sábado, outubro 21, 2006

Artistas pirateados

Hoje li mais uns comentários de artistas Portugueses no site Pro-Music. É deprimente ver como a situação é distorcida e mal compreendida. Por exemplo, a Mafalda Arnauth comenta:

«Por favor, façam de um disco um amigo, escutem-no onde é possível, deixem-se seduzir por ele, descubram-no e se ele merecer, comprem-no, ofereçam-no a outros ou esperem que alguém faça o mesmo por vós… porque só assim é que nós podemos garantir que vamos ter a possibilidade de continuar a fazer mais!»

Mafalda: estão-te a enganar. Convenceram-te que os músicos têm que viver das migalhas das editoras, e que sem vender discos não há música. É treta, e vou tentar mostrar que ser músico não é assim tão diferente de outras profissões.

Um artista como a Mafalda tem que ter uma longa formação especializada, o que exige muito tempo e dedicação. Um investigador também; no meu caso foram cerca de 14 anos desde que comecei a licenciatura até que terminei o pós-doutoramento. Um artista tem que ser criativo no seu trabalho. Um investigador também; não se publica um artigo científico a nível internacional sem inovar, sem criar algo que não existia até então. Um artista tem que ser dedicado, pois compor e gravar um álbum dá muito trabalho. Um investigador e professor também; as aulas não se preparam sozinhas, e atrás de cada artigo de uma dúzia de páginas podem estar meses de trabalho e criatividade.

Claro que há muitas diferenças entre a mim e a Mafalda (basta ver as nossas fotografias... os meus alunos prefeririam de certeza que fosse a Mafalda a dar-lhes aulas). Mas a diferença mais relevante é que eu sou pago pelo trabalho que faço, enquanto que a Mafalda recebe uma parte do lucro da editora. E é aqui que estás a ser enganada, Mafalda.

Todo o trabalho criativo que eu faço é livre. O software que escrevo pode ser descarregado da minha página, não cobro aos meus alunos quando usam o conhecimento que lhes transmiti, nem recebo dinheiro quando outros usam os métodos que desenvolvo ou os resultados que publico. Mas isto é óptimo para mim, porque ninguém me pode privar do fruto do meu trabalho. A maioria dos artistas como a Mafalda não tem tanta sorte, por causa dos direitos de autor.

Apesar do nome, raramente são do autor. É a editora que detém os direitos sobre o que o artista cria, e é isto que torna o artista dependente dos lucros da editora. Em vez de pagarem à Mafalda pelo trabalho que faz, privam-na dos direitos sobre o que cria em troca duma parte do dinheiro das vendas, e assim sem vendas a Mafalda não se safa. E se fosse há uns anos a Mafalda não tinha alternativa. Não seria prático ter a sua fábrica de discos ou CDs, e carrinha para os levar às lojas.

Mas agora a Mafalda pode fazer chegar a sua música a milhões de pessoas. E numa audiência tão grande há certamente muitos dispostos a pagar à Mafalda pelo seu trabalho: por concertos, para gravar um álbum, para compor. Assim a Mafalda pode começar a ganhar a vida como qualquer outro profissional que é pago pelo trabalho que faz.

Mafalda, compreendo que a Universal fique alarmada quando milhões de pessoas podem ouvir a tua música sem pagar. Mas para ti é bom que não tenham que pagar à tua editora para ouvir a tua música. É bom porque a maioria dos teus admiradores prefere pagar-te a ti pelo teu trabalho do que à Universal pelos direitos que te tiraram.

A tecnologia no século XX tornou artistas como tu dependentes de uma infra-estrutura dispendiosa que tinha que ser subsidiada. Mas essa dependência acabou. A bem dos músicos e da música, tentem compreender isso.

5 comentários:

  1. Não sendo uma área onde estou à vontade, posso extrapolar:

    Os discos vendem-se porque passam nas rádios.
    Os discos passam nas rádios porque as editoras têm uma pipa de massas para pagar esse previlégio.
    Os autores individuais não têm uma pipa de massas, logo, as suas músicas não passam na rádio, logo, ninguém as ouve, logo, ninguém as compra.
    Isto é tanto mais relevante quanto piores são as músicas, pois as pessoas não as compram pela qualidade mas por se fartarem de as ouvir (é estranho mas verdade...).
    Neste contexto, apenas os músicos de excepcional qualidade poderão se dar ao luxo de prescindir das editoras.
    Pelo que eu conheço, a maioria dos músicos portugueses não encaixa, nem de longe, nessa categoria.

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  2. Não sendo uma área onde estou à vontade, posso extrapolar:

    Os discos vendem-se porque passam nas rádios.
    Os discos passam nas rádios porque as editoras têm uma pipa de massas para pagar esse previlégio.
    Os autores individuais não têm uma pipa de massas, logo, as suas músicas não passam na rádio, logo, ninguém as ouve, logo, ninguém as compra.
    Isto é tanto mais relevante quanto piores são as músicas, pois as pessoas não as compram pela qualidade mas por se fartarem de as ouvir (é estranho mas verdade...).
    Neste contexto, apenas os músicos de excepcional qualidade poderão se dar ao luxo de prescindir das editoras.
    Pelo que eu conheço, a maioria dos músicos portugueses não encaixa, nem de longe, nessa categoria.

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  3. Embora a Mafalda Arnauth, provelmente já não tenha necessidade de recorrer às editoras para vender as músicas, o mesmo não me parece que seja verdade para outros musicos que estão a lançar a carreira.
    Um músico em inicio de carreira tem q ter uma estratégia de markting muito bem montada, se quiser ir a algum lado e é claro q isto n é possivel sem a ajuda de uma empresa especializada, seja uma editora musical, seja uma empresa genérica de markting e publicidade.

    O q provalmente tens razão é q actualmente as editoras já não são necessárias para realizar a distribuição das músicas. O iTunes é um exemplo disso e eu julgo q provavelmente este será o futuro das editoras musicais: vender a música num formato digital encriptado qq. Acho no entanto q os cd's e lp's não irão desaparecer totalmente, irão passar a ser vendidos a preços ainda mais elevados, apenas para coleccionadores.

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  4. Sobre isso da estratégia de Marketing, creio que essa é uma das partes da estutura que o Ludwig argumenta ser dispensável.


    Até agora um músico tem necessitado dela para "triunfar", mas com esta nova estrutura de difusão musical a importância do Marketing vai diminuindo cada vez mais. (E ainda bem!)

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  5. O João Vasco tem razão. A radio por internet tem custos de infraestrutura muito baixos. Se não fosse o copyright, havia radios dessas aos montes, e qualquer músico poderia ter audiência. Como acontece com os blogs, por exemplo.

    É certo que sem o copyright não dava para seguir o esquema das spice girls e afins, de grupos montados (salvo seja) pela editora com castings e publicidade. Os musicos teriam que seguir o percurso mais tradicional de cantar nos bares, ganhar alguns seguidores, e assim antes de vingar. Mas com a internet isso é muito mais fácil.

    E podemos argumentar que esta "perda" na verdade é um ganho para os verdadeiros objectivos do copyright, que não são facilitar a vida aos músicos maus ou às editoras, mas promover a inovação e criatividade artistica. Se perdermos Spice Girls para ganhar Leonard Cohens acho que estamos bem.

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