segunda-feira, janeiro 22, 2007

A vaca, pelo sim.

Hoje não estou muito inspirado. Levantei-me às 5:00, tive reuniões e trabalho o dia todo, e ainda me falta fazer umas coisas antes de poder ir dormir. Mas o último post e o comentário do Ricardo Carvalho fez me lembrar esta. E isto não pode ser sempre filosofias profundas; é o meu blog, posso avacalhar de vez em quando

- Então compadre, essas vacas são boas?
- A branca é...
- Então e a preta?
- A preta também.
- Ah... e dão muito leite?
- A branca dá.
- Então e a preta?
- A preta também.
- E, diga-me lá. São boas de tratar?
- A branca é.
- Então e a preta?
- A preta também.
- Mas porque é que diz sempre que a branca é que é boa, e dá muito leite e assim, se a preta também?
- É que a branca é minha.
- Então e a preta?
- A preta também.

9 comentários:

  1. O conhecido realizador italiano Franco Zeffirelli nunca escondeu a verdade sobre o seu nascimento. O seu pai biológico, Ottorino Corsi, que era comerciante de seda, era casado, mas não com a sua mãe, Alaide Garosi.

    «Eu sei bem - explicava - o que significa nascer contra o desejo dos outros, porque sou filho ilegítimo. O meu nascimento foi um escândalo. A minha mãe, que era modista, perdeu toda a clientela que tinha na alta sociedade florentina. E desde o princípio teve que ultrapassar milhares de obstáculos para que eu pudesse nascer. Até a sua mãe, minha avó, queria que abortasse. Diziam que eu estaria condenado ao ostracismo. No entanto, ela negou-se rotundamente a abortar.

    Passei a infância em situações difíceis, mas sempre fui amado, e isto, sim, influenciou-me. A minha mãe perdeu os seus clientes, mas dizia que não se importava nada.

    Eu sou uma espécie de aborto frustrado. Estou no mundo um pouco por acaso. Talvez seja por isso que aprecie mais o milagre da vida».

    (Alfonso Aguilló)

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  2. A mesma lógica se pode aplicar a quem tenha nascido depois da mãe ter desistido de ir para freira. A partir daí, sabendo que essa decisão da mãe lhe teria custado a vida, quer proibir que as mulheres escolham essa possibilidade.

    Cada vez que um casal opta por ter menos filhos do que aqueles que seria biologicamente possível (15? 20? mais?) nunca saberá se essa decisão não vai roubar a vida a alguém notável, que poderia ser muito feliz. Mas ainda bem que os pais em geral têm uma atitude responsável e optam por ter os filhos para os quais têm condições.

    Mesmo que, raramente, quando tal não se sucede, as crianças até possam crescer felizes. Isso não nos impede de ser a favor do planeamento familiar. Mostra que rejeitamos, com razão, este argumento do anónimo.

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  3. Ups!

    Do alfonso Aguilló, e não do anónimo. Foi engano.

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  4. João,

    Ainda bem que alguns partidários do sim compreendem o problema ético e não têm medo de "tirar do contexto". Se o Ricardo de acusar de estares a comparar laranjas com outro tipo de fruta, diz-me que eu ralho com ele :)

    A minha irmã Isabel não foi concebida porque a minha mãe estava grávida. Teve culpa a minha mãe, pelo timing da sua actividade sexual. Tiuve culpa eu, por estar a ocupar o sítio que a Isabel precisava. E teve culpa o Joaquim, o Fernando, a Ana, e milhares de milhões de outras combinações de espermatozoides do meu pai com óvulos da minha mãe que teriam igualmente lixado a Isabel.

    No meio deste pessoal todo, não é muita a culpa que a Isabel pode atribuir à minha mãe. Ou a mim. Ou ao Francisco, à Marta, etc.

    Mas se a Isabel estivesse lá segura e saudável no útero da minha mãe, e a minha mãe tivesse decidido ir ao médico e pagar para matarem a Isabel, aí sim, tinha razão para se sentir injustiçada. Mesmo que não sentisse nada.

    A ética não é contar quantos morrem, ou quantos não vivem. Há muitas formas de morrer que são eticamente irrelevantes. A ética avalia as acções intencionais, com consciência e deliberação. E nisso ir para freira é muito diferente de matar um feto.

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  5. É muito diferente, mas nesse sentido, bem pior.

    Uma mãe que pretende ter dois filhos e aborta, vai ter dois filhos ao longo da sua vida. O resultado das suas escolhas é que duas pessoas vão viver cerca de 70 anos de vida.

    O aborto não mudou isso, caso ela se recusasse terminantemente a ter mais que dois filhos. O resultado das suas escolhas ao longo da vida é que duas pessoas vão viver cerca de 70 anos de vida.
    O resultado de ter abortado é que terá uma das crianças com previsivelmente melhores condições (afectivas e não só).
    As consequências previsíveis da sua decisão são essas.

    Já a freira, as consequências da sua decisão são que a Joana e a Teresa não vão nascer. De todo. E ninguém viverá a tão importante "vida potencial" por elas.
    E não existe outra pessoa a quem responsabilizar pelo facto destas vidas potenciais não serem vividas.


    Acho que é muito mais grave que isto: se aquilo que nós valorizamos numa vida é o seu potencial para ser vivida, e não algo concreto, então temos mesmo de considerar quase criminoso que cada casal não faça os possíveis para ter tantos filhos quantos forem biologicamente possíveis. Temos mesmo de considerar que cada vez que uma mulher prefere não procriar ela está a sobrepor a sua liberdade à de uma vida humana que já não vai ser vivida.

    Eu entendo que tu consideres isso menos grave que matar. Mas tens de considerar GRAVE se quiseres ser coerente.

    Eu não considero que isso é grave. E ninguém considera grave que um casal decida o número de filhos que quer ter em função das suas condições para os criar. E isso demonstra que não é uma questão de "não poder atribuír responsabilidades" (se fosse esse o caso, mesmo que não pudessemos criminalizar ou censurar alguém, certamente acharíamos grave cada oportunidade perdida para a reprodução. Isso demonstra que aquilo que valorizamos em alguém não é o potencial, é algo que ela já tem.

    É aquilo que nos torna humanos. É o podermos produzir um «Eu», é o esse «eu» poder sofrer, é o esse «eu» pensar, sentir, etc...
    Sem cérebro não temos um ser humano. é assim que a lei pensa face ao fim, e é assim que é coerente pensar face ao início.

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  6. João,

    Tenho pouco tempo agora, só um comentário rapidinho:

    «Acho que é muito mais grave que isto: se aquilo que nós valorizamos numa vida é o seu potencial para ser vivida, e não algo concreto, então temos mesmo de considerar quase criminoso que cada casal não faça os possíveis para ter tantos filhos quantos forem biologicamente possíveis.»

    É uma inferência válida, mas a premissa não está correcta. O que estamos a avaliar na ética é uma decisão, e para isso temos que considerar:

    -as consequências
    -as alternativas que foram rejeitadas
    -a responsabilidade de quem decidiu

    Se avaliamos só as consequências, então uma pisadela sem querer é tão condenável como uma pisadela propositada. Se alguém aponta uma pistola à minha cabeça e dispara, é eticamente relevante considerar se a pessoa estava a ser obrigada, ou era sonambula, ou um miudo de dois anos. Mesmo que eu morra exactamente da mesma forma em todos os casos.

    Mas vou tentar esclarecer isso melhor assim que tiver tempo de acabar ou tal post (e o outro a seguir... já se está a acumular...)

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  7. «Se avaliamos só as consequências, então uma pisadela sem querer é tão condenável como uma pisadela propositada. Se alguém aponta uma pistola à minha cabeça e dispara, é eticamente relevante considerar se a pessoa estava a ser obrigada, ou era sonambula, ou um miudo de dois anos. Mesmo que eu morra exactamente da mesma forma em todos os casos.»

    Verdade, mas se uma pisadela resulta na morte de alguém, temos de assumir que o que aconteceu foi dramático.

    A decisão de uma mulher ir para freira resulta provavelmente em que ela não vai ter filhos, por isso parece-me claro que se considerássemos dramática a não concretização de vidas potenciais, teríamos de a considerar responsável.

    Mas mesmo num caso em que a responsabilidade não pudesse ser atribuída (e em muitos casos PODE), não deixaria de ser dramático cada vez que o potencial para criar uma vida não resulta em nada.

    Ou seja, sabendo que uma casal em média poderia ter mais de 10 filhos, nós deveríamos estar em pânico com o verdadeiro genocídio de vidas potenciais que está a acontecer.
    O teu ponto só seria válido para não mandar os casais para a cadeia por terem menos filhos do que os que podem. Não é válido para poderes defender que NÃO é dramático que um casal tenha 2 filhos quando podia ter mais de 10.

    Por isso eu pergunto, e gostaria que respondesses com toda a clareza:

    -Achas lamentável que um casal que poderia ter cerca de 10 filhos, decida só ter 2 porque acha que só tem condições afectivas e materiais para criar 2?

    Não pergunto se achas que o casal devia ser punido (sei que não). Pergunto se achas isso lamentável.

    Suponho que não. Corrige-me se estiver enganado.


    Até arrisco supor que acharias correcta a decisão do casal, de não ter mais do que dois filhos.


    Se assim for, tu não dás peso NENHUM à vida potencial. Tu não dás peso nenhum a estas 8 vidas potenciais que nunca vão surgir.

    Se assim for, tu achas que o casal tem o direito de decidir por estes 8 filhos que não vão existir, se eles têm boas condições para serem criados e educados, mesmo que exista o risco dos pais avaliarem mal a situação. Mais, arrisco que achas que o casal tem o DEVER de o fazer.


    Para seres coerente, tinhas de achar de algum modo errada a decisão do casal. Terias de achar que eles deveriam esforçar-se por ter tantos filhos quantos pudessem - podias não achar que era a sua obrigação, mas certamente que era a atitude certa a tomar. Mesmo que dessem a maioria dos filhos para adoptar. Deveriam continuar a ter mais.

    Não é isso que tu acreditas, e essa incoerência é mesmo fundamental. Tens mesmo de reflectir melhor sobre esse ponto, como eu fiz quando fui quase convencido pelos teus fortes argumentos - mas que têm esta falha enorme. E não dá para passar por cima dela.

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  8. João,

    Mais uma rápida. Penso que estás a confundir duas coisas. Eu acho que é eticamente bom dar sangue, e que eticamente dar sangue é melhor que não dar.

    Mas dada a natureza da decisão, mesmo quando há vidas em jogo, não acho que se possa derivar daí um dever de dar sangue, no sentido de legitimar que se pressione as pessoas para que o façam.

    A liberdade de optar por uma alternativa que não seja eticamente ideal é em si um valor ético importante (sem essa liberdade não havia ética, pois a ética aplica-se a actos voluntários e livres). Temos por isso que considerar, para além dos valores relativos das alternativas em jogo, o valor de permitir a escolha livre entre estas.

    O aborto por opção tem um valor ético suficientemente negativo para justificar alguma pressão. No caso da freira estariamos a ceder um valor ético maior (nota bem: valor ético. A vida em si não é um valor ético, se bem que tenha muitos outros valores -- o valor ético é o valor da escolha consciente)

    Parece que não é só com dois posts que me safo disto... bem vou dar o exame aos alunos, logo à noite vejo o que consigo fazer :)

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  9. «Mas dada a natureza da decisão, mesmo quando há vidas em jogo, não acho que se possa derivar daí um dever de dar sangue, no sentido de legitimar que se pressione as pessoas para que o façam.»

    Mas certamente lamentarás que não o façam. Mesmo que não pressiones ninguém.


    No mesmo sentido, lamentas que um casal tenha dois filhos em vez de 18?
    Achas que não existe "obrigação ética" deles terem o máximo de filhos que puderem, mas que é uma pena que não o façam?


    Estou convicto que não. Estou convicto que achas que um casal deve ter o número de filhos que considera ter boas condições para criar, e não o máximo número que puder.

    Estou convicto que não achas lamentável a decisão de uma mulher ir para freira, valorizando as vidas que não vão surgir nunca fruto de essa decisão.

    Estou convicto que não acharias que este mundo era melhor se os casais tivessem em geral cerca de 6 filhos em vez de 2.


    Ou eu estou errado nestas convicções, ou tudo isto é contraditório com os teus argumentos.


    (Nota: se houvesse muita gente a morrer por falta de sangue, não acharia mal nenhum ir pressionando as pessoas para o fazerem (não no plano legal, obviamente). Eu vou pressionando sempre algumas pessoas a acompanharem-me quando vou dar, e estou consciente que neste momento não existe uma falta crítica de sangue: felizmente em Portugal o IPS está numa situação em que já tem reservas disponíveis satisfatórias)

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