sábado, junho 09, 2007

Treta da Semana: Tarot.

O tarot é um bom exemplo da nossa predisposição para detectar padrões e relações. Mesmo onde não existem. Como ver uma cara a sorrir em dois pontos e um parêntesis. No tarot, o «baralho de cartas constituído por 22 arcanos maiores profundamente simbólicos e 56 arcanos menores igualmente portadores de mensagens»(1) cria uma ilusão análoga à da felicidade de um :)

Qualquer sistema de detecção pode cometer dois tipos de erros: responder a algo que não existe ou ignorar o que devia ter detectado. Normalmente, queremos detectores que equilibrem estes dois erros. O secador das mãos na casa de banho às vezes não liga quando queremos secar as mãos, e às vezes liga-se quando alguém passa por perto. Mais vale assim que ser infalível a ligar quando é preciso mas tão sensível que esteja quase sempre ligado desnecessariamente. Ou o contrário, nunca se ligar quando não é necessário, mas custar a ligar quando queremos secar as mãos.

Os detectores que evoluem nem sempre são assim. Pode parecer estranho, mas uma percepção tendenciosa é muitas vezes mais útil que uma percepção com erros equilibrados, porque os erros podem ter custos diferentes para o organismo. Os nossos antepassados apanharam muitos sustos desnecessários quando confundiram sombras inofensivas com um lobo ou um leopardo, mas mais vale dezenas de sustos que não reparar no leopardo ou no lobo no dia em que lá está mesmo.

O mesmo se passa nas relações sociais, a identificar oportunidades, e em muitos outros aspectos da nossa vida. Para os nossos antepassados masculinos o custo reprodutivo de fazer figura de parvo era menor que o de perder uma oportunidade de ter filhos. Hoje, se ela diz que ele é uma besta ele fica convencido que ela está apaixonada.

E não é só a percepção tendenciosa. A nossa memória também conspira para nos enganar, tornando mais vívidas as relações imaginadas que aquilo que observamos. A cartomante diz que alguém nos inveja e, subitamente, aquele olhar de soslaio da vizinha à janela fica firmemente ligado à agora evidente sabedoria dos quadradinhos de papel. Como é que as cartas sabiam? Fabuloso...

A cartomancia, a quiromancia, a tretomancia em geral são parasitas mentais que vivem das nossas distorções cognitivas. A simbologia vaga e metafórica, o sentido pouco definido e a contradição estimulam a nossa capacidade de preencher falhas inventando relações e significados profundos onde não há nada:

«O tarot ensina-nos a caminhar ao encontro do Eu Superior, fazendo-nos interiorizar, sem esquecer a espontaneidade que sendo um processo intuitivo e simultâneo à experiência vivida no concreto, não existe acaso destituído de significado; a leitura intuitiva individualiza-o, eliminando o processo de repetição de cada leitura.»(2)

Mas o tarot é mais que uma curiosidade psicológica. É uma aldrabice num oceano de tretas. Desde cursos de tarot a 150€ por três dias (3), e ao menos são só três dias, às «canalizações» do Arcturiano Kryon (4), escolas da mais variada tretologia (5), e à literatura fabulosa que nos ensina a proteger contra (sim, proteger contra...) o mau olhado e a falar com o nosso eu interior (6). Que mal é que isso tem, perguntarão alguns. Afinal também se compra revistas do Tio Patinhas. É verdade. Mas não como documentários sobre o mundo animal.

Cada um tem o direito de acreditar no que quiser. Num deus salvador, nas cartas que sabem o futuro, numa cidade cheia de patos que falam. Mas esse não é o direito de afirmar ou prometer algo baseando-se apenas numa crença. Ninguém tem o direito de vender previsões sem evidências que esteja mesmo a prever qualquer coisa, nem o direito de prometer o paraíso a quem dá o dízimo.

Em nome da liberdade de crença estamos a ir longe demais. Estamos a ser complacentes com a burla. Não deviam considerar intolerância nem desrespeito exigir de quem crê que não aldrabe. Acreditem no que quiserem, mas não digam que sabem sem ter evidências.

1- Maya, O que é o Tarot?
2- Tarot
3- www.paulocardoso.com
4- Velatropa
5- Quiron
6- Editora Anjo Dourado

5 comentários:

  1. Olá Ludwing,

    Saindo do tema deste post, há aqui
    algo que talvez te possa interessar; só espero poder ir.

    Boas postagens.

    KKK.

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  2. Excelente post. Também sou bastante cética e fico desesperada com essa galera tarot-ovnis-energia. Não sei se sinto pena ou raiva.
    Adorei seu blog...

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  3. cumpz. como sei que o museu de criaçio. te interessa. aqui vai o link de um conjunto de fotos no flickr..

    http://www.flickr.com/photos/drjonboyg/sets/72157600301874014/show/

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  4. Que grande lastima! Cada vez que venho cá encontro uns artigos que dão lastima.
    Como alguem pode ser tão céptico, desta maneira. Não acredita que há qualquer coisa de bom neste universo? Tudo é mau? Não acredita em nada?
    Ao contrario que "Angel" ue sei o que sinto: pena. Pena de ver gente tão limitada.

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  5. "ue sei o que sinto: pena. Pena de ver gente tão limitada."
    Caro anônimo, portanto sente pena de pessoas que pensam, que procuram respostas com pressupostos reais e que não acreditam apenas e só no que lhe dizem ser "A Verdade"... talvez devesse ter pena de outros, e não de alguns dos pouco que pensam e procuram responder com factos.

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