quinta-feira, outubro 18, 2007

Erros e ciência.

Perguntaram a um pastor como distinguia as suas ovelhas das dos vizinhos quando as levava todas a pastar. É fácil, respondeu, basta ver quais são as mais gordas. Mas porque é que as suas são mais gordas? Não... as mais gordas é que são as minhas.

A ciência erra. Muito. Quase tudo o que a ciência afirmou até agora já sabemos ter sido incorrecto. E o resto deve ser só uma questão de tempo. Por isso muitos desconfiam da ciência e propõem alternativas. Crenças, tradições, intuição, invenção pegada, o que for. Tudo serve para fugir aos erros da ciência. Mas é treta.

A ciência é a melhor forma de compreender a realidade. Não por graça do espirito santo ou por artes mágicas, mas porque constantemente lhe acrescentamos o que funciona melhor e lhe tiramos o menos bom. Basta ver quem corrigiu todos os erros da ciência. A ciência. E apesar de nunca ter acertado em cheio na realidade, esteve sempre mais perto que os outros. De todas as crenças erradas, as que a ciência propôs eram sempre as menos erradas da altura.

Mas há quem diga que o melhor é não ter crenças. Se não acreditamos em nada já não erramos. Errado. Um erro é qualquer decisão que frustra os objectivos. Se o objectivo é cortar o pão em fatias finas é um erro cortá-lo em fatias grossas e é um erro atirá-lo pela janela. Se o objectivo é compreender a realidade é um erro acreditar numa hipótese falsa. Mas também é um erro rejeitar uma hipótese informativa, mesmo que não esteja totalmente correcta, e ficar sem hipótese nenhuma.

Não se escapa do erro com o «ah, não se sabe» do agnosticismo nem com o «eu cá não acredito» a que chamam cepticismo. Como explicação, «não sei» é sempre uma resposta errada. E o cepticismo aceita o que as evidências suportam. Não permite a certeza absoluta nem a crença inabalável, mas não justifica rejeitar só para ser do contra.

O erro por omissão pode ser pior que uma crença falsa. Acreditar que as doenças são causadas por «desequilíbrios de energia» é um disparate. Mas rejeitar a medicina moderna é um perigo. Mesmo que seja imperfeita e incompleta, antibióticos, desinfectantes, vacinas e cirurgias são muito melhor que nada.

Devemos estar atentos ao erro de acreditar em algo que não é verdadeiro. Mas esse é fácil de corrigir. Basta alterar a crença quando as evidências o justifiquem para ficar cada vez mais perto da realidade. Erro pior é não aceitar explicação nenhuma só por falta de certeza. É o mistério, o inexplicável, o sobrenatural, o milagre e o «não se sabe». A ciência funciona porque aceita ideias falsas e assume a responsabilidade de as corrigir. As alternativas não funcionam porque não têm ideias ou porque não as corrigem.

18 comentários:

  1. em certos aspectos acho que estás errado: não é como se newton estivesse errado e einstein o viesse corrigir e daqui a uns anos vamos descobrir que einstein estava errado. nada disso, e acho bastante negativo que se passe sequer essa imagem. pelo contrário, newton estava certo nos limites de validade em que estudou a mecânica clássica e, dentro desses mesmos limites, esta continua válida. einstein corrigiu a mecânica para velocidades muito elevadas ou campos gravíticos fortes, mas não a deitou fora. no limite em que a velocidade da luz vai para zero a relatividade restrita é a mecânica newtoniana. da mesma forma, correcções à relatividade serão apenas encontradas fora dos limites de validade desta. mas serão, mais uma vez, correcções ou muito pequenas, ou apenas significativas em regimes muito especiais.

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  2. Mas é isso que eu disse.

    Se distinguimos entre verdadeiro e falso, sendo verdadeiro o que corresponde à realidade, o modelo de Newton é falso. F não é igual a m*a.

    Mas mesmo falso é muito melhor que nada. Na maior parte dos casos F está tão perto de m*a que tanto faz. É errado, mas era o menos errado na altura.

    E nota que a física é um caso extremo. Se falamos da ciência como um todo temos que incluir a genética, a bioquímica, a psicologia, a cosmologia, e uma data de outras áreas em que o conhecimento mudou muito nas últimas gerações.

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  3. Defo felicitá-lo por mais um excelente post. No entando, do modo como eu vejo, em relação ao "não sei" como explicação, eu não diria que seria uma resposta errada. Até me atreveria dizer que seria a segunda resposta mais correcta, não fosse cair no ridículo. Como Sócrates diria (não confundir com o nosso P.M.): "Eu sei que nada sei." Quero com isto dizer que não podemos ter certezas científicas quando desconhecemos o que ainda há para saber. Tanto podemos ter 25% do conhecimento absoluto como 0,01% como 0,000001%. Daí, "não sei" talvez seja uma resposta sensata.
    Claro que os modelos científicos aproximados à realidade são uma resposta à maioria das questões, e até são ferramentas uteis à previsão de fenómenos. Mas não podemos dizer se algum dia poderemos ter modelos exactos da realidade. Com tantos factores a ter em conta, muitos dos quais desconhecemos, o mais provável é que não.

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  4. Na sequência de outro comentário relativamente às "crenças", venho só acrescentar um pormenor:

    É que as pessoas que continuam a discutir se a ciência tem validade e autoridade para "opinar" sobre a realidade e contrapõem com outras teorias (as tais crenças, tradições, intuições, religiões, invenções etc. e tal) pura e sistematicamente eliminam as provas dadas que ciência dá.

    É que mesmo errada (e isso é que é fabuloso) a ciência consegue dar-nos coisas. Temos água corrente em casa, temos televisões, computadores e telemóveis, temos mangas e papaias para comer - virtualmente tudo o que temos hoje nas nossas vidas, de uma forma ou de outra é a prova provada de que a ciência nos permite conhecer a realidade. E melhor do que qualquer outra teoria. Porque só conhecendo como o mundo funciona é que o podemos manipular em nosso favor.

    A ciência é meramente isso: tentar compreender como funciona o mundo. Como disse num comentário anterior, é perceber as regras do jogo, para melhor o podermos jogar.

    Todos os dias há novas provas de que conseguimos compreender melhor o universo através da ciência. No entanto há quem a contradiga, tentando pôr a ciência em pé de igualdade com todas as outras tretas... Mas aposto que o fazem usando "produtos da ciência": sejam papéis impressos em tipografias, telefones, rádiodifusões audio ou vídeo, ou através dos bits e bytes da internet. Tudo produtos conquistados aos elementos naturais, fruto do nosso conhecimento de como funciona o mundo... Ah, mas isso não interessa nada! O que interessa é continuar a dizer patacoadas.

    É por isso que a ciência é melhor que as outras teorias: porque volta e meia dá resultados. Não quer dizer que seja A melhor, apenas é melhor que as que temos por agora.

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  5. E por isso é que também é melhor que um "não sei" que não dá origem a nada.

    A ciência "não sabe" nada, mas apresenta a hipótese mais plausível perante os dados a que temos acesso.
    Ou se acredita na hipótese mais plausível, estando preparado para rever as crenças caso novos dados tornem hipóteses diferentes mais plausíveis, e se opta pela sensatez e razoabilidade, ou então escolhe-se outra hipótese qualquer, ou põe-se todas em pé de igualdade, e observamos quão estéril é essa tola atitude.

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  6. Bocas,

    O problema aí é confundir dois tipos de «não sei». Um é não ter a certeza absoluta, que ninguém tem por isso nem vale a pena mencionar. O outro é não fazer ideia, não ter informação. E esse é sempre a resposta errada.

    Imagine que num teste de física se pedia ao aluno para calcular a distância a que caia a bala de canhão dados o angulo e a velocidade inicial.

    Se o aluno respondesse «não sei» era a resposta errada. Se respondesse «não posso ter a certeza, porque depende da resistencia do ar, do vento, do declive do chão, etc, mas assumindo estas condições...» e calculasse um valor aproximado, tinha a resposta correcta.

    Eu sei que se jogar no euromilhões não vou ganhar o primeiro prémio. Não tenho a certeza, mas tenho confiança suficiente para não jogar. E com isso acabo por ganhar mais dinheiro que a maioria dos que jogam :)

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  7. "O problema aí é confundir dois tipos de «não sei». Um é não ter a certeza absoluta, que ninguém tem por isso nem vale a pena mencionar. O outro é não fazer ideia, não ter informação. E esse é sempre a resposta errada."
    É exactamente isso que eu queria dizer. Tirou-me as palavras da boca. Exactamente por isso é que eu mencionei a utilidade dos modelos aproximados à realidade. Em essencia, queria dizer que um "não sei", ou melhor um "não tenho a certeza" seria a resposta mais adequada. Não se pode alegar que um modelo é tão universal que preve com toda a exactidão o comportamento do universo, quando anos depois vem-se a descobrir que o modelo tinha falhas. Isso é tão errado como não saber nada por pura ignorância. O cientista deve estar preparado para isso.

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  8. "Eu sei que se jogar no euromilhões não vou ganhar o primeiro prémio. Não tenho a certeza, mas tenho confiança suficiente para não jogar. E com isso acabo por ganhar mais dinheiro que a maioria dos que jogam :)"

    Nem por isso....apenas perde menos dos que jogam, que é diferente de ganhar mais :D

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  9. A minha professora de matemática do liceu dizia que o totoloto, a lotaria e o euromilhões, nada mais são do que multas para quem renega a matemática.

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  10. Mais um excelente e pertinente post. Queria só fazer aqui um pequeno reparo, se me permite, já que o texto exprime uma noção um pouco recorrente quando se fala da postura agnóstica expressa pelo famigerado "não sei". O Ludwig depois corrigiu o tiro, admitindo que afinal há vários tipos de "não sei", mas não deixa de ficar implícito, mais uma vez, que um agnóstico é alguém que desistiu de respostas ou que se demitiu das perguntas e anda para aqui apático a ver passar a caravana. Sem ladrar, ainda por cima...
    Eu pessoalmente não conheço nenhum agnóstico que pura e simplesmente "não faça ideia" ou "não tenha informação" e se quede imbecil e bovinamente por aí. Isso não é agnosticismo, é indiferença (ou estupidez, depende).
    Há imensos cientistas agnósticos e o "não sei" é invariavelmente o ponto de partida para muitas descobertas. Ser agnóstico (e também há muitos tipos de agnóstico, assim como há vários tipos de ateus ou crentes) pode pura a simplesmente significar a admissão de ignorância relativamente a certas questões. Não a todas.

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  11. jpc:

    O Ludwig não corrigiu tiro nenhum e sempre tem defendido o mesmo. É ridículo dizer que "não se sabe" se o tabaco faz mal à saúde ou não, porque da mesma forma "não se sabe" nada, nem sequer que a terra é redonda. Como não há nada que se saiba com 100% de certeza, reservamos a expressão "sei" para quando temos uma margem significativa. Ou seja: não fumamos pois sabe-se que que o tabaco faz mal à saúde.
    E se surgirem indícios/observações que contrariem isto, alegremente alteramos o nosso modelo.
    O que não faz sentido é dizer "eu fumo porque não se sabe se faz mal à saúde ou não".

    O mesmo raciocínio, por exemplo, deveria ser aplicado às alegações religiosas. Se um indivíduo nos disser que ressuscitou, nós "sabemos" que está a mentir, ou então está equivocado. Porque sabemos que as pessoas não ressuscitam. Assim sendo, podemos dizer com segurança que as alegações dos cristãos são falsas.

    O agnosticismo não obsta ao ateísmo. Eu posso ser agnóstico quanto à forma da terra (em última análise não sei se não é plana) mas acredito que é (aproximadamente) redonda.
    Pela mesma ordem de ideias, sou agnóstico quanto à existência de Deus, mas acredito que não existe.

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  12. Caro JPC,

    O não tenho a certeza é diferente do não sei. Não concordo com o que disse o Bocas, que o não sei é melhor que ter certeza numa coisa falsa. Pode ser, pode não ser.

    Mas o que a maioria dos agnósticos defende não é tanto um «não sei» mas mais um «não se pode saber», e esse parece-me um erro grande.

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  13. subescrevo o comment do Ricardo s carvalho, quando a sua resposta: "Se distinguimos entre verdadeiro e falso, sendo verdadeiro o que corresponde à realidade, o modelo de Newton é falso. F não é igual a m*a."

    o que lhe garante que a ciência atingirá esse nível de verdadeiro?? ao que esse nível de verdadeiro exista. Penso que é aí que Ludwig faz o seu salto de fé. É aí que a sua crença na ciência é notória. Gostava de o ver escrever sobre os limites da ciência.. porque penso que será aí, que se compreenderá a sua tão discutida fé nas ciências.

    aguardo pacientemente esse post

    cumpz

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  14. já agora premita-me pedir-lhe a sua opinião sobre isto:
    http://pensarcusta.wordpress.com/2007/10/20/a-questao-fulcral-a-meu-entender-e-decidir-se-a-ciencia-e-uma-invencao-ou-uma-descoberta/

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  15. Questionar a ciência é sempre possível porque os dados que possuímos hoje possivelmente serão insuficientes relativamente aos que podem surgir futuramente.
    É a evolução normal.
    Quanto á religião é uma questão de crença, de fé.
    Sendo assim, não é com provas materiais que a mesma se fortalece ou é posta em causa.
    São realidades distintas!
    Um grande abraço!

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  16. Excelente post!

    Caro João Vasco,

    “Eu posso ser agnóstico quanto à forma da terra (em última análise não sei se não é plana) mas acredito que é (aproximadamente) redonda.”

    Entendi que isto é um mero exemplo, mas obviamente você SABE que o sol projetaria sobre a lua sombra não redonda caso um eclipse lunar ocorresse logo após o pôr do sol. Veríamos a sombra em forma de bastão, de uma elipse acentuada ou algo que o valha. Sem falar que em qualquer passeio de carro horizontes diferentes se sucedem, o que comprova que a Terra é redonda. Isso é mais fácil de perceber de dentro de um avião a grandes altitudes e a observar através de uma luneta o casco de um veleiro sumir no horizonte antes de suas velas.
    Calma, sei que você não é o Mulá de uma madrassa saudita que crê no mundo ser chato porque assim ensina o Corão, he he. Só estou refutando o seu “em última análise não sei se não é plana”.

    “Pela mesma ordem de ideias, sou agnóstico quanto à existência de Deus, mas acredito que não existe.”

    Você escreveu “existência de Deus” e não “de deuses” - o que poderia se referir a seres sem os atributos do nosso demiurgo omni-tudo, como por exemplo improváveis ETs que tivessem conseguido se tornar imortais e, muito mais avançados do que nós, interviessem nos nossos assuntos terrenos. Sou agnóstico em relação a vida em outras galáxias porque há a POSSIBILIDADE de existir. E, digamos, sou ateu em relação a deuses mas admito que, segundo os padrões de algumas mitologias, poderíamos chamar de deus um ET extremamente avançado que fosse imortal (absurdo dos absurdos mesmo assim).
    Imagino que o seu “de Deus” se refira ao demiurgo omni-tudo.
    Este eu SEI que não existe, porque SEI que existo e, se ele existisse, não estaria sujeito ao tempo e para ele este instante em que escrevo poderia passar-se simultaneamente à criação do universo, antes de eu ter sido criado. Ou seja, ele seria capaz de fazer com que eu nunca tivesse existido. Então tal ser não existe. E eu SEI disso. Ou tal ser poderia ir ao passado e matar meus pais antes de eu nascer. Eu SEI que tal ser que por definição é capaz de realizar tal proeza NÃO EXISTE.

    Um grande abraço!

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  17. Explicando:

    Ou seja, ele seria capaz de HOJE MESMO fazer com que eu nunca tivesse existido.

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  18. «Entendi que isto é um mero exemplo, mas obviamente você SABE que o sol projetaria sobre a lua sombra não redonda caso um eclipse lunar ocorresse logo após o pôr do sol.»

    Em última análise, eu só sei "que nada sei".
    Claro que na prática sei imensas coisas, como que a terra é redonda, Deus(es) não existem, a gravidade existe, etc...
    Mas nunca há provas derradeiras de nada disto.

    A todos os que acham que umas mersas fotos da terra/viagens de Fernão de Magalhães, ou sombras de eclipses provam que a terra é redonda eu pergunto: nunca viram o matrix? A terra podia ser plana e nós andarmos todos enganados por umas máquinas que nos fazem viver num universo que não existe. Não há PROVAS de que não estejamos a viver numa simulação tipo matrix.

    Tudo é possível.

    Mas faz mais sentido encontrar os modelos mais plausíveis tendo em conta aquilo que conhecemos. A terra é redonda, a gravidade existe, Jesus, se existiu, não era Deus.


    Quanto aos Deus(es) duvido deles porque Deus pertence sempre à classe de seres que criou o mundo (um Deus em particular pode não ter criado o mundo, mas foi sempre um Deus (outro) que o fez). Ora eu não acredito que o mundo tenha tido um criador consciente, e por isso acho que essa classe de seres não existe.

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