sábado, outubro 06, 2007

O preço da arte.

O João Vasco chamou-me a atenção para um artigo no Wall Street Journal acerca do último álbum dos Radiohead. O álbum In Rainbows está à venda online pelo preço que cada um quiser pagar. Até agora, o preço médio tem sido de cerca de $10. Os autores do artigo dizem que a banda está a aldrabar os fãs, e o raciocínio é fascinante.

Tendo abandonado a EMI, os Radiohead não têm que pagar nada à editora. Além disso gastam menos em publicidade que outras bandas. Como $10 é o preço normal de um álbum online e os Radiohead têm menos custos, os autores do artigo concluem que os fãs estão «a pagar demais».

Não percebem que alguém pague uma música porque acha que os artistas merecem. A arte não é salsichas, que, sendo a qualidade idêntica, se compra onde for mais barato. Quem aprecia arte quer participar, nem que seja contribuindo para encorajar o artista. O copyright serve para incentivar um mercado de consumo em que se controla a oferta e a publicidade para vender um produto, mas há muito que perdeu de vista o incentivo à arte.

Para incentivar a arte temos que incentivar esta participação. Por um lado, tornando a arte livre no sentido de não haver restrições à criação de obras derivadas. Como fizeram os Nine Inch Nails, por exemplo, ao distribuir gratuitamente as pistas de várias faixas do álbum Year Zero (1). E, por outro lado, fazer do preço da música um acto voluntário de participação no processo criativo em vez do que se faz à saída do supermercado. Isto acabaria com o copyright e com o negócio dos distribuidores, mas seria um incentivo melhor à arte.

A objecção que surge sempre nesta altura é que se deve deixar que os artistas o façam apenas se quiserem, mas continuar a proteger a sua obra se não a quiserem distribuir desta forma. É uma confusão. Justificava-se se esta protecção fosse um direito moral do artista. Mas não é. Ninguém tem o direito moral de restringir a liberdade de expressão de outros apenas por ser o primeiro a ter a tal ideia.

O fundamento do copyright é apenas de ordem prática. Era preciso subsidiar a industria, e a concessão de monopólios foi a melhor forma de incentivar a produção e distribuição. Mas já não é, e agora tem o efeito contrário. Ficamos melhor servidos se a participação na arte for livre e voluntária, seja com criatividade seja com dinheiro.

O artigo original está disponível apenas para subscritores do Wall Street Journal, mas podem lê-lo no Unsettling Economics.

1- Miguel Caetano, 11-9-07, Remisturas open-source de Nine Inch Nails já disponíveis em BitTorrent

19 comentários:

  1. É bastante cómico que um analista do Wall Street Journal (conhecedor dos princípios económicos, suponho) venha dizer que alguém que tem a total liberdade de adquirir um bem a qualquer preço, ou seja, que paga o que quiser, está a dar mais dinheiro do que devia. A menos que o senhor analista tenha uma tabela ofertada pela Nossa Senhora dos Preços Afixados, não sei onde é que foi buscar esta ideia.

    Ah, e, já agora, que queria agradecer ao "João Vasco Gama" por ter trazido o assunto à baila. Caso contrário não ia descobrir, tão cedo, que a minha banda preferida ia lançar um novo álbum tão "agora"...

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  2. De nada.

    Realmente a "análise" é anedótica e a notícia digna de nota.
    Esta e a anterior são excelentes pontos a favor da posição do Ludwig, da qual estou sendo convencido pouco a pouco, mas ainda não partilho.

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  3. Não é para ser do contra, mas, o que os senhores dizem está correcto, na perspectiva que o Ludwig explicou. Para bens homogéneos, de produção normal.
    O que as alminhas se esquecem é que é arte, em primeiro lugar, e em segundo, que ninguém está a açambarcar o produto a tentar extorquir o valor maximo de cada venda, e que na realidade cada um que paga $10, até poderia estar disposto a pagar muito mais.
    É por a maioria (aí uns 99,99%) dos economistas ser estupido desta maneira a avaliar a realidade que os rodeia, que desisti do curso de Economia.

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  4. João,

    Quando dizes «não partilho» queres dizer «não concordo», ou estás a falar de p2p? ;)

    António,

    Sim, os modelos usuais na economia servem para um tipo de troca em que cada participante visa apenas obter os recursos do outro. Isto aplica-se quando vamos a um restaurante e pagamos em dinheiro, mas não quando vamos jantar a casa de um amigo e retribuimos convidando-o a jantar em nossa casa.

    Nem o dono do restaurante iria aceitar que o «pagamento» fosse convidá-lo a ir a nossa casa, nem o amigo iria ficar contente se pedíssemos a factura no final. Isto porque no segundo caso o objectivo desta troca de jantares não é apenas obter o jantar.

    E é nisto que a arte é diferente. O objectivo da troca entre o artista e o fã é mais que apenas um ficar com o dinheiro e o outro com a música. E por isso funciona bem mesmo que seja livre -- nem o artista vai deixar de fazer arte nem o fã vai deixar de querer apoiar o artista.

    Nota que noutros casos já não proponho tal desregulação. Na industria farmacêutica isto já não funcionava, porque quem paga por um medicamento quer é o medicamento, e não está a pensar em incentivar a investigação. Se pusessem os medicamentos à venda pelo preço que cada um quisesse pagar não conseguiam cobrir os custos das investigação, ensaios clínicos, produção, etc.

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  5. Numa visão de mercado liberal em que vivemos, cada vez faz menos sentido análises dessa natureza.
    Um abraço

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  6. Ludwig,

    O que disse é em pleno acordo com o que explicaste. A arte não pode ser vista do mesm ponto de vista da restante troca de bens.

    Continuo é a achar que o modelo de copyright não está posto de parte. Neste caso eles pedem o que o fã quer dar, mas, aposto que o fã continua a não poder fornecer cópias a terceiros, e ei concordo com isso.

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  7. António,

    Para restringir a cópia digital tem que se dar ao autor o direito de proibir a transmissão de qualquer informação que permita reproduzir o ficheiro original.

    Eu não reconheço este direito de proibir como moralmente justificável. Não é por inventar uma canção que é legítimo proibir os outros de descrever a canção que inventei, por muito detalhe que tenha a descrição. Mesmo que seja uma lista de valores da intensidade do som amostrados 44 mil vezes por segundo.

    Se defendes uma justificação moral para proibir a partilha de informação que está à venda, diz para discutirmos isso.

    Em alternativa, se calhar defendes que apesar desta proibição ser imoral, é um sacrifício que se justifica em proveito de um bem maior. Nesse caso temos que discutir se compensa.

    Mas primeiro é saber onde discordas. Se para ti o direito de proibir a cópia é um direito moral ou deve ser um direito legal concedido por razões práticas.

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  8. Ludwig,

    Estou pela segunda opção, discordo em parte da primeira, acho que duas virgulas estão fora do sitio, e sou contra o paragrafo. :-)

    Agora sem a piadinha do Assim Não...
    Creio que o copyright é um mal menor. Permite que surja a figura do compositor, que não necessita de ser interprete, e há muito talento na composição que não tem jeitinho nenhum para arranhar qualquer instrumento, nem para actuar. Sem o copyright, essa figura foi-se...
    Sobretudo, creio que impede as pessoas erradas de lucrar. Quem abre uma discoteca, tenciona passar musica, é o que atrai a clientela, e por isso, não pode viver do talento alheio, sem contribuir para o rendimento destes. Tal como todos os bares que passam musica gravada. Se querem musica, pagam para o fazer, ou então, contratem quem toque ao vivo. Querer apenas o benificio (direito), sem haver contrapartida(dever), é uma treta. Por outro lado não me revolta nada o mecanismo dos Radiohead para vender o novo album, só que como já te disse noutros posts, é algo impossível para uma banda nova no mercado. Se alguém espera musica de qualidade em bandas que terão de se auto-financiar durante anos, estamos perante um modelo impossível. Sou a favor de que se impeça a cópia, mas, não sou a favor de penas estupidas e tretas como as do post anterior. Além do efeito errado que aquela sentença causou. Se aquilo implica 25% do rendimento daquela pessoa para indeminizações para o resto da vida, ela não tem nada a perder pois legalmente não lhe podem tirar mais nada, e a proxima sentença será ineficaz.

    Há umas semanas pensei numa solução parcial, que seria, a cópia livre e multipla de todos os conteudos para os quais se adquirisse uma licença prévia, barata, que reverteria para os artistas, e que daria direito de dispor de todas as cópias privadas que desejasse ao consumidor. Com os sistemas de bases de dados actuais, isso não é sequer impossível de implementar, o custo é baixo, e acaba-se a palhaçada. Quem tem a licença pode copiar de todo e qualquer meio a musica que adquiriu. Podem haver licenças privadas e públicas, pode haver qualquer graduação de licenças, etc.

    Creio que a minha posição se resume, a que a arte é algo privado, do foro pessoal do artista, e a partilha dessa intimidade, é algo que é do interesse do público, como tal, tem que haver compensação. Covém não esquecer, que em tudo há aberrações, e neste circuito há muitas, mas, não quer dizer que o copyright seja só aberrações. Não é!

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  9. António,

    Muito rapidamente, parece-me que o que defendes é a regulação comercial e não o direito exclusivo de cópia. São coisas muito diferentes.

    Para abrires uma pastelaria tens que ter licença, mas para fazeres bolos em casa estás à vontade. É essa a diferença.

    Não sou contra a regulação do comércio. Quem vende discos deve pagar uma parte ao compositor. Quem vende bilhetes para um concerto também, etc. Mas isso pode ser feito sem restringir a liberdade de expressão.

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  10. Ludwig,

    Sim, creio que será essa a melhor forma de definir a minha posição. Eu não defendo que em casa não possas ter 500 cópias da mesma canção em formatos diferentes, etc. O que defendo é que passar essas cópias a outros deve ser impedido se os outros querem o benificio sem os custos.
    Quando alguém pretende o benificio, deve pagar por ele, por baixo que seja o custo. Nada é gratuito...

    E a regulação deve ser feita, mas, não o absurdo, que é andar a tentar inflacionar o que existe para gerar rendimentos a quem não contribui, como tu defendes, que as editoras e todos os parasitas em torno delas fazem, e eu concordo. Aquele exemplo que surgiu num post anterior, da banda que grava e paga tudo, e a editora só recebe, é algo que é treta, porque há lá coisas que só um bando de imberbes atrasados é que papava, e no panorama juridoco português era completamente ilegal, mas, a realidade é que a editora empurra todos os custos para a banda, e só está lá para as receitas. Isso, interessa regular e fazer desaparecer, mas, a triagem artistica só é possível com algum mecanismo de regulação semelhante ao copyright.

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  11. Fazer do preço da música um acto voluntário de participação, como dizes, pode lever-nos de novo aos mecenas, e isso também limita a creatividade: reduz o artista aos gostos de quem tem mais dinheiro. Não sei se essa seria a solução ideal.
    Karin

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  12. António,

    Penso que podemos resumir a nossa divergência a «nada é gratuito» versus «liberdade de expressão».

    Eu proponho que ideias e informação devem ser livres, mesmo que isso as torne gratuitas. Se me contares uma coisa eu tenho o direito de a contar a outro, mesmo que tenha sido invenção tua. Uma anedota por exemplo.

    Eu devo ter o direito de descrever o que li, mesmo que tenhas sido tu a escrevê-lo originalmente. E mesmo que a descrição seja tal que outro possa reproduzir exactamente o teu texto.

    Por exemplo, dizer que tens um «a» na posição 2 e 17, um «F» na posição 1, etc, não deve ser ilegal.

    E isto não é uma ideia nova. Está na base do copyright proteger apenas formas específicas de exprimir uma ideia e não a ideia em si o qualquer informação acerca da ideia.

    Essa distinção desaparece com o conteudo digital. Não posso transmitir o ficheiro, OK, transmito uma descrição do ficheiro. Ou uma descrição da descrição. Ou uma transformação algébrica da descrição da descrição. Qualquer coisa serve.

    Por isso agora a decisão é se vamos proibir de todo que se transmita o que quer que seja acerca de certos ficheiros, ou vamos aceitar que as ideias sejam mesmo à borla, como sempre foram.

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  13. Ah, e se continuas a discordar vais ser o único a ter que me pagar para ler o que escrevo aqui, he he he :)

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  14. Karin,

    No tempo em que só uns poucos tinham dinheiro para pagar ao artista, isso era um problema. Hoje não é. Nos países industrializados gasta-se uma pequena fracção do rendimento em bens essenciais, e a maioria tem dinheiro de sobra para arte e entretenimento.

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  15. Ludwig,

    Acho que a tua aura está a ficar roxa. :-) Não sei o que isso quer dizer, mas, parece-me que é uma resposta a um tipo mais teimoso que tu. :-P

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  16. Fiz um teste à aura há uns tempos, num site qualquer, quando estava a escrever o posto sobre auras. Parece que a minha é negra, por isso pior não deve ficar.

    Mas essa tua do nada de borla já deu direito a post. Podemos continuar a discussão nesse mais fresquinho. Acho que é mesmo essa a nossa divergência. Eu acho que a informação têm que ser de borla, porque se não for o preço é alto demais (e não é o monetário...)

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  17. Ludwig,

    Que site maravilha é esse? Estou curioso de vêr que patranha dizem sobre a minha aura e de outros. :-)

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  18. há uma batelada deles (procura aura color test ou coisa do género). Mas acho que o que eu fiz foi .

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  19. Eu vejo o que os Radiohead fizeram como uma coisa do género: "Paguem o álbum pelo preço que acham justo". A ideia até têm um fundo bom, mas isso é uma utopia, porque haverá sempre pessoas que pagam abaixo do preço que acham justo.
    Com artista digo que a arte não tem preço. Não se trata de vender a arte como salshichas ou não. O que é facto é que o grosso do dinheiro vai para as editoras e não para os artistas. Assim, os artistas trabalham literalmente para as editoras, ficando presos a esta. Esta situação é má para o desenvolvimento da arte, até porque as pessoas estão educadas a avaliar o artista também pela editora que o representa. As editoras não seriam precisas se se desse mais atenção ao valor dos álbuns per se, e não à publicidade que os rodeia.

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