taxar exageradamente os que mais produzem.

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  39. Joaquim Amado Lopes:

    1- Repetindo-me: «Nem tudo o que os governos fazem é vontade do eleitorado. Mas as linhas gerais de política emergem fundamentalmente desta vontade.»
    A prisão perpétua não é algo que defina uma linha geral de política com a importância do nível de progressividade. De qualquer forma, creio que se fosse muito mais popular, haveria uma muito maior discussão a esse respeito, e provavelmente veríamos outros partidos a apresentarem essa proposta, e ela seria provavelmente bem mais debatida, e talvez um dia passasse à prática...

    2- Quem disse que a progressividade fiscal desincentivava o trabalho foi o António, com o exemplo das horas extraordinárias. Eu concordei com o exemplo, mas acrescentei que isso não é necessariamente mau. Continuo com a mesma opinião.

    3- A fraude fiscal é má, mas basta existirem importos para que ela exista, e temos mesmo de viver com ela.
    Uma maior progressividade não levará a uma maior fraude que uma menor progressividade, mas mesmo que isso assim fosse, basta que o efeito em questão não seja tão significativo como os ganhos envolvidos para que valha a pena manter a progressividade existente.
    E convém deixar claro um ponto: o primeiro responsável pela fraude fiscal é o indivíduo que a comete.

    E se sacrificarmos a redistribuição para ter uma maior prosperidade, vamos agravar a miséria e a criminalidade. Por alguma razão existem 10 vezes mais homicídios per capita nos EUA que na UE. Por alguma razão os EUA são mais ricos, mais existe lá mais miséria que na UE.
    São escolhas diferentes que eleitorados diferentes fizeram, entre outros factores.

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  40. João Vasco,

    O problema da progressividade é que deve ser feita com ganhos marginais baixos (do imposto), de modo a que não surjam perversões.
    Os nossos escalões saltam de tal forma que quem ganhe 1950 euros mês e faça 7 horas extraordinárias, desses 77 Euros só vê 34. Sem mudanças de escalão eram 54, se fizesse 6 horas, levava 46 euros. Por isso a horas extraordinárias não compensam, porque ou são muito poucas e não produzem nada, ou são demasiadas e desincentivam quem as podia fazer.

    A progressividade tributa mais tanto quem recebe mais pelo mesmo trabalho, como quem se esfola a trabalhar por necessidade.
    Alguém que receba 2000 Euros por 8 horas dia de trabalho paga o mesmo que alguém, que tenha trabalhado 10 horas dia para conseguir o mesmo, e isso é injusto, pois a pessoa que trabalha 10 horas já está a sacrificar mais 25% do seu tempo livre para gerar rendimento, e acaba sacrificada a dobrar. A progressividade a aplicar-se devia ser ao salário/hora por uma questão de justiça, mas, nesse caso iamos passar a ter declarações falsas de tempos de trabalho para fugir ao imposto. E voltamos à proporcionalidade como solução. :-)

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  41. António:

    «Os nossos escalões saltam de tal forma»
    Bom, uma coisa é argumentar contra a progressividade. Outra diferente é argumentar contra a forma como essa progressividade está implementada. Estar implementada por casal é algo que creio ser errado. Estar implementada por escalões também.
    Devia existir uma fórmula simples que desse quais os impostos em função dos rendimentos, sem qualquer recurso a escalões. Mas os legisladores têm fobia a fórmulas matemáticas, e isso parece-me ridículo.


    «Alguém que receba 2000 Euros por 8 horas dia de trabalho paga o mesmo que alguém, que tenha trabalhado 10 horas dia para conseguir o mesmo, e isso é injusto, pois a pessoa que trabalha 10 horas já está a sacrificar mais 25% do seu tempo livre para gerar rendimento, e acaba sacrificada a dobrar.»
    A mim parece-me justo. Se ganha X, paga Y. Quer tenha de trabalhar 8h para ganhar X-Y, quer tenha de trabalhar 10 horas para esse resultado.
    Não vejo aí nenhuma injustiça.

    Mas noto que aquilo que estás a defender é o OPOSTO daquilo que o Joaquim Amado Lopes alegou. Parece-me que nenhum dos vocês tem razão.

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  42. João,

    Eu defendo a proporcionalidade ou até a progressão negativa. Neste caso basta introduzir uma componente fixa, e uma proporcional, que o resultado é sempre uma progressão negativa, com diferenciais constantes:
    Imposto = Fixo + %salário

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  43. Se o fixo fosse negativo, aí sim terias uma proporcionalidade interessante, já defendida pelo Friedman, e bastante razoável.

    Na verdade, se considerares os serviços que o estado presta (educação, saúde, etc...) poderias ter impostos planos e progressividade dessa forma. Mas nós quisemos ir ainda amis à frente e ter essa percentagem também progressiva, aumentando assim a progressividade.
    E a mim não me parece mal.

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  44. João Vasco:
    Insiste em que se pode determinar qual é a vontade do eleitorado não pelas escolhas que este faz mas sim pelas escolhas que lhe são ou não postas.
    Pensei que o óbvio não devia ter que ser demonstrado mas, mesmo depois de eu o ter feito, continua a insistir em o contrariar. Moving on.

    Quem disse que a progressividade fiscal desincentivava o trabalho foi o António, com o exemplo das horas extraordinárias. Eu concordei com o exemplo, mas acrescentei que isso não é necessariamente mau. Continuo com a mesma opinião.
    Estão ambos errados. Moving on.

    Uma maior progressividade não levará a uma maior fraude que uma menor progressividade, mas mesmo que isso assim fosse, basta que o efeito em questão não seja tão significativo como os ganhos envolvidos para que valha a pena manter a progressividade existente.
    Concordemos em que discordamos. Moving on.

    E se sacrificarmos a redistribuição para ter uma maior prosperidade, vamos agravar a miséria e a criminalidade. Por alguma razão existem 10 vezes mais homicídios per capita nos EUA que na UE. Por alguma razão os EUA são mais ricos, mais existe lá mais miséria que na UE.
    1. Relacionar o número de homicídios com a redistribuição para sustentar a progressividade fiscal demonstra uma confrangedora superficialidade na análise. A violência nos EUA deriva de muitos factores e as leis fiscais são certamente o menor deles.

    2. Fazia-lhe bem estudar os factores que permitem à UE ter mais dinheiro disponível do que os EUA para distribuir em apoios sociais.

    3. A UE tem-se aproximado dos EUA cada vez mais rapidamente na redução da segurança no emprego e dos apoios sociais.

    4. Nos Estados Unidos, os impostos sobre o rendimento são progressivos.

    São escolhas diferentes que eleitorados diferentes fizeram, entre outros factores.
    Pode falar de escolhas diferentes dos eleitorados depois de eles terem realmente escolhido, não pela sua interpretação muito sui generis do significado de não terem podido escolher.

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  45. Joaquim Amado:

    A democracia significa etimologicamente "poder pelo povo", e corresponde a um sistema em que as linhas gerais da política emergem da vontade do eleitorado. Não fui eu que inventei isto.



    Quanto aos EUA, eu não estava a falar em progressividade fiscal, mas sim em sacrificar prosperidade em nome da equidade ou vice versa, para mostrar que mais prosperidade PODE significar mais miséria e criminalidade (o que foi contestado pelo Joaquim), quando esta ocorre à custa de menor equidade.

    A comparação entre os EUA e a UE é um exemplo eloquoente da minha alegação, e o Joaquim Amado Lopes não o refutou.

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  46. João Vasco:
    A democracia significa etimologicamente "poder pelo povo", e corresponde a um sistema em que as linhas gerais da política emergem da vontade do eleitorado. Não fui eu que inventei isto.
    Apenas inventou que as escolhas que não são colocadas ao eleitorado equivalem a decisões do eleitorado.

    Quanto aos EUA, eu não estava a falar em progressividade fiscal, mas sim em sacrificar prosperidade em nome da equidade ou vice versa, para mostrar que mais prosperidade PODE significar mais miséria e criminalidade (o que foi contestado pelo Joaquim), quando esta ocorre à custa de menor equidade.
    Pois o que estávamos a falar é de progressividade fiscal e, portanto, qualquer comparação da UE com os EUA não fas sentido porque ambos têem sistemas fiscais progressivos.

    O que o João Vasco afirmou foi... E se sacrificarmos a redistribuição para ter uma maior prosperidade, vamos agravar a miséria e a criminalidade.
    ... o que é a afirmação de uma relação causal. Ora, "pode causar" e "vai causar" são duas coisas bastante diferentes.

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  47. «sacrificarmos a redistribuição para ter uma maior prosperidade, vamos agravar a miséria e a criminalidade.
    ... o que é a afirmação de uma relação causal. Ora, "pode causar" e "vai causar" são duas coisas bastante diferentes.»

    Sacrificar a redistribuição para ter uma maior prosperidade VAI agravar a miséria.
    Sacrificar alguma redistribuição para ter alguma prosperidade pode agravar a miséria.
    Assim sendo, não houve nenhuma contradição.

    Mas se tivesse havido, seria ridícula essa "caça à gralha", quando na verdade as ideias que tento expor estão claras e são coerentes.


    «Pois o que estávamos a falar é de progressividade fiscal e, portanto, qualquer comparação da UE com os EUA não fas sentido porque ambos têem sistemas fiscais progressivos.»

    O exemplo dado foi para ilustrar como o aumentando a prosperidade com sacrifício parcial da equidade agrava a miséria e a criminalidade. Isso foi muito claro por tudo o que escrevi. Não sei porque insiste nessa confusão, feita por si, mesmo depois de a ter esclarecido com todas as letras.

    Quanto à democracia, repito-me: eu não inventei nada. A ideia é precisamente que o sistema de partidos prevê que estes, tentando conquistar votos, tendam a propor as linhas políticas gerais que mais agradarão aos seus eleitorados, e que por isso mesmo o poder emirja da vontade do povo.
    Como o nível de progressividade de uma sociedade não é um "pormenor obscuro", nem uma "medida pontual", nem uma decisão "meramente técnica", mas sim uma linha geral da política seguida por essa sociedade, é perfeitamente natural atribuir o nível de progressividade existente À vontade dos eleitores demonstrada sucessivamente nas urnas.

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