quinta-feira, janeiro 25, 2007

Coincidências.

Num comentário ao post anterior (1), o leitor «kota» escreveu que «houve de facto ajudas por parte de pessoas ditas videntes ou lá o que quiserem chamar. É pouco provável que sejam meras coincidências.»

Pouco quanto? A probabilidade é uma medida que é muitas vezes difícil de estimar de uma forma intuitiva. Imaginem que num grupo de pessoas há duas que fazem anos no mesmo dia. Tentem estimar o tamanho do grupo para o qual a probabilidade de isso acontecer é igual à de não acontecer (50%).

Muitas pessoas apontam para um número à volta de 360, os dias do ano, ou 180, a metade. Mas na realidade com um grupo de 23 pessoas a probabilidade de haver pelo menos duas com aniversários coincidentes é superior a 50%. Com 60 pessoas a probabilidade é de 99%. O cálculo está explicado na Wikipédia (2), e é fácil perceber porque é assim se consideramos que num grupo de 23 pessoas há 506 pares diferentes. Mas a estimativa intuitiva é completamente errada. O nosso cérebro não evoluiu para fazer facilmente este tipo de cálculo.

Outra dificuldade é a nossa tendência de dar mais importância ao que é mais saliente. Um bom exemplo são as “estranhas” semelhanças entre Kennedy e Linclon (3). Eleitos para o congresso em 1946 e 1846, presidentes em 1960 e 1860, ambos assassinados à sexta feira, e assim por diante. Parece demais para ser coincidência, mas é difícil de estimarmos o número imenso de coisas que ficaram de fora por serem diferentes (o nome da sogra, a padaria que frequentavam, a marca da bicicleta que tinham em criança, etc.), e o número de possíveis combinações de presidentes onde procurar semelhanças. Basta num grande número de acontecimentos há certamente alguns que são extremamente raros, mas por pura coincidência. Afinal, por muito difícil que seja para qualquer pessoa ganhar o Euromilhões, não é difícil que alguém ganhe.

Finalmente, a falácia comum da falsa dicotomia: se não é laranja, então tem que ser maçã. Isto leva a conclusões injustificadas só porque «não pode ser coincidência». Por exemplo, quando o Sol está na casa de Capricórnio há muito mais acidentes rodoviários. Isto não é coincidência, no sentido de ser por acaso, pois a diferença é estatisticamente significativa. Mas não tem nada a ver com a astrologia. O signo do Capricórnio inclui o Natal e o Ano Novo, e é o maior número de condutores embriagados que faz aumentar os acidentes.

Em suma, se alguém vos diz que não pode ser coincidência por isso qualquer coisa, o mais certo é estar errado em ambas. Provavelmente é coincidência e, mesmo que não fosse, não queria dizer nada.

1-Eu, 23-1-07, Vida para além da treta.
2-Wikipedia, Birthday Paradox
4-Andy Hughes, Strange coincidences between Abraham Lincoln and John F Kennedy

10 comentários:

  1. Estou, obviamente, de acordo com a tua análise. No entanto, gostaria de saber se concordas com a afirmação de que o facto da ciência não ter explicação para determinados acontecimentos não significa que eles não existam ou se, por outro lado, consideras que a realidade se vai expandindo conforme o leque de conhecimentos científicos se vão alargando.

    Coincidências à parte, o facto de no séc. XVI não se conhecer a energia nuclear não significa que ela não existisse, certo?

    Basicamente, fiquei na dúvida se tens uma opinião pragmática ou dogmática em relação a estas matérias.

    Já te agradeci as "letrinhas irritantes" nos comentários?

    Um abraço.

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  2. Helder,

    É um bom tema para um post, quando tiver mais tempo. Mas, rapidamente, temos que distinguir o que é do que sabemos. Como não sabemos tudo, e muitas vezes nos enganamos, é óbvio que são coisas diferentes.

    E o que justifica as nossas afirmações é o que sabemos. Alguém que afirmasse haver energia nuclear no sec. XVI estaria correcto da mesma forma que um relógio parado está certo duas vezes por dia.

    Por isso quando alguém diz que não é impossivel que coiso e tal, ou que nunca se sabe se tal e coiso, pode ter razão. Mas isso serve de tanto como o relógio parado para ver as horas. De vez em quando acerta, quase sempre está errado, e nunca sabemos quando.

    Espero não ter baralhado muito :)

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  3. Ah, quanto ao pragmatismo contra o dogmatismo, prefiro o realismo :)

    Ou seja, a fiabilidade na previsão das observações é crucial para avaliar uma teoria, mas a teoria não é apenas uma forma pragmática de prever observações. Dá-nos também alguma ideia acerca de uma realidade que não podemos observar directamente.

    Por exemplo, assumir a existência de electrões permite explicar e prever uma data de observações. E mesmo que nunca se possa observar directamente um electrão, seria muita coincidência isto funcionar sem o electrão existir. Neste caso justifica-se concluir (tentativamente) que o electrão existe mesmo, pelo menos enquanto não temos uma explicação melhor.

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  4. O que leva a concluir que a verdade vai sendo alterada, à medida que o conhecimento avança, certo?

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  5. Kota,

    Não... leva a concluir que o que pensamos ser verdade pode não ser. Mas isso não é o mesmo que a verdade mudar. "A Terra é plana" nunca foi verdade. Pensavam que era, mas enganaram-se.

    Também não leva a concluir que todas as afirmações são igualmente válidas. Nenhuma é 100% certa, mas mesmo sem certezas há diferenças. Posso-me enganar ao prever que amanhã vai haver gravidade. E posso acertar ao prever que vou ganhar todos os sorteios do Euromilhões de 2007. Mas, como previsões, não são equivalentes.

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  6. Hehe... agradeço o elogio, mas acho que me falta um bom bocado para ser o Dawkins cá do sítio. Talvez quando tiver mais cabelos brancos ;)

    Mas é uma boa ideia meter aqui umas coisas básicas de ciência. Vou ver se me dá mais para isso -- afinal, tenho que arranjar um tema para depois de dia 11 :)

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  7. As minhas desculpas por não ter sido explícito, mas ao falar da "verdade", queria referir-me ao conhecimento num determinado tempo. Em todo o caso houve tempos em foi tido como verdade que "A Terra é plana", isto leva-nos a pensar sobre a existência ou não de verdades absolutas.

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  8. kota,

    penso que o problema é só de terminologia. Seja verdade a propriedade de uma proposição de corresponder à realidade. Por exemplo, "A Terra é redonda" é verdade se a Terra for mesmo redonda, falsa se não for.

    Nesse caso há verdade absoluta, no sentido de não ser relativa ao que nós sabemos, pensamos, ou dizemos.

    O que não há é certeza absoluta que algo seja verdade, porque temos sempre o problema de saber se uma proposição é verdadeira, e nisso podemos errar.

    Ou seja, há verdade absoluta (nem faz sentido que a verdade não seja absoluta). O que não há é certezas a 100% de que aquilo que pensamos ser verdade é mesmo verdade.

    Mas para efeitos práticos certezas a 99.999% são suficientes ;)

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  9. Se precisar de uns cabelos brancos, eu posso arranjar, o resto não precisa. :)

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  10. Não se preocupem, ele é pai de gémeos. Não tarda nada terá todos os cabelos brancos de que necessita...

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