segunda-feira, outubro 22, 2007

Certeza e agnosticismo.

O leitor que assina «Catelius» comentou:

«Paradoxal. Como os filósofos e cientistas SABEM definitivamente que não se pode saber nada em definitivo? He he he. Além do mais, SEI que 2 + 2 são 4. É axiomático, seja tudo isto aqui simulação ou não. Sei que 10/2=5. De igual modo, SEI que todas as casas pretas são pretas.
Assim sendo, a Terra é redonda, seja ela uma simulação ou não.»


Se defino que x = 5 sei que x = 5, mas não é grande novidade. Saber por definição dá certeza absoluta sem informar. Por outro lado, saber que uma proposição corresponde à realidade é mais informativo mas tem sempre algum risco. Até o «penso logo existo» é arriscado. Exige que pensar seja um acto de um ser que existe. Mas quem sabe se os pensamentos simplesmente acontecem sem existir um eu que os pense.

Pelos dois sentidos de «saber» sei definitivamente que não posso saber nada definitivo acerca da realidade. Definitivamente porque é consequência da definição dos termos. E não posso saber em definitivamente o que é a realidade porque só controlo o que eu defino. A realidade pode sempre surpreender.

Isto em teoria, porque a prática é diferente. Bertrand Russell explicou uma vez como era agnóstico e ateu:

«As a philosopher, if I were speaking to a purely philosophic audience I should say that I ought to describe myself as an Agnostic, because I do not think that there is a conclusive argument by which one prove that there is not a God.
On the other hand, if I am to convey the right impression to the ordinary man in the street I think I ought to say that I am an Atheist, because when I say that I cannot prove that there is not a God, I ought to add equally that I cannot prove that there are not the Homeric gods.»
(1)

Um mais um é dois por definição de «um», «dois», e «mais», mas a verdade que daqui sai é a que lá pusemos. O que dá algo de novo, e útil, é aplicar a regra à realidade, mas isso já não é garantido. Podemos saber que juntando um pato ao pato que já temos ficamos com dois patos. Mas se a um cardume juntamos outro cardume ficamos com um cardume. Maior, mas à mesma um e não dois. E se algo é mais pato ou mais cardume já não é decisão nossa. Filosoficamente, todas as verdades garantidas são triviais e qualquer afirmação que não seja trivial pode ser falsa.

Mas não é prático viver como se não soubesse que Zeus é fantasia, como se duvidasse que há realidade ou a deixar-me atropelar por faltar a prova irrefutável de haver carros na estrada. Não posso provar que Deus não existe mas também não vos posso provar que eu existo. Filosoficamente é interessante, mas, na prática, posso ter tanta certeza destas coisas como de qualquer outra. E se estiver enganado logo mudo de ideias quando for caso disso.

1- Bertrand Russell, 1947, Am I An Atheist Or An Agnostic?

8 comentários:

  1. Ludwig,

    Por este processo, eliminar algo é tão fácil como dizer que não é mais do que um axioma fabricado. A questão no entanto, não me parece tão simples assim.
    Independentemente de qualquer realidade subjacente, aquela em que conscientemente vivo rege-se por um conjunto de regras, e essas regras não são sujeitas a escrutinio, nem a devaneios filosóficos. Determinadas percentagens de certeza, nunca podendo ser 100%, são suficientes para aceitar uma realidade, e dizer "eu sei".
    -"Toda a gente mente". Não te arranjo 100% de provas disto, mas, sei que é verdade.
    -"Ninguém caminha sobre a agua", dada a verdade da primeira afirmação que "eu sei" :-) esta também é verdade. :-)

    Outras verdades que aprendemos, vêm da prática quotidiana. Juntas um conjunto de observações, que criam uma definição de "realidade", e podes afirmar "eu sei", sempre dentro dessa normatização.
    O "sei que nada sei", é real se aceitarmos que a nossa percepção é limitada, mas, por outro lado, o "penso logo existo" também TEM que ser real. Se sou imaginação ou fabricação de alguém ou algo, não me retira a "realidade" de existir, o que simplesmente implica é que existindo, tenho menor percepção da realidade que me rodeia. O "penso logo existo" é sempre real, na primeira pessoa. vocês todos é que podem não existir, e serem interações imaginadas por mim, mas, até o facto de vocês todos poderem ser imaginados me torna real, pois tenho de ter uma existencia qualquer para vos conseguir imaginar. Se invertermos esta percepção, neste universo do eu, e vocês, o facto de vocês pensarem não vos atribui maior ou menor existencia na minha realidade. Por isso, o "penso logo existo" é algo de pessoal, intransmissivel, e que por não ser algo que possamos atribuir a outros (esta relação de realidade não é transitiva), valida parcialmente o "sei que nada sei", pois há algo que individualmente tenho de saber a 100% para estar aqui a "imaginar" esta conversa com vocês: eu TENHO de existir.

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  2. António,

    É verdade que os pensamentos criam a ilusão de haver essa tal primeira pessoa. Mas para existir um eu tem que ser um ser único.

    No entanto, o que as evidências indicam é que cada pessoa não é um eu. Quanto muito, é um nós, uma comunidade de ideias, pensamentos, sensações, memórias, percepções, etc.

    Vê o que acontece às pessoas a quem cortaram o corpo caloso, por exemplo. Os dois hemisférios passam a operar independentemente.

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  3. Ludwig,

    Então, NÓS TENHO de existir poderá ser o caso. :-)
    Mas, escapa-me a necessidade de um eu único... A haver uma anómalia o meu "eu" presume que é em vocês, que são um colectivo. O meu "eu" continua a ser único. O que é que me escapou? Quando muito, a separação dos hemisférios pode criar uma sensação de "eu" duplo, presente num unico corpo, mas, o que isto torna é real os dois "eus" a nível individual. O "eu" hemisfério esquerdo, é único, tal como o "eu" hemisfério direito o é. O que vejo é a possibilidade de o esquerdo pensar que o direito pode ser só imaginação, e vice versa... penso eu "de que"!

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  4. « Determinadas percentagens de certeza, nunca podendo ser 100%, são suficientes para aceitar uma realidade, e dizer "eu sei".»

    Mas é isso precisamente que o Ludwig defende.

    Por exemplo, podemos dizer "eu sei" que Jesus não ressucitou.

    Quando nos dizem qe em última análise não é possível dizer isso, resta lembrar que em última análise não é possível dizer nada.

    Na verdade a única coisa que eu acredito que possa ser dita definitivamente, se bem que nem isso é completamente claro, é o tal "penso, logo existo".

    A este respeito quero continuar a tua discussão com o Ludwig.

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  5. Agnostico e ateu não são deviam ser a mesma coisa? Diz-se que agnostico é quem não acredita em Deus, e ateu é quem é contra o acreditar em Deus. Mas quem é contra o acreditar em Deus devia de designar-se por antiteu e não ateu. Acho que considerar essas pessoas como ateus sera como considerar as pessoas antipáticas como sendo apáticas. E ser apático não é ser antipático.

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  6. o bocas:

    Ateu não é nada disso.

    Agnóstico é quem não sabe se Deus existe ou não.
    Ateu é quem não acredita em Deus.

    Eu sou ateu e agnóstico.
    Ainda assim, quem se designa apenas como agnóstico geralmente é alguém que não acredita que Deus existe, nem acredita que Deus não existe. Nesse sentido restrito, não sou agnóstico: acredito que Deus não existe.

    Quem lamenta a existência de religião - como eu, que acho que actualmente faz mais mal do que bem ao mundo, como todas as grandes mentiras - pode ser chamado de anti-religioso. É um nome um tanto agressivo para quem, como eu, não quer impedir ninguém de ter a sua religião se o quiser, mas apenas gostaria que o debate de ideias levasse a humanidade a esquecer essas falsidades como já esqueceu tantas outras.

    Não confundir com anti-clerical. Ao contrário do que o nome indica não é quem está contra o clero: é quem está contra a separação entre o estado e a igreja: ou seja qualquer pessoa de bom senso - descrente ou religiosa - é anticlerical.

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  7. João Vasco,

    Eu não visava discordar do Ludwig na questão do "eu sei". A minha questão é mais com a posição normal do crente "entalado", que costuma descambar na direcção do " se não é a 100% então não se sabe".

    O "penso logo existo" por vezes parece filosofia para adolescentes, mas, esconde algumas nuances por detrás que nunca são discutidas. A questão do "eu" ser único, e ser o único que tem essa propriedade de existência assegurada, funciona como uma espécie de Matrix. Mesmo que não seja como a "imagino", a minha existencia real está assegurada, bem como a existência de uma qualquer meio envolvente.
    Tinha algum interesse filosófico, depois de assegurada a minha "existencia" provar que os outros possam também existir. Mas isso...

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  8. "Ateu não é nada disso.

    Agnóstico é quem não sabe se Deus existe ou não.
    Ateu é quem não acredita em Deus."

    Caro João Vasco:

    Agradeço a sua resposta. De facto, o que disse faz todo o sentido. Parece que troquei os conceitos devido à falta de esclarecimento sobre o assunto.

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